domingo, 8 de junho de 2014

Usufruto. Imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade.

Pergunta

É possível a instituição de usufruto em imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade?

Resposta

A questão mostra comportamentos diversos e com sustentações bem definidas, deixando os profissionais do direito sem uma base melhor para indicações quanto ao que deve prevalecer, com alguma segurança e tranquilidade, pelas seguintes razões:

Na linha de que imóvel recebido pelo donatário, com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade, pode ser objeto de instituição de usufruto por parte de quem o recebeu como doação, temos:

a) - Sílvio de Salvo Venosa, em citação feita por Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, na obra “As transcrições voluntários na transmissão de bens imóveis - cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, editado pela Quinta Editorial, em parceira com o IRIB”, mostra a defesa da possibilidade da instituição do usufruto nos casos aqui em comento, ou seja, quando o imóvel de propriedade do instituidor foi por ele recebido com tais cláusulas restritivas, por entender que a instituição não se apresenta como ato de alienação;
b) - Orlando Gomes, citado na obra de Carlos Alberto Dabus Maluf - “Das Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade, da Editora Saraiva, página 42” , tem o mesmo entendimento de Sílvio de Salvo Venosa, que vê a situação como de limitação ao direito de propriedade, que não implica em alienação de bem, admitindo, assim, a regular instituição de usufruto na questão em resposta;
c) - Ademar Fioranelli, na obra “Usufruto e Bem de Família - Estudos de Direito Registral Imobiliário, Quinta Editorial, São Paulo, 2013, p. 169/170”, assim se expressa, quanto comenta o assunto:

“Não me parece, data venia, como linha de princípio, que a cláusula de inalienabilidade teria o alcance de impedir que o proprietário faça uso de tal prerrogativa. Devemos, em primeiro lugar, distinguir os direitos reais, que simplesmente limitam o exercício pleno do direito de propriedade, ou seja, o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente dela destacados, daqueles outros direitos reais ditos de garantia – penhor, anticrese ou hipoteca – em que o imóvel dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação (art. 1.419 do CC/2002).

(...) A força vinculante da cláusula de inalienabilidade é a de impedir o poder de dispor, ou seja, de alienar o bem a qualquer título, mantendo-o no seio familiar. Não o de gravá-la por uma limitação, em ônus correspondente ao usufruto, direito real temporário, que se extingue por morte do usufrutuário, com a consequente consolidação da propriedade.”

Em sentido contrário, indicando a impossibilidade da instituição do usufruto aqui em comento, quando o imóvel envolvido tiver sido recebido pelo instituidor com as cláusulas restritivas aqui em trato, temos:

a) Caio Mário da Silva Pereira, na obra “Instituições de Direito civil - vol. IV, 11ª. edição, Editora Forense, página 84” - mesmo não cuidando do tema de forma direta, parece-nos que festejado jurista está a admiti-la, cujo entendimento se sustenta quando comenta a cláusula de inalienabilidade, fazendo seguir abaixo parte do texto que justifica o aqui exposto:

“Tem-se, todavia, admitido a validade da cláusula que entende a impenhorabilidade aos frutos, sob o fundamento de que o beneficiado ficará desprovido da utilidade do bem, se os credores, não podendo penhorá-lo, ficarem com a liberdade de apreender-lhes os rendimentos para satisfação das obrigações.

É preciso, num esclarecimento final e abrangente, dizer que somente se devem entender como limitações ou restrições ao direito de propriedade aquelas que o atingem na sua substância ou nos seus elementos fundamentais. Não o são a transparência de exercício de qualquer dos seus atributos e a outorga de faculdades que não impliquem diminuição na sua plenitude, como se dá com os direitos pessoais ou de crédito. Estes, embora possam importar na utilização da coisa (locação, comodato, etc.), traduzem-se em exercício de direito que não restringe, em princípio, os poderes do dominus”

d) José Ulpiano Pinto de Souza, é também lembrado na referida obra de Eduardo Pacheco, mostrando para a defesa da impossibilidade da instituição do usufruto, que “quem não pode alienar, não pode constituir atos de semi-alienação, como são o usufruto, o uso e a habitação, que tiram à propriedade a sua melhor utilidade”.

De importância também o que nosso nobre Colega, Eduardo Pacheco, aqui já reportado, entende para a situação, como inserto em sua obra, antes noticiada, ou seja:

“Diante de todos os aspectos envolvendo a controvérsia, é inegável que: a) a possibilidade de constituição de direitos reais de superfície, servidão, usufruto, uso e habitação, especialmente se gratuita, pode esvaziar de conteúdo econômico a propriedade e desatender à vontade do instituidor da cláusula, de proteger o beneficiário; b) a constituição de tais direitos importam em limitação do direito de propriedade, atingindo-o em sua substância, transformando a propriedade plena em limitada; c) as cláusulas de inalienabilidade por imporem limitações ao exercício do direito de propriedade, devem ter interpretação restrita: d) a clara manifestação de vontade do instituidor das cláusulas assume enorme relevância, pois aquele que pode gravar o bem com inalienabilidade pode determinar a extensão do gravame, no que concerne a constituição de direitos reais, pois quem pode o mais (proibir a alienação), pode o menos (proibir a constituição de direitos reais). Para evitar conflitos, para prevenir as controvérsias sobre a interpretação da extensão da cláusula e da vontade do instituidor, deve este, no ato de instituição, esclarecer com precisão quais os efeitos da cláusula de inalienabilidade imposta.

Em conclusão, embora os direitos reais de superfície, servidão, usufruto, uso e habitação possam esvaziar o conteúdo do direito de propriedade, é de ser admitida sua constituição diante da inexistência de proibição, mesmo havendo cláusula de inalienabilidade.

Devem os tabeliães, atentos à sua importantíssima função de vetores da paz social, agentes de prevenção de litígios, orientarem os instituidores das cláusulas de inalienabilidade no sentido de definirem a extensão dos efeitos destas, no que respeita à constituição de direitos reais sobre os bens gravados com a inalienabilidade.”

Com o quadro aqui exposto, parece-nos que a situação deve ser analisada pelo Oficial Registrador, caso a caso, procedendo-se as exigências que julgar necessárias, ou praticando o ato, dependendo, aí, de como vai conduzir seu entendimento para a situação em estudos.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.


Fonte: Base de dados do IRIB Responde.

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