O Direito à
Propriedade é um conceito de difícil definição, esta dificuldade nasce da
multiplicidade de aspectos a ela inerente: sociológico, filosófico, histórico,
jurídico, econômico, etc...
O Direito à
Propriedade privada não nasceu junto com a humanidade, na antiguidade, onde prevalecia
a feição predominantemente coletiva, havia a soberania da propriedade coletiva
sobre a individual.
A evolução
das sociedades trouxe consigo a valorização de alguns indivíduos, o que
possibilitou o começo da ideia de propriedade privada, inicialmente de bens
móveis, posteriormente, dos bens imóveis.
A invenção
e posterior expansão da moeda consolidaram a ideia da propriedade individual.
Foi o Direito romano que estabeleceu um complexo mecanismo de
interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios
estatais. A Lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos
escritos consagrados da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do
cidadão[1].
Na Lei das
Doze Tábuas, especificamente na Tábua VI, temos a definição das regras romanas
para a propriedade[2]:
TÁBUA SEXTA
Do direito de propriedade e da
posse
- Se alguém empenha a sua coisa ou
vende em presença de testemunhas, o que prometeu tem força de lei.
- Se não cumpre o que prometeu, que
seja condenado em dobro.
- O escravo a quem foi concedida a
liberdade por testamento, sob a condição de pagar uma certa quantia, e que é
vendido em seguida, tornar-se-á livre se pagar a mesma quantia ao comprador.
- A coisa vendida, embora entregue,
só será adquirida pelo comprador depois de pago o preço.
- As terras serão adquiridas por
usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano.
- A mulher que residiu durante um
ano em casa de um homem, como se fora sua esposa, é adquirida por esse homem e
cai sob o seu poder, salvo se se ausentar da casa por 3 noites.
- Se uma coisa é litigiosa, que o
pretor a entregue provisoriamente àquele que detém a posse; mas se se tratar da
liberdade de um homem que está em escravidão, que o pretor lhe conceda a
liberdade provisória.
- Que a madeira utilizada para a
construção de uma casa, ou para amparar videira, não seja retirada só porque o
proprietário a reivindica; mas aquele que utilizou a madeira que não lhe pertencia,
seja condenado a pagar o dobro do valor; e se a madeira é destacada da
construção ou do vinhedo, que seja permitido ao proprietário reivindicá-la.
- Se alguém quer repudiar a sua
mulher, que apresente as razões desse repúdio.
A propriedade para o Direito
Romano era um direito absoluto, perpétuo, oponível contra todos e exclusivo de
seu titular que poderia dela dispor com plenitude[3].
Atualmente, vários importantes
doutrinadores continuam a árdua missão de conceituar o Direito a Propriedade.
Eros Roberto Grau[4]
sustenta que a propriedade privada tem, essencialmente, 4 perfis,
identificando-os como (a) o subjetivo, relativo ao exame estaticamente
considerado da situação jurídica do proprietário; (b) o objetivo, pertinente a
seu reconhecimento como situação jurídica legítima pelo ordenamento; (c) o
estático, representativo da perenidade da propriedade enquanto prerrogativa
oponível erga omnes; e (d) o dinâmico, decorrente da nova roupagem assumida
pela propriedade privada, notadamente no tocante aos bens de produção, em razão
do conflito entre propriedade e trabalho, em relação ao qual incide, de modo
pronunciado, o princípio da função social da propriedade privada.
Para Maria Helena Diniz, a
propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem de usar, gozar,
dispor e reaver[5].
Clóvis Beviláqua preconiza que a
propriedade é o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da
vida física e moral[6].
Diante da dificuldade de
conceituar o vocábulo propriedade, Scialoja[7]
viabiliza três opções:
a) limitar a propriedade a seus
elementos constitutivos: direito de usar (jus utendi ), gozar (jus fruendi) e
dispor (jus abutendi).
b) enfatizar que a propriedade
vem a ser a exteriorização da vontade livre do proprietário; e,
c) relevar o momento estático da
relação jurídica da propriedade sem preocupar-se com a possível manifestação da
vontade do proprietário.
O
direito à propriedade tem embasamento na lei que o institui, atendendo as
exigências sociais que cada época exige.
O
conceito de direito à propriedade, formatado com base na legislação brasileira
atual, se fundamenta em face de suas características e função.
A
Constituição Federal[8]
estabelece que:
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias
Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES
INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguinte
...........
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
TÍTULO VII
Da Ordem Econômica e
Financeira
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA
ATIVIDADE ECONÔMICA
Art.
170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
.......
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
CAPÍTULO II
DA POLÍTICA URBANA
Art.
182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar
de seus habitantes.
......
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função
social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor.
....
§ 4º - É facultado ao
Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano
diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
.......
II - imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
CAPÍTULO III
DA POLÍTICA AGRÍCOLA E
FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA
Art.
184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural que não esteja
cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos
da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no
prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja
utilização será definida em lei.
Art.
185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média
propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua
outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei
garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o
cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
Art.
186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos
O
Código Civil em vigência por sua vez, estabelece em seu artigo 1.228 que:
Art. 1.228[9]. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,
e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha.
§ 1o O direito
de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico
e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das
águas.
§ 2o São defesos os atos que não
trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado
da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou
interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público
iminente. (grifo nosso)
Como observado, o direito à
propriedade é conceituado em nosso ordenamento através de suas faculdades
(usar, gozar, dispor e reaver), características (absoluto, exclusivo, perpétuo,
elástico e fundamental) e finalidade (função social).
O direito à propriedade, como
regra geral, atribui ao titular da coisa às faculdades de USAR, que é a
prerrogativa do dono de servir das suas utilidades, GOZAR que é o poder de
receber seus frutos; DISPOR que é a prerrogativa de desfazer e, REAVER, que é o
direito de reaver a coisa de quem a injustamente a pegou.
O direito à propriedade é
caracterizado por seu caráter absoluto,
entendido como a ideia de ter o maior número de poderes inerentes ao domínio da
coisa (elencados no artigo 1.228 do Código Civil).
A exclusividadeé presumida até que haja prova em contrário.
O direito à propriedade
transcende a morte de seu titular, sendo transmitida instantaneamente a seus
herdeiros, daí seu caráter perpétuo.
Partindo das faculdades da
propriedade (usar, gozar, dispor e reaver) é possível a existência de uma
“propriedade parcial” com a consequente criação de direitos reais, restritos a
cada uma das faculdades individualmente, daí sua caracterização como elástica.
A condição de fundamental da propriedade é uma
criação trazida diretamente da Constituição Federal de 1.988 que passou a
considera-la como um direito fundamental (artigo 5º).
Todos os institutos jurídicos, incluindo
o direito à propriedade, devem se adaptar à noção geral da função social, ou seja, possuir uma finalidade em razão da qual justifique
a sua existência.
O ordenamento jurídico deve
garantir o direito à propriedade individual, mas esse direito deve ser exercido
dentro de limites, sem abusos, principalmente no que concerne ao não
aproveitamento de um bem, por outro lado, deve estar relacionado, também, a uma
utilização efetiva e constante do mesmo.
A proteção ao direito de
propriedade está diretamente relacionada à destinação que se faz ao uso de um
bem, de tal forma que esta proteção apenas se justifica se a destinação dada estiver
alinhada à sua função social.
Autor: Luiz Fernando Godo
Autor: Luiz Fernando Godo
[1]MORAES,
Alexandre. Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 7
[2]http://api.adm.br/direito/TABUAS.htm
- acessado em 29 de março de 2.013
[3]GUIMARÃES,
Affonso Paulo - Noções de Direito Romano - Porto Alegre: Síntese, 1999;
[4] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na
Constituição de 1988. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 237;
[5]DINIZ,
Maria Helena. Código Civil Anotado. 15. Ed. São Paulo: editora Saraiva, 2010.
P. 848;
[6]BEVILÁQUA,
Clóvis. Direito das Coisas. Coleção história do Direito Brasileiro. Brasília:
Senado Federal, 2003. V. 1, p. 127
[8]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
acessado em 28 de março de 2013;
[9]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm#propriedadetituloiii,
acessado em 01 de abril de 2.013;