segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ação para exclusão de sócio de sociedade limitada. Art. 1.030 do CC/2002. Justa causa. Falta grave. Prova necessária

Íntegra do acórdão:

Acórdão: Apelação Cível n. 2006.048137-0, da Capital.
Relator: Des. Domingos Paludo.
Data da decisão: 25.11.2010.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO PARA EXCLUSÃO DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA. ART. 1030 DO CC. JUSTA CAUSA. FALTA GRAVE. PROVA NECESSÁRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ART. 333, II, CPC. SENTENÇA ANULADA. A exclusão de sócio por iniciativa dos demais somente pode ocorrer diante de falta grave, incapacidade superveniente ou as previsões do art. 1004, CC. Se a alegação é de falta grave, mesmo incontroversos os fatos relatados na inicial, o sócio que se quer excluir tem o direito de provar que age com justa causa, que exclui os motivos de sua exclusão. Julgamento antecipado que cerceia ao réu o direito de provar fatos relevantes e controvertidos, de cuja falta de demonstração decorreu a derrota, deve ser anulado, para que se instrua o feito.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.048137-0, da comarca da Capital (5ª Vara Cível), em que é apelante Ana Maria Rocha Abreu, e apelados Aldo Rocha e outros:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para anular a sentença. Custas legais. Tomou ciência do Relatório e aceitou funcionar como Revisor o Exmo. Des. Jânio Machado, nos termos do art. 552, §3º, do CPC e do art. 21, II, do RITJ/SC.

RELATÓRIO
Aldo Rocha, Enflotur – Empresa Florianópolis de Transportes Coletivos Ltda, Ruth Fidélis Rocha, Arlete Maria Rocha, Alda Maria Rocha, Cristina Maria Rocha Nunes Xavier, Carla Rocha Nunes, Espólio de Aldo Moura Ferro, e Biguaçu – Transportes Coletivos Administração e Participações Ltda ajuizaram ação de dissolução parcial de sociedade com apuração e pagamento de haveres sociais em face de Ana Maria Rocha Abreu e, segundo a inicial, a requerida não tem comparecido às reuniões societárias; tal circunstância configura falta grave e demonstra seu desinteresse e desídia para com os assuntos da sociedade; a conduta da ré dificulta o andamento das questões societárias e agrava os ânimos entre os sócios; o clima de animosidade aumenta na medida em que a requerida ajuíza ações em desfavor de seu genitor e sócio-majoritário (Aldo Rocha), imputando-lhe o cometimento de crimes sem qualquer indício probatório; seu único objetivo é denegrir a honra e a imagem de seu pai e demais sócios e, por conseguinte, da empresa, que presta serviço essencial ao interesse público; tais acusações servem como pano de fundo ao seu interesse patrimonial; e não resta outra solução senão a exclusão da ré da sociedade pela quebra da affectio societatis.

Requereram a destituição da sócia demandada, com a apuração e pagamento de seus haveres.
Citada, a ré apresentou defesa, na qual alegou que deixou de assinar as últimas alterações contratuais porque discordava da diluição do capital social operada; o sócio-majoritário Aldo Rocha não permitia a ingerência de seus familiares na vida da sociedade; sua mãe e sócia da empresa (Ruth Fidelis Rocha) foi interditada, oportunidade em que foi nomeado como curador Aldo Rocha (esposo da interditada); a negativa em assinar tais alterações visava proteger o patrimônio de sua genitora que, após a interdição, de 25% das cotas sociais passou a ter apenas 11%; seu patrimônio também foi afetado com as alterações contratuais realizadas; não está legalmente obrigada a participar das reuniões societárias; não comparecia a reuniões em razão da forma autoritária como agia Aldo Rocha; as diversas ações ajuizadas objetivam apenas o resguardo dos interesses patrimoniais da curatelada; inexiste motivo para que seja determinada a sua exclusão do quadro societário; de qualquer forma, a apuração dos haveres deve ser efetuada através de balanço especial e pagamento em única parcela.

Pleiteou a improcedência da ação com a condenação dos autores ao pagamento de custas e honorários.

Replicado o feito, sobreveio sentença cujo dispositivo foi assim redigido (fl. 237):
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação, para o fim de que, em decretando a dissolução parcial da empresa Enflotur Empresa Florianópolis de Transportes Coletivos Ltda, determinar que, em liquidação de sentença, sejam apurados os haveres de Ana Maria Rocha Abreu, ora excluída, com a exata verificação física e contábil dos bens e direitos da sociedade, atualizando-se ditos haveres em seu valor monetário ao tempo da liquidação e através e através de balanço especial (valor real e não apenas contábeis), conforme vêm decidindo o Supremo Tribunal Federal (RTJ 72/465 81/357 e 89/1.054), que deverá ser pago conforme estipulado no contrato social consolidado, em sua cláusula nona (fl. 35), ou seja, em 20 (vinte) parcelas iguais, mensais e sucessivas, corrigidas monetariamente pelo INPC, respeitando assim o disposto no art. 1.031, parágrafo 2º do CC. Condeno a requerida no pagamento das custas e despesas processuais e na verba honorária que fixo em 20% (vinte por cento) sobre os seus haveres, alertando-a do disposto no art. 1.032 do código civil vigente.

Opostos embargos de declaração pela demandada, foram eles rejeitados (fl. 245).
Da decisão apela a ré, alegando, em preliminar, cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, uma vez que imprescindível a produção de prova pericial para comprovação da diluição patrimonial de suas cotas sociais. No mérito, afirma ser descabido o parcelamento dos haveres societários a serem percebidos; não participou da alteração contratual que permitiu tal abusividade; a apuração dos haveres deve ser realizada a partir da propositura da ação ou com base na situação patrimonial da empresa à época da 21º alteração contratual (21.12.1993), momento em que se iniciou o conflito entre os sócios; a apuração da situação patrimonial na data do trânsito em julgado da sentença, como determinado, torna inócua a medida e traz sérios prejuízos à sócia excluída; necessária a fixação de juros moratórios contados a partir da citação, e não a partir da liquidação da sentença; excessiva a verba honorária arbitrada.

Pede o provimento do recurso para que seja anulada a sentença pelo cerceamento de defesa e, alternativamente, a reforma da decisão com a inversão dos ônus sucumbenciais.
Com as contrarrazões, os autos vieram.
É o relato.

VOTO
Satisfeitos os requisitos para tanto, do apelo se conhece.
Tem-se como certo nos autos que há acirrada animosidade entre os envolvidos; houve quebra da affectio societatis; a recorrente não comparecia às reuniões societárias; a apelante recusou-se a assinar as últimas alterações contratuais por discordar do seu conteúdo; ajuizou diversas ações contra alguns sócios da empresa.

Discute-se a necessidade de perícia para comprovação de diluição patrimonial das cotas sociais da apelante, decorrente das alterações contratuais realizadas pelos apelados; impossibilidade de parcelamento dos haveres não pagos à sócia retirante; fixação de termo para a apuração dos haveres e dos juros de mora; e verba honorária.
Pretende a apelante produzir provas na ação e, como não se lhe deferiu isto, quer que se anule a sentença.

O pedido delimitado pelos autores é no sentido de "exclusão da sócia Requerida ANA MARIA ROCHA ABREU do quadro social da empresa EMFLOTUR" (fl. 18) e ajuizada a ação em 25/07/2003, as regras que o disciplinam estão no CC de 2002.

Em seu art. 1030, o CC, diz: "Ressalvado o disposto no art. 1004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente".
Sobre a possibilidade de exclusão de sócio, por iniciativa da maioria, é a explicação de Arnaldo Rizzardo:

A exclusão de sócio é imposta pelo princípio da preservação da atividade que desempenha a sociedade. Decorre, geralmente, da iniciativa da maioria dos demais sócios, constituindo uma novidade em relação aos diplomas legais anteriores. Justificam o afastamento hipóteses como a falta de cumprimento de obrigações, a prática de falta grave na sociedade e a superveniência de incapacidade do sócio. O ordenamento jurídico deve assegurar os meios capazes de expurgar os elementos perturbadores da vida da sociedade. Trata-se de um direito que tem a sociedade, que se externa na defesa contra aqueles que põem em risco a sua existência. (Direito da empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 152).

Percebe-se que é insuficiente a exclusão do sócio somente baseada na quebra do affectio societatis como reconhecido na sentença.

A causa de pedir é clara na inicial: os autores alegam que a requerida cometeu falta grave como sócia da empresa e, assim, querem a sua exclusão.

E como falta grave apontam a não participação da apelante na vida da empresa pois "cientificada das respectivas reuniões de quotistas, a elas nunca compareceu, o que comprova que jamais se interessou ou participou da vida societária". Apesar de afirmarem que a falta grave está vinculada a ausência de affectio societatis, é necessário mais do que simples afirmação para reconhecer a necessidade de exclusão de sócio cotista.

Não é a alegação de quebra da affectio societatis por si só que autoriza aplicar a penalidade – estamos diante de verdadeira penalidade para o sócio faltoso – mas a prática de falta grave que levou àquela consequência.
Neste sentido a jurisprudência:

[...] Não se encontra, nos autos, configurada qualquer conduta da demandada/apelada que possa caracterizar descumprimento de seus deveres inerentes à qualidade de sócia (artigo 336, inciso III, do antigo código comercial, que prevê, em caso de tal violação, a possibilidade de expulsão do sócio); doutra banda, no que tange à quebra da affectio societatis, ou seja, à perda do ânimo intersubjetivo para o exercício da empresa, tem-se que esta, ainda que configurada, não justifica a expulsão de sócio da sociedade, a menos que este tenha incorrido nas faltas descritas no artigo 336, inciso III, do CCom. Nessa ordem de idéias, a vontade de se desvincular da sociedade, já pela perda da affectio societatis, pode ser exercida, como efetivamente ocorreu, pela cessão de cotas (no caso concreto, contratualmente permitida), sem implicar, portanto, a dissolução parcial daquela. De outro modo, acaso vedada a alienação, pode a desvinculação se dar pelo exercício do direito de retirada. Apelação improvida. Decisão unânime. (TJ-PE, AC 0083059-9, Des. Eduardo Augusto Paura Peres, j. 26/05/2009).

Rizzardo, na mesma obra, exemplifica as causas que justificam a exclusão:
[...] Vários os exemplos de falta grave, como prejudicar a sociedade moralmente, desviar seus recursos ou malversação dos fundos, gestão fraudulenta, erros de gerência, desvios de finalidade, abuso de personalidade, uso da firma para interesses diversos daqueles da sociedade, recebimento de comissões em benefício pessoal, falta de colaboração, endividamento sem causa, além de inúmeras outras condutas. (Op. Cit., p. 153).

E Maria Helena Diniz lembra a necessidade de que a exclusão, a partir do CC de 2002, ocorra na via judicial, exigindo-se a prova da falta grave:
Antes do advento do novo Código Civil era possível excluir sócio de sociedade limitada, por simples deliberação da maioria, desde que não houvesse estipulação em contrário no contrato social, apurando-se seus haveres na forma prevista no pacto social. Hoje será imprescindível que, para tanto, se comprove a ocorrência de falta grave ou os riscos da continuidade da sociedade. (Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 397).

A negativa de participação da vida societária, em especial nos momentos em que é imprescindível que o sócio se manifeste – como nas alterações do contrato social – é motivo para a exclusão como querem os apelados.

Entretanto, apesar de admitir as desavenças com seu pai, a autora nega ter cometido qualquer falta perante a sociedade, pois suas atitudes – o não comparecimento às reuniões e a não assinatura das alterações contratuais – estariam justificadas por irregularidades cometidas na administração do negócio.

Pleiteia a apelante a alteração da sentença para que se reconheça a improcedência de sua exclusão da sociedade, pois ausente qualquer justificativa que assim autorize, demonstrando a intenção de continuar como sócia da empresa.

Apesar de serem incontroversos os fatos alegados pelos autores – o que os isenta, a princípio, de produzir alguma outra prova (art. 333, I, CPC) –, tem a apelante o direito de provar fato impeditivo do direito deles.

O inciso II do art. 333 do CPC é claro ao disciplinar que a prova cabe "ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor". Por outro lado, não foi oportunizado à apelante a prova dos fatos que alega e que afastaria a procedência do pedido.
O julgamento antecipado da lide, então, cerceou a defesa da apelante a partir do momento que impossibilitou que ela provasse que suas atitudes na sociedade eram decorrentes de motivo justificado.

As justificativas apresentadas pela apelante são relevantes já que, apesar de reconhecer que não participava das reuniões – porque o pai, sócio majoritário, as conduzia ao seu "bel-prazer" sendo indiferente a sua presença – também afirma que somente deixou de assinar as alterações contratuais (a partir da terceira) porque prejudicavam-lhe financeiramente, bem como a sua mãe, interditada.

E parece mesmo que a negativa de concordar com as alterações contratuais é que fez com que a ação fosse ajuizada. Na inicial os apelados alegam que a apelante nunca se envolveu com os negócios da empresa, o que parece que jamais causou qualquer problema, já que silenciaram durante longos anos, mas somente surge a necessidade de exclusão quando ela passa a negar-se a assinar alterações contratuais.

Como forma de provar o que alega, disse a apelante na sua contestação que desejava "todos os tipos de provas em direito admitidas, especialmente pelo depoimento pessoal dos requerentes, e pela prova pericial, a fim de comprovar a diluição do capital social da empresa admitida como sócia (BIGUAÇU), e, assim, a justa causa ao se negar a assinar os instrumentos de alteração contratual correspondentes".

E a oportunidade de provar lhe foi negada, com o julgamento antecipado.
Sobre o cerceamento de defesa, Vicente Greco Filho é quem adverte:
Dois erros o juiz deve evitar, porque não é ele o único órgão julgador, cabendo-lhe instruir adequadamente o processo a fim de que possa ser julgado, também, em grau de apelação: indeferir provas pertinentes porque já se convenceu em sentido contrário e, igualmente, indeferir provas porque, em seu entender, a interpretação do direito não favorece o autor. Em ambos os casos, o indeferimento de provas ou o julgamento antecipado seria precipitado, com cerceamento da atividade da parte, caracterizador de nulidade. (Direito processual civil brasileiro, Saraiva: São Paulo, 2009, p. 186).

Sirva de norte também a lição de José Joaquim Carmon de Passos:
Existindo fatos controvertidos, a necessidade de prova a respeito deles exige, ainda, que esses fatos controvertidos sejam pertinentes e relevantes. Fato pertinente é o que diz respeito à causa, o que não lhe é estranho. Fato relevante, aquele que, sendo pertinente, é também capaz de influir na decisão da causa. (Comentários ao código de processo civil, Rio de Janeiro: Forense, vol. III, 2004, p. 463).

A sentença partiu da premissa equivocada de que ausente a affectio societatis – que reconheceu inexistir diante da incontrovérsia sobre os desentendimentos – possível a exclusão, não viu o condutor do processo a necessidade de abrir a instrução, o que é inarredável.
Assim, diante do direito da apelante provar o que alega – e que poderá influenciar sobremaneira no julgamento da lide – é o caso de anular a sentença para que os autos retornem à origem, onde se proceda a instrução.
É como voto.

DECISÃO
Ante o exposto, esta Terceira Câmara de Direito Comercial, nos termos do voto do Relator, resolve conhecer o recurso e dar-lhe provimento para anular a sentença.
O julgamento, realizado no dia 25 de novembro de 2010, foi presidido pelo Desembargador Jânio Machado, com voto, e dele participou o Desembargador Paulo Roberto Camargo Costa.

Florianópolis, 25 de novembro de 2010.

Domingos Paludo
RELATOR

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