terça-feira, 24 de junho de 2014

STJ. Promessa de compra e venda de imóvel em construção. Inadimplemento parcial. Atraso na entrega do imóvel. Mora. Cláusula penal. Perdas e danos. Cumulação. Possibilidade


Íntegra do acórdão:
Acórdão: Recurso Especial n. 1.355.554 - RJ.
Relator: Min. Sidnei Beneti.
Data da decisão: 06.12.2012.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.355.554 - RJ (2012⁄0098185-2)
ELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : GAFISA S⁄A
ADVOGADO : RICARDO DE MENEZES SABA E OUTRO(S)
RECORRIDO : TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO NEGRÃO DEBENEDITO SILVA
EMENTA: DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. MORA. CLÁUSULA PENAL. PERDAS E DANOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1.- A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pre-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora. 2.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema. 3.- O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora. 4.- Recurso Especial a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 06 de dezembro de 2012(Data do Julgamento)
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.355.554 - RJ (2012⁄0098185-2)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : GAFISA S⁄A
ADVOGADO : RICARDO DE MENEZES SABA E OUTRO(S)
RECORRIDO : TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO NEGRÃO DEBENEDITO SILVA
RELATÓRIO
O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):
1.- GAFISA S⁄A interpõe Agravo de Decisão que negou seguimento a Recurso Especial, manejado contra Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator o Desembargador CAETANO E DA FONSECA COSTA, assim ementado (fls. 176):
RESPONSABILIDADE CIVIL - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NOVO - ATRASO NA ENTREGA - FORÇA MAIOR - INOCORRÊNCIA - CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA LUCROS CESSANTES - ACUMULAÇÃO - POSSIBILIDADE
- Cuida a hipótese de Ação Ordinária objetivando a declaração da mora da Ré desde 01⁄09⁄2008 a 26⁄11⁄2009, conforme cláusula 3.2 do contrato de promessa de compra e venda de imóvel novo, além de sua condenação ao pagamento da multa de 1% (um por cento) ao mês prevista na mesma cláusula.
- Alegação da Ré de atraso na entrega do imóvel por motivo de força maior que não se sustenta.
- Cláusula penal moratória instituída contratualmente para o caso de atraso na entrega do imóvel.
- Lucros cessantes que foram objeto de ação diversa, o que não constitui coisa julgada em face da presente demanda.
- Cláusula penal moratória e lucros cessantes que possuem naturezas diversas.
- Possibilidade de acumulação da cláusula penal com os lucros cessantes, que podem ser pleiteados em ações distintas.
- Sentença mantida.
- Desprovimento do Recurso.
2.- Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 190⁄196 ).
3.- A Agravante, nas razões do Recurso Especial, sustenta que o promitente comprador diante do atraso na entrega do imóvel adquirido à construtora que o prometeu vender não pode cobrar, simultaneamente, a cláusula penal prevista no contrato consistente em multa de 1% por mês de atraso, e ainda, valor mensal correspondente ao aluguel desse mesmo imóvel. Segundo alega, a cláusula penal não pode ser cobrada juntamente com os lucros cessantes, sob pena de se ofensa ao artigo 402, 410 e 411 do Código Civil, porque ela já serve como fixação antecipada das perdas e danos.
Além disso o contrato não permitia a cobrança indenização suplementar àquela pré-fixada no próprio contrato. O Tribunal de origem, assim não entendendo, teria violado os artigos 416 e 421 do Código Civil.
4.- Não admitido na origem, o Recurso Especial teve seguimento por força de Agravo Provido.
É o breve relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.355.554 - RJ (2012⁄0098185-2)
VOTO
O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):
5.- Consta dos autos que TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA e seu marido ERNANI SIMÕES CORRÊA celebraram com a GAFISA contrato de promessa de compra e venda de apartamento em construção que seria entregue até o 01⁄09⁄2008, mas que, em razão de atraso na conclusão da obra, somente veio a ser entregue no dia 26⁄11⁄2009.
6.- Em razão disso os promitentes compradores ajuizaram uma ação (fls. 89⁄96) distribuída sob o nº 0131725-61.2010.8.19.001 ao 4º Juizado Especial Cível - Catete, pleiteando indenização pelos lucros cessantes consistentes no valor estimado do aluguel do imóvel, haja vista que o bem havia sido adquirido por eles com esse objetivo. O pedido formulado foi julgado parcialmente procedente para condenar a GAFISA ao pagamento de R$ 13.000,00, correspondentes à mora verificada entre outubro de 2008 e novembro de 2009 (fls. 98⁄100).
7.- Também ajuizaram a ação que deu origem aos presentes autos, distribuída sob o nº 0131601-78-2010.8.19.001 à 30ª Vara Cível da Comarca da Capital, pleiteando a condenação da GAFISA ao pagamento da multa contratual pelo período de mora verificado (fls. 03⁄07).
8.- A Sentença afastou a preliminar de coisa julgada invocada em sede de contestação, afirmando que o pedido formulado nesses feitos não era o mesmo, embora conectados pela mesma causa de pedir: a mora. Em seguida julgou procedente o pedido formulado nesse segundo processo para condenar a Ré ao pagamento da multa contratual de 1% ao mês sobre o valor do imóvel, conforme viesse a ser apurado em liquidação, incidente no período compreendido entre 01⁄09⁄2008 e 26⁄11⁄2009 (fls. 147⁄151).
9.- O Tribunal de origem, conforme se extrai da ementa constante do relatório, também rechaçou a preliminar de coisa julgada e, no mérito, manteve a conclusão da sentença, ressaltando a possibilidade de cumulação da multa contratual moratória e da indenização por perdas e danos (lucro cessante).
10.- Nas razões do especial discute-se, essencialmente, se é possível cumular a indenização correspondente à cláusula penal moratória e a indenização por lucros cessantes.
Impende saber, portanto, se o promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também uma indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora.
11.- A cláusula penal, também chamada de pena convencional, ensinam NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA NERY (Código Civil Anotado. 8ª ed.: Revista dos Tribunais, 2011, p. 526) "é o pacto acessório à obrigação principal, no qual se estipula a obrigação de pagar pena ou multa, para o caso de uma das partes se furtar ao cumprimento da obrigação".
12.- Nos termos do artigo 408 do Código Civil, a possibilidade de uma parte exigir a cláusula penal surge de pleno direito desde de que a outra parte contratante tenha, culposamente, deixado de cumprir a obrigação, ou incorrido em mora.
13.- O artigo 409, na mesma linha, assinala que: "A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora".
14.- Já aí se percebe que existem essencialmente dois tipos diferentes de cláusula penal: aquela vinculada ao descumprimento (total) da obrigação, e aquela que incide na hipótese de mora (descumprimento parcial). A primeira é designada pela doutrina como compensatória, a segunda como moratória.
15. Conquanto se afirme que toda cláusula penal tem, em alguma medida, o fito de reforçar o vínculo obrigacional (Schuld), essa característica se manifesta com maior evidência nas cláusulas penas moratórias, visto que, nas compensatórias, a indenização fixada contratualmente serve como pré-fixação das das perdas e danos decorrentes do inadimplemento (artigo 410).
16.-Tratando-se de cláusula penal moratória, o credor estará autorizado a exigir não apenas o cumprimento (tardio) do avençado, como ainda a cláusula penal estipulada. Nesses termos a dicção expressa do artigo 411 do Código Civil: "Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal."
17.- A questão que se coloca é se o credor também estará autorizado a exigir (além da prestação tardia e da multa) as perdas e danos decorrentes da mora.
18.- Dentro do nosso sistema, a obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pré-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune o retardamento no cumprimento da obrigação.
19.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere com a responsabilidade civil correlata que já deflui naturalmente do próprio sistema.
20.- Concede-se ao credor, nesses casos, a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação, b) a multa contratualmente estipulada e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora.
Nesse sentido a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
(...) Quando a cláusula penal é moratória, não substitui nem compensa o inadimplemento. Por essa razão, nenhuma alternativa surgem, mas, ao revés, há uma conjugação de pedidos que o credor pode formular: o cumprimento da obrigação principal que não for satisfeita oportunamente, e a penal moratória, devida como punição ao devedor, e indenização ao credor pelo retardamento oriundo da falta daquele. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil Vol. II, 17ª ed.: Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 106⁄107).
Na mesma linha:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL. PROMITENTE COMPRADOR QUE NÃO REÚNE CONDIÇÕES ECONÔMICAS PARA O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR. RESÍDUO INFLACIONÁRIO. CLÁUSULA PENAL. INDENIZAÇÃO PELA FRUIÇÃO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.
(...)
- A multa prevista pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas e danos pela fruição do imóvel, que é legítima e não tem caráter abusivo quando há uso e gozo do imóvel.
(REsp 953.907⁄MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 09⁄04⁄2010);
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz em punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de indenização relativa aos prejuízos dele decorrentes. Precedente.
(REsp 968.091⁄DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, DJe 30⁄03⁄2009).
21.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2012⁄0098185-2
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1355554 ⁄ RJ
Números Origem: 0131601782010890001 201213703409
PAUTA: 04⁄12⁄2012 JULGADO: 06⁄12⁄2012
Relator
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : GAFISA S⁄A
ADVOGADO : RICARDO DE MENEZES SABA E OUTRO(S)
RECORRIDO : TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO NEGRÃO DEBENEDITO SILVA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Promessa de Compra e Venda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

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