terça-feira, 24 de junho de 2014

TJSP. Anulação de escritura de doação de bem imóvel, anteriormente objeto de legado. Ausência de prova da incapacidade da doadora, que pode dispor livremente de seus bens em vida

"Anulação de escritura de doação de bem imóvel, anteriormente objeto de legado. Ausência de prova da incapacidade da doadora, que pode dispor livremente de seus bens em vida. Não verificada violação ao artigo 1.969 do Código Civil. Doação que não revogou o testamento que continua válido, mas ineficaz. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido".


Registro:2013.0000068508
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos destes autos do Apelação nº 9175335-65.2009.8.26.0000, da Comarca São José do Rio Preto, em que é apelante LAMIA ALMEIDA, são apelados MONICA RUSSEL DE LIMA BASILIO e LESLIE WILD BASILIO. ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação do Exmos. Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente sem voto), BERETTA DA SILVEIRA E EGIDIO GIACOIA. São Paulo, 19 de fevereiro de 2013
João Pazine Neto
RELATOR
Assinatura Eletronica PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
Apelação Nº 9175335-65.2009.8.26.0000 Comarca: São José do Rio Preto
Apelante: Lamia Almeida
Apelados: Monica Russel de Lima Basilio e Leslie Wild Basilio
Voto nº 5576
Anulação de escritura de doação de bem imóvel, anteriormente objeto de legado. Ausência de prova da incapacidade da doadora, que pode dispor livremente de seus bens em vida. Não verificada violação ao artigo 1.969 do Código Civil. Doação que não revogou o testamento que continua válido, mas ineficaz. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido.
Trata-se de ação de anulação de doação julgada improcedente pela r. sentença de fls. 94/98, cujo relatório adoto.
Apela a Autora para buscar a reforma do julgado. Em síntese, irresigna-se contra a afirmação do Juiz de que a “superveniente doação do imóvel a pessoa diversa daquela beneficiária no testamento, foi manifestação inequívoca da modificação da vontade da testadora”. Entende que o termo de doação teve como beneficiários as mesmas partes constantes da escritura pública de testamento, apenas com sua exclusão, que à época era menor impúbere. A doação foi feita às escuras, com o único intuito de prejudicar-lhe. É sabido também que o testamento público só se revoga por outro testamento, a que não se equipara o termo de doação, feito às mesmas partes contempladas naquele instrumento, como veiculo hábil a modificá-lo, alterá-lo ou revogá-lo.PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
O recurso foi recebido e processado, com oferta de contrarrazões (fls. 115/119). Dispensado o preparo, por ser a Autora beneficiária da Justiça gratuita (fl. 20).
Conforme designação da Presidência da Seção de Direito Privado, publicada no DJE de 01.06.12 (fls. 12), c.c. a Portaria 04/2012 da mesma Presidência, estes autos foram redistribuídos a este Relator.
É o relatório. Ressalvado o douto entendimento da Apelante, a r. sentença de fls. 94/98, da lavra do Dr. Lincoln Augusto Casconi, não comporta reparos.
Pretende a Autora a anulação do termo de doação, sob o argumento de que, em 25/8/1999, a Srª. Aparecida Beneduzzi formalizou testamento público pelo qual dispôs de seus bens, com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Pelo testamento foram doados os bens que descreve às pessoas que indica. A testadora veio a óbito em 31/10/2006, vítima de câncer que lhe ocasionou falência múltipla dos órgãos, sem deixar herdeiros, razão pela qual o testamento datado de agosto de 1999 seria válido. Contudo, após o falecimento da testadora e ao buscar seu direito garantido em testamento, acabou por descobrir junto ao 4º Tabelião de Notas de São José do Rio Preto a existência de escritura de doação de todos os bens da Srª. Aparecida Beneduzzi para os Réus, inclusive o imóvel que pelo testamento lhe pertenceria. Os Réus se aproveitaram da saúde precária da testadora, uma vez que portadora de câncer em estágio avançado, para induzi-la a realizar a doação. Aduzem ainda que a doação foi realizada em 1º/6/2006, quatro meses antes do falecimento da Srª. Aparecida.
Em análise dos autos não se verifica qualquer prova no sentido de corroborar as assertivas da Autora, quanto à higidez mental da Srª. Aparecida Beneduzzi, a indicar ausência de capacidade para formalizar a escritura de doação de fls. PODER JUDICIÁRIO
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9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
14/15. Nesse aspecto tanto a testemunha arrolada pela Autora quanto as testemunhas arroladas pelos Réus indicam que a doadora se encontrava lúcida (fls. 101/106).
Da mesma forma, não procede o argumento trazido pela Autora, no sentido de que o testamento não pode ser modificado, alterado ou revogado por escritura de doação, pois isto somente seria possível por meio de outro testamento. Improcede esse argumento porque o testamento não foi revogado, apenas tornou-se ineficaz, diante da doação então realizada.
Acerca do tema, tomo a liberdade de transcrever trecho do acórdão prolatado na Apelação nº 641.505-4/4, relator o Desembargador Caetano Lagrasta, da 8ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça, julgado em 02/9/2009, verbis: ”Nada obstante tenha a falecida, em 11/02/1987 (fls. 14 e 14v°), constituído o autor seu herdeiro testamentário da metade disponível dos seus bens, cinco dias depois, em 16/02/1987, lavrou escritura pública de doação atribuindo os bens imóveis constantes nas matrículas 20.216, 20.217, 20.218, 20.219, 20.220, 20.221 e 20.314, do Cartório de Registro de imóveis de Bragança Paulista aos seus herdeiros necessários, com reserva de usufruto vitalício (fls. 17/20).
O autor impugna a validade da escritura, tendo em vista que o seu teor revoga o conteúdo do testamento, contrariando o disposto no art. 1969 do CPC, pelo qual somente novo testamento, constituído da mesma maneira, poderia revogar o conteúdo do primeiro. Entretanto, não prospera tal assertiva tendo em vista que não houve revogação do testamento, que continua existente, válido, mas ineficaz, não havendo que se falar em impropriedade do meio usado para a revogação do testamento. Neste sentido: Cumpridos os requisitos legais, o testamento é negócio válido, desde que concluído, mas a sua eficácia é diferida, dependendo da morte do seu autor. São, pois, dois planos distintos do mundo PODER JUDICIÁRIO
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9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
jurídico: o da validade e o da eficácia (DIMAS MESSIAS e DIMAS DANIEL DE CARVALHO, in Direito das Sucessões, Inventário e Partilha, Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 2007, P. 95).
Existindo outros bens que não aqueles imóveis doados pela testadora aos seus filhos, a parte disponível pertencerá ao autor; do contrário, se existentes apenas aqueles que foram alienados, é caso de caducidade do testamento. Conforme ensina FRANCISCO JOSÉ CAHALI: Caducidade é a 'invalidade que decorre de pré-morte do herdeiro ou da inexistência de bens para formarem a herança', conforme apontamento de Rubens Limongi França. São dois, enfim, os casos que podem conduzir à caducidade de um testamento: ou a ausência de herdeiro sucessível ou a inexistência de bens a serem herdados (in Direito das Sucessões, 3a ed., RT, 2007, p. 315).
Por outro lado, alega o apelante que a testadora teria individualizado em seu favor a metade disponível dos exatos bens posteriormente doados aos seus herdeiros (fl. 03); no entanto, do citado documento de fls. 14 e v° não se extraem tais informações. Mas, ainda que assim o fosse, a coincidência de se referir o testamento aos mesmos imóveis em seguida doados aos requeridos apenas permite a conclusão de que houve a caducidade do legado, conforme se extrai do teor do art. 1.708 do CC 1916, segundo o qual caducará o legado se o testador alienar, por qualquer título, no todo ou em parte, a coisa legada. Em tal caso, caducará o legado, até onde ela deixou de pertencer ao testador. Neste sentido: Ocorre a caducidade do legado quando o mesmo tornasse ineficaz por fato superveniente à sua instituição (...) Caduca, ainda, o legado quando o testador aliena totalmente o seu objeto, sendo, também no caso, uma manifestação tácita de vontade revogando a determinação anterior constante do testamento (...) Pouco importa como a alienação se revestiu, a sua gratuidade ou a sua onerosidade. Todos os atos em que revelou a sua intenção de revogar tacitamente o legado feito implicam em caducidade do mesmo. Seria o caso da compra e venda, da doação e, mesmo, segundo a jurisprudência dominante no PODER JUDICIÁRIO
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9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
Direito Pátrio, da promessa irrevogável de compra e venda (RT 191/407 e RF 118/468) (ARNOLD WALD, in Direito das Sucessões, 10a ed. RT, 1994 P. 133). E, ainda: (...) são disposições contraditórias as que se opõem diretamente às que o testador fizera em relação ao mesmo herdeiro, ou legatário. São disposições incompatíveis as que se chocam no seu conteúdo somente uma podendo subsistir, por haver, entre as duas, incoerência, desarmonia, discrepância. Inconciliáveis contemporaneamente subsistem as últimas (...) a incompatibilidade pode manifestar-se, finalmente, entre um testamento e um ato inter vivos posterior, mas somente na hipótese de alienação da coisa legada (ORLANDO GOMES, in Sucessões, 4a ed., Forense, 1981, p. 244).”
Em razão da suficiência da fundamentação acima enunciada, é o caso de se manter a r. sentença como proferida, apenas observado que o artigo 1.969 mencionado no texto transcrito está inserido no Novo Código Civil.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
João Pazine Neto
Relator

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