segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO CGJ/SC 12/2010. ATRIBUIÇÃO DE NOTÁRIOS. AFERIÇÃO DO VALOR REAL OU DE MERCADO DO IMÓVEL. ILEGALIDADE


PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 0005165-04.2013.2.00.0000

RELATOR: CONSELHEIRO GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

REQUERENTE: FRANCISCO PIERRE PEREIRA ALVES

REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EMENTA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO CGJ/SC 12/2010. ATRIBUIÇÃO DE NOTÁRIOS. AFERIÇÃO DO VALOR REAL OU DE MERCADO DO IMÓVEL. ILEGALIDADE

1. Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) instaurado em face do o Provimento nº 12 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina (CGJ/SC), que incluiu os artigos 522-A e 522-B ao Código de Normas da CGJ/SC, que disciplina as atividades das serventias extrajudiciais.

2. A Lei Complementar nº.  156, de 15 de maio de 1997, ao dispor sobre o Regimento de Custas e Emolumentos no Estado de Santa Catarina, determina que, na ausência de indicadores ou na hipótese de dissonância dos valores estimados pelo interessado com o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, poderá ser impugnado pelo titular da serventia, por petição escrita dirigida ao juiz com jurisdição sobre registros públicos, se houver juiz corregedor, ou ao diretor do foro, que atribuirá o valor do ato ou do serviço, baseando-se, preferencialmente, em laudo do avaliador judicial, arcando o vencido com as custas e despesas do incidente.

3. Aos notários compete; (i) formalizar juridicamente a vontade das partes, (ii) intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram de forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo e (iii) autenticar fatos (Lei nº. 8.935/94).

4. Dentre as atribuições legais impostas aos notários não se insere a de, por dever de ofício, fazer constar em item próprio o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, para fins de cobrança de emolumentos e FRJ, dispensada a impugnação administrativo-judicial, como consta no ato impugnado, porque assim não está previsto na lei estadual.

 5. Procedência parcial do pedido para anular a alínea “a”, inc. I, art. 522-A do Provimento 12 CGJ/SC.

RELATÓRIO

1. Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) instaurado por Francisco Pierre Pereira Alves em face do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), em que requer, liminarmente, a suspensão do Provimento nº 12 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina (CGJ/SC).

Alega que, no dia 25/5/2010, foi publicado o provimento nº 12 da CGJ/SC, alterando a redação do artigo 522 e incluindo os artigos 522-A e 522-B no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina.

Sustenta que tal ato normativo contrariou todas as normas, decisões e resoluções emanadas por este Conselho, uma vez que atribuiu ao notário o dever de fazer constar o valor real ou de mercado para fins de cobrança dos seus próprios emolumentos e do Fundo de Reaparelhamento do Judiciário, dispensada a impugnação judicial, conforme letra b, do inciso I, do artigo 522-A do Código de Normas da CGJ/SC.

Aduz que, dessa forma, o notário passou a decidir, de forma livre, majorada e abusiva, a respeito do valor que deseja receber para a prática do ato, sem qualquer participação ou discussão feita pelo usuário, eliminada de forma arbitrária a possibilidade de impugnação judicial.

Ao final, requer, liminarmente, seja suspenso o Provimento nº 12 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina para cessar a prática da cobrança indevida e abusiva dos emolumentos praticados no Estado. No mérito, requer a cassação do Provimento nº 12 ou, alternativamente, caso o entendimento seja pela manutenção do ato vergastado, sejam estabelecidos critérios para avaliação dos imóveis feitas pelos próprios notários e registradores catarinenses (REQINIC1).

2. No evento 3, a Secretaria Processual certificou a ausência dos documentos de identificação, CPF e comprovante de endereço exigidos pela Portaria nº 174 da Presidência do CNJ.

3. O pedido de concessão de medida liminar foi indeferido, tendo em vista que o requerente não teve êxito em comprovar a existência dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris (DEC2).

4. Intimado a se manifestar, o Tribunal prestou informações no evento 11 (INF3).

5. No evento 12, o requerente anexou a cópia de identificação, CPF e comprovante de endereço (DOC4, DOC5 e DOC6).

É o relatório.

VOTO

1. No presente procedimento questiona-se a validade e higidez do Provimento CGJ/SC nº 12/2010, quanto à inclusão dos artigos 522-A e 522-B a Terceira Parte, Capítulo I, Seção I, do Código de Normas da CGJ/SC, que disciplina as atividades das serventias extrajudiciais, com aplicação subsidiária às disposições da legislação pertinente em vigor .

2. Nas informações solicitadas, o requerido informa que o dispositivo ora impugnado foi editado em razão de decisão proferida nos autos CGJ-E 1601/2009, com o objetivo de consolidar uma situação que já estava pacificada no estado catarinense por meio dos instrumentos normativos internos daquela Corte (Resolução nº 4/2004 do Conselho da Magistratura, Provimento n. 14/1999 da CGJ e Ofício-Circular CGJ n. 142/2009), regulamentando a dispensa de impugnação judicial no caso de concordância dos interessados em ajustar o valor declarado do negócio jurídico, uma vez apontada discrepância em notas de exigência pelo registrador quando da qualificação do título.

3. A Lei Complementar nº.  156, de 15 de maio de 1997, ao dispor sobre o Regimento de Custas e Emolumentos no Estado de Santa Catarina, determina o seguinte:

Art. 16. Nos atos e serviços praticados pelos notários ou oficiais dos registros públicos, com valor declarado ou com expressão econômica mensurável é considerado, para efeito de cobrança dos emolumentos, o maior valor apurado entre o valor declarado pelas partes no negócio; o valor venal atribuído pelo órgão fiscal competente para fins de imposto predial e territorial ou do imposto de transmissão.

§ 2º O valor estimado pela parte, na ausência de indicadores referidos no caput deste artigo, ou na hipótese de encontrarem-se esses indicadores em flagrante dissonância com o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, poderá ser impugnado pelo titular da serventia, por petição escrita dirigida ao juiz com jurisdição sobre registros públicos, havendo privativo, ou ao diretor do foro, que atribuirá o valor do ato ou do serviço, baseando-se, preferencialmente, em laudo do avaliador judicial, arcando o vencido com as custas e despesas do incidente.

4. Neste sentido, inclusive, previu o Provimento ora impugnado com relação ao registrador:

Art. 522-A Se o valor declarado pelo interessado e os indicadores mencionados no caput do art. 16 da Lei Complementar Estadual nº 156, de 15 de maio de 1997, estiverem em flagrante dissonância com o valor real ou de mercado do bem ou do negócio da época, o notário ou registrador adotarão as seguintes providências preliminares:

II – quanto ao registrador de imóveis, protocolizará o título que lhe for apresentado a registro, observando o seguinte:

a) apresentadas a registro escrituras públicas, instrumentos particulares ou títulos judiciais que tenham conteúdo econômico, cujos valores estejam em flagrante dissonância com o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, deverá esclarecer ao apresentante sobre a necessidade de declarar o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, tendo em vista que cabe ao registrador exigir e fiscalizar o recolhimento do FRJ (agente arrecadador da taxas de serviço);

b) sendo acolhida a recomendação, deverá, por dever de ofício, emitir o boleto para que o interessado providencie recolhimento do valor total ou da complementação do FRJ devido, conforme o caso, fazendo constar do corpo do registro o novo valor declarado do bem ou do negócio, para fins de cobrança de emolumentos e FRJ, dispensada a impugnação judicial;

c) em caso de discordância por parte do apresentante, fica autorizado o registrador a impugnar judicialmente o valor apresentado.

5. Para tanto, nos autos da impugnação judicial há a designação de avaliador judicial para apresentar laudo fixando o valor do imóvel, sobre o qual se pronuncia o Ministério Público e, ato contínuo, a prolação da sentença pelo magistrado competente, que não é obrigado a observar o critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução mais conveniente ou oportuna, nos termos do art. 1109 do Código de Processo Civil c/c art. 522-B do Provimento impugnado.

6. Por outro lado constata-se que os termos do Provimento não foram os mesmos com relação aos notários:

Art. 522-A Se o valor declarado pelo interessado e os indicadores mencionados no caput do art. 16 da Lei Complementar Estadual nº 156, de 15 de maio de 1997, estiverem em flagrante dissonância com o valor real ou de mercado do bem ou do negócio da época, o notário ou registrador adotarão as seguintes providências preliminares:

I – quanto ao notário:

a)            deverá esclarecer às partes sobre a necessidade de indicação correta do valor real ou de mercado do bem ou do negócio;

b)           não sendo acolhida a recomendação pelas partes, por dever de ofício (agente arrecadador das taxas de serviço), deverá fazer constar do corpo da escritura pública em item próprio o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, para fins de cobrança de emolumentos e FRJ, dispensada a impugnação judicial.

7. Sabe-se que aos notários compete; (i) formalizar juridicamente a vontade das partes, (ii) intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo e (iii) autenticar fatos (Lei nº. 8.935/94).

8. Dentre as atribuições legais impostas aos notários não se insere a de, por dever de ofício, fazer constar em item próprio o valor real ou de mercado do bem ou do negócio, para fins de cobrança de emolumentos e FRJ, dispensada a impugnação judicial, como consta no ato impugnado, porque assim não está previsto na lei estadual.

9. Neste sentido procede a alegação do requerente de dissonância do referido dispositivo com o texto legal aplicável à espécie, em afronta o princípio da legalidade estabelecido no art. 37 da Constituição Federal.

10. Em situação análoga, o Egrégio STJ entendeu que o Provimento nº 5/2002 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado da Paraíba afrontou o princípio da legalidade, avançando em competência restrita ao Município, ao impor que os agentes cartorários desconsiderassem o valor venal do imóvel indicado em avaliação administrativa (RMS 36.966/PB – DJ 06/12/2012).

11. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão para anular os termos da alínea b, inc. II, art. 522-A do Provimento CGJ/SC nº 12/2010, nos termos da fundamentação supra e, assim, extirpar do ordenamento jurídico o preceito contido na referida regra.

É como voto.

Brasília, 17 de outubro de 2013.

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Conselheiro Relator

Fonte: CNJ I 17/10/2013.

A existência de registro de citação em ação real ou pessoal reipersecutória impede a alienação do imóvel?


Segundo Brandelli, "Embora a lei não seja explícita a respeito, a existência de ônus ou ações, que não tenham o condão de impedir a alienação do bem, não impede a lavratura da escritura. Em tal caso, não haverá declaração de inexistência de ônus ou ações, mas declaração das ações ou ônus existentes, e que não impedem a celebração do negócio jurídico pretendido, declarando o credor ter de tudo ciência. Uma hipoteca comum, por exemplo, não impede a alienação do bem, bastando que se declare no ato notarial a sua existência. O direito real continuará a existir e afetará ao adquirente, mas a alienação pode ser feita. É de notar que a atividade notarial da escritura pública localiza-se na esfera do direito obrigacional, na instrumentalização de atos jurídicos. Assim sendo, ainda que houvesse ônus a impedir a transmissão da propriedade do bem, nada parece impedir a lavratura da escritura de compra e venda, desde que o comprador, ciente da situação, consinta com ela.” (BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2007, p. 281-282)

Já Ulisses da Silva assim se posiciona:

"24.47. Da citação em ação real ou pessoal reipersecutória

Proposta a ação, verificando, o magistrado, encontrar-se em ordem a petição inicial, ordenará a citação do réu, como informa o artigo 285 do Código de Processo Civil, para que venha contestá-la. Quando a ação envolver direito imobiliário, ou, em fase de execução, possa ela estender os seus efeitos sobre bem imóvel, essa medida tem previsão de registro no item 21 do artigo 167 da Lei 6.015/73, para conhecimento de terceiros. Não impede o acesso de qualquer outro título, seja transmissivo ou de oneração, mas o registrador deve dar conhecimento de sua existência ao eventual adquirente ou credor. (SILVA, Ulysses da. "Direito Imobiliário – O Registro de Imóveis e Suas Atribuições – A Nova Caminhada", 2ª ed. rev. e ampl, safE, Porto Alegre, 2013, p. 306-307).


Fonte: Base de dados do IRIB Responde

Escritura de divórcio que prevê pensão tem força jurídica


O site do Tribunal de Justiça de São Paulo veiculou, no dia 18 de dezembro de 2013, a notícia de que a 3ª Câmara de Direito Privado negou o processamento de uma execução de alimentos em que era pedida a prisão civil do devedor (artigo 733 do Código de Processo Civil). Entendeu-se que o pedido não era possível porque o título executivo era extrajudicial — uma escritura pública de divórcio —, e não uma decisão judicial.

Vejamos a fundamentação do voto:

É que o art. 733 do Código de Processo Civil estabelece que a prisão civil pode decorrer da inércia do devedor em pagar ou se escusar os alimentos fixados em sentença ou decisão (“Na execução de sentença ou decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo”).

Contudo, a escritura pública de divórcio é título executivo extrajudicial (art. 1.124-A, parágrafo 1º, CPC), cujo grau de certeza é menor do que o do título produzido em juízo após contraditório e cognição exaurientes.

Daí porque não se pode admitir a prisão civil do devedor, medida excepcional e extremamente gravosa, em decorrência de ajuste que constou de escritura pública.

Para a execução desse débito alimentar, a agravada poderia se valer do rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732, CPC), mas não do rito que prevê a prisão civil.

O assunto é de grande alcance prático, ultrapassando os limites do simples interesse das partes, visto que milhares são os casos de separação e divórcio instrumentalizados por escritura pública com a estipulação de pensão alimentícia em favor de um dos cônjuges ou dos filhos maiores.

Por primeiro, deve-se refutar a tese de que a obrigação de prestar alimentos firmada em cartório de notas é desprovida da observância do princípio do contraditório. Entende-se que há, sim, contraditório na formação do acordo de divórcio feito perante o tabelião, pois no ato as duas partes devem estar presentes e assessoradas pelo advogado escolhido por elas, que tanto pode ser um só para as duas ou um para cada. Como se vê, nada é feito sem a presença e a anuência do devedor, que está amparado por profissionais do direito de sua confiança. O tabelião fará as vezes de um juiz, confirmando a vontade das partes e, com o advogado, alertando-as das consequências do ato que está sendo feito. Tudo isso com a participação ativa dos interessados.

Os cartórios são parceiros da justiça e assim devem ser vistos. É o poder Judiciário que seleciona e fiscaliza os tabeliães. Por isso a Resolução 35 do CNJ, no seu art. 52 diz: os cônjuges separados judicialmente podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as.

Em outras palavras, as partes podem, por escritura, alterar até mesmo o que antes tinham combinado sobre alimentos na presença do juiz! Portanto, não há espaço para entender-se que a escritura tem menos valor que a homologação judicial e por isso é incabível obstar a execução da pensão alimentícia na forma do art. 733 do CPC.

Não podemos nos prender à literalidade do art. 733 do CPC, que fala em execução de sentença ou decisão. Este dispositivo só se refere a esses dois tipos de pronunciamentos judiciais porque foi redigido na época em que só por meio de um magistrado era definido o valor de uma pensão, ainda que por mera homologação.

Porém, os tempos mudaram, o direito não é o mesmo e, com o advento da Lei 11.441/07, em muito boa hora, o divórcio consensual sem filhos menores passou a poder ser feito por escritura pública, na qual os alimentos são convencionados para o casal ou para os filhos maiores. Portanto, desde 2007, a definição do valor dos alimentos não é mais privativa de uma decisão judicial. Há mais liberdade para as próprias pessoas resolverem suas vidas. Portanto, o artigo 733 deve ser interpretado de forma sistemática e atual, não podendo ser apenas lido de forma literal.

O entendimento do julgado que se analisa parece ter considerado que o devedor é a parte mais fraca na relação jurídica da dívida alimentar. Todavia, o que ocorre é exatamente o contrário. Nessa relação alimentar a parte mais forte é quem paga e não quem recebe os alimentos. Quem paga tem para se manter e ainda pode ajudar alguém. Quem recebe não tem nem para o próprio sustento.

A pessoa que recebe a pensão está em situação de vulnerabilidade, pois precisa que outra pessoa contribua para o que é necessário para o seu bem estar: alimentação, vestuário, educação, transporte, saúde e lazer.

A interpretação meramente literal do artigo 733 do CPC, feita pelo acórdão noticiado, criou uma exceção, não prevista na lei e nem na Constituição, em que uma dívida alimentar ficou sem a força da possibilidade de prisão do devedor, enfraquecendo o direito do credor dos alimentos, que deles necessita para ter uma vida humana com dignidade, o que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição).

O entendimento do julgado em análise retira das escrituras, indevidamente, eficácia jurídica que lhes é conferida pela Lei 11.441/07 e tem a consequência perniciosa de fazer com que a Justiça tenda a ser cada vez mais sobrecarregada, pois, com menos eficácia nos acordos de divórcio feitos nos cartórios de notas, as pessoas tendem a procurar o Judiciário para fazer o mesmo acordo que poderiam perfeitamente fazer fora dele.

O credor dos alimentos tem direito à proteção que decorre da possibilidade da prisão do devedor inadimplente. Se não for reconhecida essa eficácia no título extrajudicial, produzido no cartório de notas, a tendência é o credor fazer questão de que o acordo seja feito perante o Judiciário, com isso gerando processos e mais processos totalmente desnecessários, para mera homologação, exatamente o que a Lei 11.441/07 quis evitar.

Por sua vez, esse afluxo maior de processos tornará a justiça ainda menos célere e menos eficiente, o que contraria pelo menos dois princípios constitucionais: eficiência (art. 37) e duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

Lembre-se que os tabeliães não são os únicos que podem celebrar acordos de alimentos. A defensoria pública e o ministério público também podem lavrar termos de acordos, gerando igualmente títulos extrajudiciais. E o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de prisão civil na execução de tais títulos. Vejamos os precedentes adiante.

RECURSO ESPECIAL – OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO – DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS – EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO – DESCUMPRIMENTO – COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL – POSSIBILIDADE.

1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito – dever de sustento dos pais a bem dos filhos.

2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011.

3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça.

RESP 1285254/DF – Relator Ministro Marco Buzzi – T4 – j. 04.12.12

RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ACORDO REFERENDADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL – AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL – OBSERVÂNCIA DO RITO DO ARTIGO 733 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor.

2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil.

3. A tensão que se estabelece entre a tutela do credor alimentar versus o direito de liberdade do devedor dos alimentos resolve-se, em um juízo de ponderação de valores, em favor do suprimento de alimentos a quem deles necessita.

4. Recurso especial provido.

REsp 1117639/MG – Relator Ministro Massami Uyeda – T3 – j. 20.05.2010

Com tantas possibilidades de soluções dos problemas por outras vias que não o processo judicial, não me parece correto o entendimento que induz as pessoas a procurar a justiça nos casos em que não há litígio, pois em tais casos elas estão de acordo e podem resolver o seu problema muito mais rapidamente, num cartório extrajudicial ou perante outros órgãos como a defensoria pública ou o ministério público.

Devemos ter em mente que não há possibilidade de prisão civil sem o crivo judicial. Quem decreta a prisão não é o advogado, não é o tabelião e nem são as partes. A prisão só é decretada por um juiz e sempre depois de possibilidade de defesa.

De fato, o devedor é citado para pagar, comprovar que pagou ou se justificar no prazo legal de três dias. A prisão só vem rapidamente quando ocorrem essas três omissões do devedor. Não existe entre nós uma prisão automática, decorrente da pura e simples falta de pagamento. Desde a inadimplência até a ordem de prisão, há uma importante tramitação processual, que assegura uma série de garantias.

Deve ficar bem claro que a escritura não acarreta a prisão de ninguém. Não há o que temer. Todos estão seguros, inclusive os devedores. A prisão é excepcional, pois é a última opção do juiz, reservada apenas para quem não tem motivo justo para deixar de pagar.

Portanto, é um equívoco ser rigoroso demais na exigência formal do título que gera o crédito aos alimentos. Isso fez o julgado em questão. Se a preocupação é não prender alguém desnecessariamente, basta que o juiz só decrete a prisão nos casos em que isso realmente é necessário, mas independentemente de o título ser judicial ou extrajudicial.

As pessoas costumam pagar as pensões não porque são presas, mas pelo temor de ter a sua prisão decretada. Por isso que, para que as coisas funcionem bem, basta que exista a mera possibilidade de a prisão ser decretada. Mas, quando se considera, de antemão, que a prisão é incabível porque o título é extrajudicial, o temor desaparece e com ele um importante estímulo ao pagamento pontual.

Com a impontualidade estimulada, aumenta ainda mais o número dos processos de execução, sobrecarregando-se ainda a justiça, de maneira totalmente desnecessária. Como vemos, um dos efeitos é uma litigiosidade maior.

Finalmente, do ponto de vista de política judiciária e de planejamento estratégico do Poder Judiciário, é um equívoco grave negar a possibilidade de prisão por alimentos convencionados em escritura de divórcio, pois o fundamento de proteger o devedor inadimplente acaba sendo um golpe gravíssimo contra o instituto do divórcio extrajudicial, que muito tem contribuído para melhorar a atuação da justiça e a vida de tantas pessoas.

Negar eficácia parcial aos divórcios extrajudiciais é estimular que eles sejam feitos em juízo, o que contraria o momento em que vivemos. Não devemos fomentar o litígio e nem a desnecessária judicialização, que já é grande. Devemos buscar formas alternativas de resolução dos conflitos, como tem dito o Conselho Nacional de Justiça.

O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, no dia 02 de janeiro de 2014, quando tomou posse, disse que uma das metas de sua gestão é reduzir o número de demandas. Vejamos um trecho do que foi dito pelo chefe do Poder Judiciário Paulista.

“Gostaria que a sociedade paulista prestasse mais atenção ao Judiciário e ajudasse a definir se esse é o modelo realmente hábil para a solução de conflitos. Há um excesso de demandismo. O Brasil tem 93 milhões de processos para quase 200 milhões de habitantes. Isso é irreal. O Judiciário deve investir cada vez mais nos meios alternativos de solução de conflitos. A população se acostumou a discutir todas as suas questões, desde as mais graves até as menores, em juízo. Nós alargamos a porta de acesso à Justiça. Todos entram, mas agora não encontram a saída, que é um funil. O Judiciário deve mostrar que a solução pacífica, a autocomposição, é muito mais eficaz do que a solução dada pelo Estado-juiz. Quando se faz um acordo, além de economizar tempo e dinheiro, você foi protagonista da sua história. Opinou, discutiu e entendeu. Você não foi excluído. No processo, a parte é excluída. Ela fica ali. É só o advogado que fala”.
Em conclusão, a escritura de divórcio que estipula alimentos entre os cônjuges não é juridicamente frágil e nem potencialmente perigosa para a proteção dos direitos dos envolvidos. Ao contrário, ela é um importante instrumento de realização rápida do direito, bem como da “desjudicialização”, de modo que, a regra procedimental prevista no artigo 733, do CPC deve ser harmonizada com a inovação prevista na Lei 11.441/07, viabilizando, portanto, o método coercitivo do devedor, em consonância ao que dispõe a Constituição Federal, consistente na admissão da excepcional prisão do devedor de alimentos, ainda que estes tenham sido estipulados consensualmente perante um cartório de notas. Com esta ótica não se prega a indiscriminada prisão civil dos devedores de pensões alimentícias. O que se defende é a mera possibilidade do cabimento da prisão civil, sem se fazer a discriminação da natureza do título executivo, seja ele judicial ou uma escritura pública.

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José Luiz Germano é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e aluno da Especialização em Direito Notarial e Registral na Escola Paulista da Magistratura

Fonte: ConJur | 24/01/14

Imóvel em construção não é bem de família


Nos termos da Lei 8.009/90, o único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente não pode ser penhorado. Foi baseado nessa lei que o sócio da empresa executada tentou afastar a penhora de um imóvel de sua propriedade, alegando se tratar de bem de família. Mas o argumento não foi acolhido pelo juiz Cláudio Roberto Carneiro de Castro, titular da Vara do Trabalho de Guaxupé. Após analisar o processo, o magistrado decidiu julgar improcedentes os embargos à execução.

O réu alegou que mora de aluguel com a esposa grávida e que a residência em construção é o único imóvel de que dispõem. Contudo, o julgador não deu razão a ele. Conforme ponderou na decisão, se o próprio réu alega que mora de aluguel é porque o imóvel não é utilizado como residência. Pelo menos, por enquanto. Além do quê, a certidão de registro imobiliário revelou que o bem não é do executado, referindo-se a uma Promessa de Compra e Venda. Com base no documento, o juiz frisou que o executado é apenas o promitente comprador do imóvel. No processo também ficou demonstrado que o imóvel não foi integralmente quitado, existindo parcelas a serem pagas.

Diante desse contexto, o magistrado considerou que o bem penhorado é um lote de terreno, existindo apenas uma expectativa de término de construção. Ele acrescentou não haver qualquer prova no processo de previsão do término da construção e menos ainda que a edificação terá o destino de residência do executado e sua família. Para o juiz, a Lei 8.009/90 é muito clara, não protegendo lote de terreno ou projeto de construção, como no caso, mas apenas o único imóvel destinado à residência da família. O julgador ainda chamou atenção para o fato de o embargante não ter comprovado possuir outros meios de pagar o valor devido à trabalhadora. No caso, o bem penhorado foi o único encontrado nas pesquisas realizadas pelos meios eletrônicos (Bacen Jud, Renajud e Infojud) e a execução se iniciou há muito tempo.

Assim, os embargos à execução foram julgados improcedentes. O entendimento foi mantido pelo TRT-MG, em grau de recurso. Posteriormente, a decisão transitou em julgado e as partes firmaram acordo.

(0082800-86.2007.5.03.0081 AP)

Fonte: TRT 3ª Região | 24/01/14