quinta-feira, 26 de junho de 2014

Como o STJ interpreta a regra do art. 215 do CC/2002 (presunção de veracidade da escritura pública)


Sob essa ótica, a regra do art. 215 do CC⁄02 é fruto de uma dedução, feita pelo legislador, da qual se extrai que a quitação contida em documento lavrado em notas de tabelião – fato-base – permite supor que houve o pagamento – fato presumido –, porque isso é o que ordinariamente acontece (presunção legal). Sacrifica-se, pois, o que menos acontece em favor do que mais acontece, como foi dito por Pontes de Miranda.

Na essência, a presunção legal relativa diferencia-se da absoluta, segundo a lição de Barbosa Moreira, porque "naquela o que se dispensa é apenas a prova de certo fato; nesta, dispensa-se o próprio fato em si mesmo" (Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 63-64). Em outras palavras, explica o doutrinador:

Quando a lei consagra uma presunção absoluta (...) o que na verdade faz é tornar irrelevante, para a produção de determinado efeito jurídico, a presença deste ou daquele elemento ou requisito no esquema fático. Se não existisse a presunção, seria indispensável, para que se produzisse o efeito, o concurso de x, y e z; estabelecendo uma presunção absoluta em relação a z, a lei faz depender a produção do efeito somente do concurso de x e y. (Anotações sobre o título "Da Prova" do novo Código Civil. Reflexos do novo Código no Direito Processual. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 210-211).

Fredie Didier bem esclarece que, nas presunções absolutas, "a conclusão extraída pela lei é havida como verdade indisputável" (Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 63), elencando como exemplos: I) a presunção de conhecimento do terceiro sobre a penhora de imóvel que fora transcrita na matrícula do bem (art. 659, §4º, do CPC); II) presunção de que um cônjuge autorizou o outro a contrair dívidas em benefício da economia doméstica (art. 1.643 do CC⁄02); III) presunção de parcialidade do juiz nas causas de impedimento (art. 134 do CPC). São fatos, à evidência, que sequer possibilitam a realização de prova em contrário.

Diferente, contudo, é o que ocorre com a presunção legal do art. 215 do CC⁄02, que implica, de um lado, a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura, à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC, e, de outro, a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade.

Íntegra do acórdão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.438.432 - GO (2013⁄0398935-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JUCELINO LIMA SOARES E OUTRO
ADVOGADO : ALEXANDRE ALENCASTRO VEIGA E OUTRO(S)
RECORRIDO : HELIO XAVIER PINTO E OUTROS
ADVOGADO : EDGAR ANTÔNIO GARCIA NEVES E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL E PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. QUITAÇÃO DADA EM ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE PAGAMENTO. ARTS. ANALISADOS: 460, CPC; 215, CC⁄02.
1. Ação declaratória de nulidade de negócio jurídico c⁄c reivindicatória, distribuída em 09⁄08⁄2007, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 28⁄11⁄2013.
2. Discute-se se o julgamento proferido pelo Tribunal de origem é extra petita, bem como se a quitação dada em escritura pública de compra e venda de imóvel gera presunção absoluta do pagamento.
3. A conclusão do Tribunal de origem – de que o negócio jurídico é anulável por vício resultante de erro e dolo – decorreu dos fatos que fundamentaram o pedido inicial, de modo que não há falar em julgamento extra petita.
4. A presunção do art. 215 do CC⁄02 implica, de um lado, a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura pública, à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC, e, de outro, a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade.
5. A quitação dada em escritura pública gera a presunção relativa do pagamento, admitindo a prova em contrário que evidencie, ao fim e ao cabo, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna falso.
6. Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). ALEXANDRE ALENCASTRO VEIGA, pela parte RECORRENTE: JUCELINO LIMA SOARES. Dr(a). EDGAR ANTÔNIO GARCIA NEVES, pela parte RECORRIDA: HELIO XAVIER PINTO.
Brasília (DF), 22 de abril de 2014(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.438.432 - GO (2013⁄0398935-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JUCELINO LIMA SOARES E OUTRO
ADVOGADO : ALEXANDRE ALENCASTRO VEIGA E OUTRO(S)
RECORRIDO : HELIO XAVIER PINTO E OUTROS
ADVOGADO : EDGAR ANTÔNIO GARCIA NEVES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cuida-se de recurso especial interposto por JUCELINO LIMA SOARES e KATYA PARECIDA CABRAL SOARES, fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ⁄GO.
Ação: declaratória de nulidade de negócio jurídico c⁄c reivindicatória, ajuizada por Helio Xavier Pinto e Eunice Bento Xavier, em face de Jucelino Lima Soares e Katya Aparecida Cabral Soares.
Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos para declarar nula a escritura pública de compra e venda firmada entre Hélio e Eunice, vendedores, e Jucelino e Katya, compradores, bem como para determinar a restituição dos respectivos imóveis aos primeiros.
Primeira decisão do Relator: negou seguimento ao recurso de apelação interposto pelos compradores.
Segunda decisão do Relator: monocraticamente, reconsiderou a decisão anterior, conheceu e deu provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos.
Acórdão: o TJ⁄GO negou provimento ao agravo regimental interposto pelos autores.
Acórdão nos embargos de declaração nos embargos de declaração: os segundos embargos de declaração opostos pelos autores foram acolhidos pelo TJ⁄GO, com efeitos infringentes, recebendo o acórdão a seguinte ementa:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. RECONHECIMENTO. NEGÓCIO JURÍDICO. ERRO. CARACTERIZAÇÃO. EFEITO MODIFICATIVO ATRIBUÍDO. ACÓRDÃO REFORMADO.
1- Comprovada a omissão no aresto embargado e no anterior, em ambos pela falta de completo apreço às circunstâncias fáticas e jurídicas do caso, devem ser acolhidos os aclaratórios, com o efeito modificativo que da correção decorre.
2- É relativa a presunção de validade e eficácia da escritura pública de compra e venda de imóvel, comportando-se sua anulação nos casos em que, como o presente, houver a demonstração de que foi edificado o negócio jurídico com vícios do consentimento (erro e dolo).
3- A quitação plena e geral, constante de escritura pública de compra e venda, não prepondera sobre a prova uníssona de que houve a outorga, em pagamento, de um título bancário falso, sendo a anulação deste negócio medida que se impõe. Inteligência dos artigos 138 e 145 do Código Civil.
Recurso especial: alegam os recorrentes violação do art. 535 do CPC, bem como ofensa ao art. 460 do CPC e ao art. 215 do CC⁄02.
Sustentam, em suas razões, ademais da negativa de prestação jurisdicional, que o julgamento proferido pelo Tribunal de origem é extra petita, na medida em que, na petição inicial, pediu-se a declaração de nulidade do negócio jurídico por ilicitude do objeto, ao passo que, no acórdão, o TJ⁄GO anulou o ato por erro.
Afirmam, ainda, que a quitação dada em escritura pública goza de presunção absoluta do pagamento.
Juízo prévio de admissibilidade: o recurso foi inadmitido pelo Tribunal de origem, dando azo à interposição do AREsp 443.351⁄GO, provido para determinar a reautuação em especial (fl. 1.084, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.438.432 - GO (2013⁄0398935-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JUCELINO LIMA SOARES E OUTRO
ADVOGADO : ALEXANDRE ALENCASTRO VEIGA E OUTRO(S)
RECORRIDO : HELIO XAVIER PINTO E OUTROS
ADVOGADO : EDGAR ANTÔNIO GARCIA NEVES E OUTRO(S)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a definir (I) se houve negativa de prestação jurisdicional, (II) se o julgamento proferido pelo TJ⁄GO é extra petita, ou (III) se a quitação dada em escritura pública de compra e venda de imóvel gera presunção absoluta do pagamento.
1. Da violação do art. 535 do CPC (negativa de prestação jurisdicional)
01. Aduzem os recorrentes que houve violação do art. 535 do CPC, porquanto o Tribunal de origem teria rejeitado seus embargos de declaração sem aclarar a obscuridade apontada, referente a suposto julgamento extra petita.
02. Os embargos de declaração são instrumento processual excepcional e destinam-se a sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existente no acórdão recorrido. Não se prestam à nova análise do processo ou à modificação da decisão proferida.
03. Compulsando os autos, verifica-se que o TJ⁄GO apreciou fundamentadamente as questões pertinentes para a resolução da controvérsia, ainda que tenha dado interpretação contrária aos anseios dos recorrentes, situação que não serve de alicerce para a interposição de embargos de declaração.
04. Ademais, no entendimento firmado nesta Corte, não está o magistrado obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte, citando todos os dispositivos legais que esta entende pertinentes para o deslinde da controvérsia. A negativa de prestação jurisdicional nos aclaratórios só ocorre se persistir a omissão no pronunciamento acerca de questão que deveria ter sido decidida e não o foi, o que não corresponde à hipótese dos autos. (AgRg no AG, nº 670.523⁄RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ. 26.09.2005; AgRg no AG 527.272⁄RJ, JORGE SCARTEZZINI, DJU de 22.08.2005).
05. Assim, devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 535 do CPC.
2. Da violação do art. 460 do CPC (julgamento extra petita)
06. Para que se possa analisar a ocorrência de excesso de poder, consubstanciado em julgamento extra petita, faz-se necessário esclarecer que a congruência exigida do Juiz, ao decidir, tem a finalidade precípua de evitar que ele atue de ofício, preservando, assim, sua própria imparcialidade.
07. Nessa toada, não se lhe impõe a aplicação da regra do "tudo ou nada", no sentido de que, ou dá exatamente o pedido, ou nada pode ser dado, estando autorizado, ao aplicar o direito à espécie, a entregar solução jurídica diversa, desde que nos limites da pretensão deduzida pelo autor ou pelos recorrentes ("Dá-me os fatos e te darei o Direito").
08. Ademais, consoante já decidiu este Tribunal, "deve-se distinguir entre a extensão do efeito devolutivo da apelação, limitada pelo pedido daquele que recorre, e a sua profundidade, que abrange os antecedentes lógico-jurídicos da decisão impugnada. Estabelecida a extensão do objeto do recurso pelo requerimento formulado pelo apelante, todas as questões surgidas no processo, que possam interferir no seu acolhimento ou rejeição, devem ser levadas em conta pelo Tribunal" (REsp 714.068⁄SP, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 15.04.2008).
09. Citem-se, a propósito do tema, os seguintes precedentes do STJ:
A apreciação do pedido dentro dos limites postos pelas partes na petição inicial ou na apelação não revela hipótese de julgamento ultra ou extra petita." (AgRg no AREsp 15.400⁄GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, DJe de 01⁄02⁄2013)
Não incorre em vício a sentença que, analisando a controvérsia, concede menos do que pedido, uma vez que "(...) o exame do pedido engendrado no recurso de apelação dentro dos limites postos pelas partes não incide no vício 'in procedendo' do julgamento 'ultra' ou 'extra petita' e, consectariamente, afasta a suposta ofensa aos arts. 460 e 461, do CPC (...)" (REsp 904.548⁄PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 4⁄12⁄2008, DJe 17⁄12⁄2008). (AgRg no REsp 848.837⁄MG, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, DJe de 15⁄08⁄2012)
A decisão extra petita é aquela inaproveitável por conferir à parte providência diversa da almejada, mercê do deferimento de pedido diverso ou baseado em causa petendi não eleita. Consectariamente, não há decisão extra petita quando o juiz examina o pedido e aplica o direito com fundamentos diversos dos fornecidos na petição inicial ou mesmo na apelação, desde que baseados em fatos ligados ao fato-base. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1164488⁄DF, SEGUNDA TURMA, DJe 07⁄06⁄2010; RMS 26.276⁄SP, QUINTA TURMA, DJe 19⁄10⁄2009; e AgRg no AgRg no REsp 825.954⁄PR, PRIMEIRA TURMA, DJ de 15⁄12⁄2008. (REsp 1107219⁄SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 23⁄09⁄2010)
10. Na hipótese específica dos autos, a conclusão do TJ⁄GO – de que o negócio jurídico é anulável por vício resultante de erro e dolo – decorreu dos fatos que fundamentaram o pedido inicial, ao revés do que alegam os recorrentes, de modo que não há falar em julgamento extra petita; se não, vejamos este trecho da exordial:
(...) em 23 de março de 2004, antes de vencer o prazo estipulado no documento emitido pelo CREDITFIN GROUP (25⁄2⁄05), LUIZ AUGUSTO NETTO COSAC pediu para rescindir a escritura retromencionada e que fosse lavrada uma nova escritura, desta vez em nome dos ora Requeridos JUCELINO LIMA SOARES e sua esposa KATYA APARECIDA CABRAL SOARES, os AUTORES sem receber nenhum valor e acreditando estarem tratando com pessoas de bem, aceitaram o pedido e a escritura foi lavrada, conforme cópia autenticada em anexo.
Ocorre que após o vencimento do documento emitido pelo CREDTFIN GROUP, ou seja, 25 de fevereiro de 2005, os AUTORES vêm tentando receber o valor contido no referido documento, dado em pagamento aos imóveis, instalações e mercadorias objeto da transação, sem lograrem êxito, sendo que ultimamente os Requeridos e os indivíduos que os auxiliam na aquisição ilícita estão evitando contatos.
Diante da situação que se instalou os AUTORES em 06 de julho de 2007, após várias tentativas de contato, utilizando inclusive os serviços profissionais, e, percebendo que estavam sendo evitados, via de seus procuradores, resolveram checar a validade do documento emitido pelo CREDITFIN GROUP e procuraram um perito legalmente inscrito junto ao INSTITUTO Brasileiro de Criminalística sob a matrícula nº 002⁄2000, quando tomaram conhecimento que o documento dado por João Carlos Meirelles em pagamento aos imóveis é falso, de confecção duvidosa, não servindo para o fim a que se propõe.
(...)
Como se verifica os Requeridos em conluio com os meliantes aceitaram lançar na escritura de compra e venda a declaração falsa de que estavam pagando os imóveis "em moeda corrente do país", sem, contudo dispor das mesmas, desta feita deixaram transparecer a conduta comissiva por omissão, ou seja, agiram de forma voluntariosa, deixando de tomar uma providência necessária para a concretização do negócio omitindo o não pagamento de fato, assim sendo incorreram em dolo, causando prejuízo e obtendo vantagem de um ilícito penal, conforme descreve o artigo 171 do Código Penal Brasileiro, sendo que tal conduta gerou apuração criminal junto a justiça criminal federal e justiça criminal. (fls. 09⁄10, e-STJ)
11. À vista do exposto, não há falar em violação do art. 460 do CPC.
3. Da violação do art. 215 do CC⁄02 (presunção de pagamento decorrente da quitação dada em escritura pública)
12. Pretendem os recorrentes a manutenção do negócio jurídico de compra e venda de imóveis celebrado com os recorridos, em cuja escritura pública consta, segundo arrazoam, a seguinte informação: "(...) importância essa que os outorgantes vendedores confessam e declaram já haver recebido, em moeda corrente nacional, contada e achada certa, pelo que se dão por pagos e satisfeitos, dando ao comprador plena e geral quitação" (fl. 975, e-STJ).
13. Afirmam, para tanto, que a quitação dada em escritura pública gera a presunção absoluta do pagamento.
14. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC⁄02, a escritura lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é documento dotado de presunção de veracidade.
15. A presunção, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, "é um processo racional do intelecto, pelo qual do conhecimento de um fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro ou o estado de uma pessoa ou coisa" (Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. p. 113).
16. Sob essa ótica, a regra do art. 215 do CC⁄02 é fruto de uma dedução, feita pelo legislador, da qual se extrai que a quitação contida em documento lavrado em notas de tabelião – fato-base – permite supor que houve o pagamento – fato presumido –, porque isso é o que ordinariamente acontece (presunção legal). Sacrifica-se, pois, o que menos acontece em favor do que mais acontece, como foi dito por Pontes de Miranda.
17. Na essência, a presunção legal relativa diferencia-se da absoluta, segundo a lição de Barbosa Moreira, porque "naquela o que se dispensa é apenas a prova de certo fato; nesta, dispensa-se o próprio fato em si mesmo" (Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 63-64). Em outras palavras, explica o doutrinador:
Quando a lei consagra uma presunção absoluta (...) o que na verdade faz é tornar irrelevante, para a produção de determinado efeito jurídico, a presença deste ou daquele elemento ou requisito no esquema fático. Se não existisse a presunção, seria indispensável, para que se produzisse o efeito, o concurso de x, y e z; estabelecendo uma presunção absoluta em relação a z, a lei faz depender a produção do efeito somente do concurso de x e y. (Anotações sobre o título "Da Prova" do novo Código Civil. Reflexos do novo Código no Direito Processual. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 210-211)
18. Fredie Didier bem esclarece que, nas presunções absolutas, "a conclusão extraída pela lei é havida como verdade indisputável" (Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 63), elencando como exemplos: I) a presunção de conhecimento do terceiro sobre a penhora de imóvel que fora transcrita na matrícula do bem (art. 659, § 4º, do CPC); II) presunção de que um cônjuge autorizou o outro a contrair dívidas em benefício da economia doméstica (art. 1.643 do CC⁄02); III) presunção de parcialidade do juiz nas causas de impedimento (art. 134 do CPC). São fatos, à evidência, que sequer possibilitam a realização de prova em contrário.
19. Diferente, contudo, é o que ocorre com a presunção legal do art. 215 do CC⁄02, que implica, de um lado, a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura, à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC, e, de outro, a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade.
20. Outro não é o motivo pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015⁄76 (Lei de Registros Públicos) assim preveem:
As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução.
21. Nota-se, portanto, que a quitação dada em escritura pública não é uma "verdade indisputável", na medida em que admite a prova de que o pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao fim e ao cabo, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna falso. Assim ocorreu na hipótese dos autos, segundo o Tribunal de origem.
22. Nessa ordem de ideias, do mesmo modo que o registro da escritura pública não gera presunção absoluta de propriedade (REsp 664.523⁄CE, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 14⁄08⁄2012), entende-se que a quitação dada em escritura pública presume o pagamento, até que se prove o contrário.
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2013⁄0398935-3
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.438.432 ⁄ GO
Números Origem: 1434390188 200793137780 200902052122 31377838 3137783820078090051 5037590
PAUTA: 22⁄04⁄2014 JULGADO: 22⁄04⁄2014
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : JUCELINO LIMA SOARES E OUTRO
ADVOGADO : ALEXANDRE ALENCASTRO VEIGA E OUTRO(S)
RECORRIDO : HELIO XAVIER PINTO E OUTROS
ADVOGADO : EDGAR ANTÔNIO GARCIA NEVES E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Compra e Venda
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). ALEXANDRE ALENCASTRO VEIGA, pela parte RECORRENTE: JUCELINO LIMA SOARES
Dr(a). EDGAR ANTÔNIO GARCIA NEVES, pela parte RECORRIDA: HELIO XAVIER PINTO
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial, mas lhe negou provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Questão esclarece acerca da anuência de confrontante, no caso de retificação de registro, quando o imóvel retificando confrontar com serra

Pergunta: No caso de retificação de registro, quem deve anuir quando o imóvel retificando confrontar com uma serra?

Resposta: Sobre o assunto, Eduardo Augusto assim explicou:

“4.4.8.1 Confrontação com serra ou montanha

Engenheiro civil, que faz medições nesta comarca, apresenta dúvida com relação à exigência deste Registro de Imóveis para que identifique o confrontante que se encontra “acima do impossível da serra” lançado por ele na documentação apresentada para averbação de área remanescente. Está correto o procedimento? A serra não seria um simples acidente geográfico e não um imóvel confrontante?377

A exigência registral está corretíssima. O argumento contrário normalmente é fruto da conveniência particular daquele que não quer assumir o ônus de buscar tal anuência. Se isso ocorre com o agrimensor, que deve passar pessoalmente por todas as divisas para medi-las com a devida precisão, a probabilidade desse novo levantamento ser falho é enorme.

Ou esse imóvel faz confrontação com outro bem particular no alto da serra, ou ele faz confrontação com ‘a própria serra’, se esta for um parque ou reserva municipal, estadual ou federal. Mas, mesmo nesse caso, há que se identificar o titular, na hipótese a Fazenda Pública municipal, estadual ou federal, que deverá anuir aos trabalhos técnicos ou ser notificada de sua existência.

Imóvel confronta-se com imóvel. A serra pode até configurar um grande imóvel, mas isso não desonera o interessado da verificação de quem seja seu titular, uma vez que deverá buscar sua anuência para viabilizar o procedimento retificatório.

Além de tudo isso, é um absurdo descrever que o imóvel confronta com ‘o impossível da serra’. Não é crível que um agrimensor regularmente inscrito no CREA tenha se utilizado dessa expressão em seu memorial descritivo. Se utilizou esse linguajar, muito provavelmente nem apresentou descrição técnica (azimutes e distâncias coerentes) do imóvel nessa confrontação, o que, por si só, deve resultar na improcedência do pedido. Por esse motivo é salutar a exigência de laudo técnico em que o agrimensor declare expressamente, sob as penas da lei, que fez pessoalmente o levantamento do imóvel e que os valores dos azimutes e distâncias são os por ele apresentados na oportunidade. Se algo estiver errado, ele certamente relutará em assinar tal declaração.

A apuração de remanescente é um procedimento de retificação de registro (LRP, artigo 213, §7º) e, hoje, não há mais dúvida de que deve ser tratada com toda a cautela e seriedade possível, ou seja, deve o agrimensor cumprir não apenas as regras do direito registral imobiliário, mas também, com base no princípio da especialidade objetiva, todas as regras da agrimensura.
_________________

377 Questão enviada ao IRIB-Responde, em 18/7/2006 (Prot. 3178), que foi por mim respondida.”

(AUGUSTO, Eduardo Agostinho Arruda. “Registro de Imóveis, Retificação de Registro e Georreferenciamento: Fundamento e Prática”, Série Direito Registral e Notarial, Coord. João Pedro Lamana Paiva, Saraiva, São Paulo, 2013, p. 375-377).

Fonte: Base de dados do IRIB Responde.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

TRF/1ª Região: Comprador de imóvel cuja construção fora financiada pela CEF tem direito à baixa da hipoteca

A 5.ª Turma do TRF da 1.ª Região determinou a baixa da hipoteca de imóvel cuja construção fora objeto de financiamento na Empresa Gestora de Ativos (EMGEA) da Caixa Econômica Federal (CEF), não quitado pela incorporadora. A decisão do colegiado foi unânime ao prover apelação do atual proprietário contra sentença que julgou improcedente o seu pedido para desconstituir a hipoteca da loja comercial de que é cessionária.

O juízo de primeiro grau negou o pedido por entender não aplicável a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A uma, porque o adquirente estava ciente da hipoteca. A duas, por não se tratar de aquisição de imóvel no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). A Súmula 308 diz que a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

O apelante, por sua vez, alega que a empresa de quem adquiriu o imóvel o comprou e pagou integralmente o preço. Exatamente por isso, ela obteve decisão judicial, transitada em julgado, anulando a penhora do imóvel em questão, em ação movida contra a CEF. Ele afirma, ainda, que adquiriu a sala comercial em negócio realizado de boa-fé e que se a CEF negligenciou a evolução da dívida de sua devedora, não pode, agora, querer obrigá-lo a arcar com os prejuízos. Já a CEF, reitera que a hipoteca do imóvel é um direito real e que sua desconstituição põe em risco a segurança jurídica, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

O relator do processo, desembargador federal João Batista Moreira, destacou que o TRF1 não distingue, para efeito de incidência da Súmula 308, se o imóvel foi ou não adquirido no âmbito do SFH. Afirmou que quem adquiriu o imóvel da construtora foi a empresa primeira adquirente e que o autor da ação é cessionário de direitos de contrato de compromisso de compra e venda. “No entanto, não se vislumbra empecilho a que a parte autora valha-se da proteção da Súmula 308. Isso porque a ratio essendi (razão de ser) do enunciado não está, exclusivamente, na qualidade do adquirente do imóvel, nem no marco de celebração da alienação, mas, também, na compreensão de que, tendo sido pago o preço da unidade, não é legítimo que esta permaneça gravada de hipoteca, presumindo-se que o montante do pagamento foi utilizado para amortizar o financiamento contratado entre a construtora/incorporadora e o agente financeiro”, afirmou.

O magistrado lembrou, ainda, que a 5.ª Turma já decidira anteriormente pelo levantamento da penhora deste mesmo imóvel em ação movida pela primeira adquirente, quando ficou assentado que: “Os efeitos da hipoteca resultante de financiamento imobiliário são ineficazes em relação ao terceiro, adquirente de boa-fé, que pagou pelo imóvel e não participou da avença firmada entre a instituição financeira e a construtora, ainda mais tendo presente a circunstância de que a CEF agiu com manifesta negligência na preservação de seu crédito perante sua devedora, deixando de fiscalizar a alienação das unidades imobiliárias, na forma prevista no contrato de mútuo”.
Assim, o relator deu provimento ao apelo para reformar a sentença, com baixa da hipoteca em questão.

Processo n.º 0021475-76.2007.4.01.3500

Data do julgamento: 11/06/2014

TJSP determina curatela compartilhada

Possibilitar aos pais o compartilhamento da curatela de filho, de modo que possam organizar melhor os seus afazeres e evitar a sobrecarga de apenas um, o que ocasionaria problemas à família e, consequentemente, ao filho. Foi com esse entendimento, que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), determinou o compartilhamento da curatela de filho portador de autismo infantil, entre os pais. A decisão foi publicada no dia 2 de abril.

No caso, o pai, atual curador do filho, pediu o compartilhamento da curatela com a mãe da criança. Em primeira instância ele teve seu pedido negado e recorreu ao TJSP alegando os benefícios da curatela compartilhada e o melhor interesse de seu filho. O exercício da curatela é o encargo público conferido por lei a alguém, para cuidar da pessoa que é incapaz de praticar atos da vida civil e administrar seus bens.

De acordo com a decisão, os cuidados e o acompanhamento do desenvolvimento do interdito exige enorme dedicação dos familiares, especialmente dos seus pais, e embora tais esforços sejam realizados com afeto pelos familiares do autista, pode lhes afetar, por exemplo, na rotina de suas tarefas pessoais, com potencial prejuízo de seus interesses e necessidades individuais.

Para a desembargadora Mary Grün, relatora do caso, a decisão apenas consolida juridicamente algo que já acontece de fato: a atuação da mãe, junto ao pai, no melhor interesse de seu filho. “Interesse que será atendido com ainda mais exatidão, no caso, com a concomitante promoção do bem estar da família”, disse.

Previsão legal - Segundo a decisão, não há nenhuma vedação legal que impeça o exercício da curatela em conjunto, além disso, a curatela compartilhada está prevista na jurisprudência e na doutrina, além de haver em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2.692/2011, que regulamenta a matéria.

Com relação à doutrina, a relatora citou ensinamento da advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM. A jurista afirma que é necessário reconhecer a possibilidade de ambos os genitores exercerem de forma compartilhada tal tarefa e que situações tão particulares como a tutela ou curatela de alguém não podem ser vinculadas ao formalismo das leis.

“Não só pais, mas também avós ou parentes outros que sejam casados ou vivam em união estável hétero ou homoafetiva, podem ser nomeados em conjunto. Afinal, situações particulares como a tutela de netos e a curatela de filhos não podem ficar atreladas à rigidez das normas e nem prescindir da utilização de novos critérios hermenêuti cos de afirmação, que cumprem a verdadeira finalidade do direito: garantir ao cidadão o exercício efetivo de seus direitos fundamentais”, assegura Maria Berenice Dias.

Fonte: IBDFAM | 16/06/2014.

terça-feira, 24 de junho de 2014

STJ. Promessa de compra e venda de imóvel em construção. Inadimplemento parcial. Atraso na entrega do imóvel. Mora. Cláusula penal. Perdas e danos. Cumulação. Possibilidade


Íntegra do acórdão:
Acórdão: Recurso Especial n. 1.355.554 - RJ.
Relator: Min. Sidnei Beneti.
Data da decisão: 06.12.2012.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.355.554 - RJ (2012⁄0098185-2)
ELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : GAFISA S⁄A
ADVOGADO : RICARDO DE MENEZES SABA E OUTRO(S)
RECORRIDO : TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO NEGRÃO DEBENEDITO SILVA
EMENTA: DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. MORA. CLÁUSULA PENAL. PERDAS E DANOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1.- A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pre-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora. 2.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema. 3.- O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora. 4.- Recurso Especial a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 06 de dezembro de 2012(Data do Julgamento)
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.355.554 - RJ (2012⁄0098185-2)
RELATOR : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : GAFISA S⁄A
ADVOGADO : RICARDO DE MENEZES SABA E OUTRO(S)
RECORRIDO : TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO NEGRÃO DEBENEDITO SILVA
RELATÓRIO
O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):
1.- GAFISA S⁄A interpõe Agravo de Decisão que negou seguimento a Recurso Especial, manejado contra Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator o Desembargador CAETANO E DA FONSECA COSTA, assim ementado (fls. 176):
RESPONSABILIDADE CIVIL - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NOVO - ATRASO NA ENTREGA - FORÇA MAIOR - INOCORRÊNCIA - CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA LUCROS CESSANTES - ACUMULAÇÃO - POSSIBILIDADE
- Cuida a hipótese de Ação Ordinária objetivando a declaração da mora da Ré desde 01⁄09⁄2008 a 26⁄11⁄2009, conforme cláusula 3.2 do contrato de promessa de compra e venda de imóvel novo, além de sua condenação ao pagamento da multa de 1% (um por cento) ao mês prevista na mesma cláusula.
- Alegação da Ré de atraso na entrega do imóvel por motivo de força maior que não se sustenta.
- Cláusula penal moratória instituída contratualmente para o caso de atraso na entrega do imóvel.
- Lucros cessantes que foram objeto de ação diversa, o que não constitui coisa julgada em face da presente demanda.
- Cláusula penal moratória e lucros cessantes que possuem naturezas diversas.
- Possibilidade de acumulação da cláusula penal com os lucros cessantes, que podem ser pleiteados em ações distintas.
- Sentença mantida.
- Desprovimento do Recurso.
2.- Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 190⁄196 ).
3.- A Agravante, nas razões do Recurso Especial, sustenta que o promitente comprador diante do atraso na entrega do imóvel adquirido à construtora que o prometeu vender não pode cobrar, simultaneamente, a cláusula penal prevista no contrato consistente em multa de 1% por mês de atraso, e ainda, valor mensal correspondente ao aluguel desse mesmo imóvel. Segundo alega, a cláusula penal não pode ser cobrada juntamente com os lucros cessantes, sob pena de se ofensa ao artigo 402, 410 e 411 do Código Civil, porque ela já serve como fixação antecipada das perdas e danos.
Além disso o contrato não permitia a cobrança indenização suplementar àquela pré-fixada no próprio contrato. O Tribunal de origem, assim não entendendo, teria violado os artigos 416 e 421 do Código Civil.
4.- Não admitido na origem, o Recurso Especial teve seguimento por força de Agravo Provido.
É o breve relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.355.554 - RJ (2012⁄0098185-2)
VOTO
O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):
5.- Consta dos autos que TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA e seu marido ERNANI SIMÕES CORRÊA celebraram com a GAFISA contrato de promessa de compra e venda de apartamento em construção que seria entregue até o 01⁄09⁄2008, mas que, em razão de atraso na conclusão da obra, somente veio a ser entregue no dia 26⁄11⁄2009.
6.- Em razão disso os promitentes compradores ajuizaram uma ação (fls. 89⁄96) distribuída sob o nº 0131725-61.2010.8.19.001 ao 4º Juizado Especial Cível - Catete, pleiteando indenização pelos lucros cessantes consistentes no valor estimado do aluguel do imóvel, haja vista que o bem havia sido adquirido por eles com esse objetivo. O pedido formulado foi julgado parcialmente procedente para condenar a GAFISA ao pagamento de R$ 13.000,00, correspondentes à mora verificada entre outubro de 2008 e novembro de 2009 (fls. 98⁄100).
7.- Também ajuizaram a ação que deu origem aos presentes autos, distribuída sob o nº 0131601-78-2010.8.19.001 à 30ª Vara Cível da Comarca da Capital, pleiteando a condenação da GAFISA ao pagamento da multa contratual pelo período de mora verificado (fls. 03⁄07).
8.- A Sentença afastou a preliminar de coisa julgada invocada em sede de contestação, afirmando que o pedido formulado nesses feitos não era o mesmo, embora conectados pela mesma causa de pedir: a mora. Em seguida julgou procedente o pedido formulado nesse segundo processo para condenar a Ré ao pagamento da multa contratual de 1% ao mês sobre o valor do imóvel, conforme viesse a ser apurado em liquidação, incidente no período compreendido entre 01⁄09⁄2008 e 26⁄11⁄2009 (fls. 147⁄151).
9.- O Tribunal de origem, conforme se extrai da ementa constante do relatório, também rechaçou a preliminar de coisa julgada e, no mérito, manteve a conclusão da sentença, ressaltando a possibilidade de cumulação da multa contratual moratória e da indenização por perdas e danos (lucro cessante).
10.- Nas razões do especial discute-se, essencialmente, se é possível cumular a indenização correspondente à cláusula penal moratória e a indenização por lucros cessantes.
Impende saber, portanto, se o promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também uma indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora.
11.- A cláusula penal, também chamada de pena convencional, ensinam NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA NERY (Código Civil Anotado. 8ª ed.: Revista dos Tribunais, 2011, p. 526) "é o pacto acessório à obrigação principal, no qual se estipula a obrigação de pagar pena ou multa, para o caso de uma das partes se furtar ao cumprimento da obrigação".
12.- Nos termos do artigo 408 do Código Civil, a possibilidade de uma parte exigir a cláusula penal surge de pleno direito desde de que a outra parte contratante tenha, culposamente, deixado de cumprir a obrigação, ou incorrido em mora.
13.- O artigo 409, na mesma linha, assinala que: "A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora".
14.- Já aí se percebe que existem essencialmente dois tipos diferentes de cláusula penal: aquela vinculada ao descumprimento (total) da obrigação, e aquela que incide na hipótese de mora (descumprimento parcial). A primeira é designada pela doutrina como compensatória, a segunda como moratória.
15. Conquanto se afirme que toda cláusula penal tem, em alguma medida, o fito de reforçar o vínculo obrigacional (Schuld), essa característica se manifesta com maior evidência nas cláusulas penas moratórias, visto que, nas compensatórias, a indenização fixada contratualmente serve como pré-fixação das das perdas e danos decorrentes do inadimplemento (artigo 410).
16.-Tratando-se de cláusula penal moratória, o credor estará autorizado a exigir não apenas o cumprimento (tardio) do avençado, como ainda a cláusula penal estipulada. Nesses termos a dicção expressa do artigo 411 do Código Civil: "Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal."
17.- A questão que se coloca é se o credor também estará autorizado a exigir (além da prestação tardia e da multa) as perdas e danos decorrentes da mora.
18.- Dentro do nosso sistema, a obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pré-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune o retardamento no cumprimento da obrigação.
19.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere com a responsabilidade civil correlata que já deflui naturalmente do próprio sistema.
20.- Concede-se ao credor, nesses casos, a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação, b) a multa contratualmente estipulada e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora.
Nesse sentido a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
(...) Quando a cláusula penal é moratória, não substitui nem compensa o inadimplemento. Por essa razão, nenhuma alternativa surgem, mas, ao revés, há uma conjugação de pedidos que o credor pode formular: o cumprimento da obrigação principal que não for satisfeita oportunamente, e a penal moratória, devida como punição ao devedor, e indenização ao credor pelo retardamento oriundo da falta daquele. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil Vol. II, 17ª ed.: Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 106⁄107).
Na mesma linha:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL. PROMITENTE COMPRADOR QUE NÃO REÚNE CONDIÇÕES ECONÔMICAS PARA O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR. RESÍDUO INFLACIONÁRIO. CLÁUSULA PENAL. INDENIZAÇÃO PELA FRUIÇÃO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.
(...)
- A multa prevista pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas e danos pela fruição do imóvel, que é legítima e não tem caráter abusivo quando há uso e gozo do imóvel.
(REsp 953.907⁄MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 09⁄04⁄2010);
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz em punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de indenização relativa aos prejuízos dele decorrentes. Precedente.
(REsp 968.091⁄DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, DJe 30⁄03⁄2009).
21.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2012⁄0098185-2
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1355554 ⁄ RJ
Números Origem: 0131601782010890001 201213703409
PAUTA: 04⁄12⁄2012 JULGADO: 06⁄12⁄2012
Relator
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : GAFISA S⁄A
ADVOGADO : RICARDO DE MENEZES SABA E OUTRO(S)
RECORRIDO : TÂNIA BARRETO SIMÕES CORREA E OUTRO
ADVOGADO : MARCELO NEGRÃO DEBENEDITO SILVA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Promessa de Compra e Venda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

STJ permite adjudicação de direitos hereditários do devedor de alimentos

Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, é indiscutível a expressão econômica da herança, considerada bem imóvel para todos os efeitos legais. Portanto, salvo se houver restrição em contrário, a respectiva fração dessa universalidade de direitos pode ser cedida pelo herdeiro, total ou parcialmente, gratuita ou onerosamente, inclusive em favor de terceiros estranhos às relações familiares.

“Sob essa ótica, como ao herdeiro é facultado dispor de seu quinhão hereditário por cessão, não parece razoável afastar a possibilidade de ele ser ‘forçado’ a transferir seus direitos hereditários aos próprios credores, especialmente na hipótese dos autos, que tratam de crédito de natureza alimentar devido há mais de dez anos”, explicou a ministra.

A relatora apontou que a própria Terceira Turma já havia julgado casos semelhantes, nos quais a adjudicação visava à transferência do bem penhorado ao patrimônio de outro com o objetivo de satisfazer a dívida.

Fração ideal

A adjudicação nada mais é que a transferência forçada do bem penhorado para o pagamento de uma dívida, conforme explicou a ministra.

Segundo ela, se o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações (salvo as restrições estabelecidas em lei); se, desde a abertura da sucessão, a herança incorpora-se ao patrimônio do herdeiro na condição de imóvel indivisível; e se a adjudicação de bem imóvel é uma técnica legítima de pagamento, produzindo o mesmo resultado esperado com a entrega de certa quantia, infere-se que a adjudicação dos direitos hereditários é um instrumento possível.

No caso julgado, os créditos são de natureza alimentar, devidos há mais de dez anos. De acordo com a relatora, a adjudicação não pode ser de um ou alguns bens determinados do acervo, mas da fração ideal que cabe ao herdeiro devedor.

Direito de preferência

Tendo em vista a copropriedade que se forma sobre o total dos bens, Nancy Andrighi ressaltou que, assim como na cessão dos direitos hereditários, também na adjudicação deve ser respeitado o direito de preferência dos demais herdeiros, pois eles podem ter interesse em adquirir a cota hereditária penhorada, até para manter o condomínio apenas entre os sucessores do falecido. É o que ocorre, por semelhança, com a adjudicação de cotas de uma sociedade.

“De fato, ao credor interessa receber os alimentos que lhe são devidos, seja por meio da adjudicação do quinhão penhorado, seja pelo recebimento do valor correspondente, acaso exercido o direito de preferência por algum coerdeiro”, afirmou a relatora.

A ministra deixou claro que, se o valor do crédito alimentar for inferior à herança  atribuída ao devedor, caberá a ele o montante remanescente.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 16/06/2014.

TJSP. Anulação de escritura de doação de bem imóvel, anteriormente objeto de legado. Ausência de prova da incapacidade da doadora, que pode dispor livremente de seus bens em vida

"Anulação de escritura de doação de bem imóvel, anteriormente objeto de legado. Ausência de prova da incapacidade da doadora, que pode dispor livremente de seus bens em vida. Não verificada violação ao artigo 1.969 do Código Civil. Doação que não revogou o testamento que continua válido, mas ineficaz. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido".


Registro:2013.0000068508
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos destes autos do Apelação nº 9175335-65.2009.8.26.0000, da Comarca São José do Rio Preto, em que é apelante LAMIA ALMEIDA, são apelados MONICA RUSSEL DE LIMA BASILIO e LESLIE WILD BASILIO. ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação do Exmos. Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente sem voto), BERETTA DA SILVEIRA E EGIDIO GIACOIA. São Paulo, 19 de fevereiro de 2013
João Pazine Neto
RELATOR
Assinatura Eletronica PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
Apelação Nº 9175335-65.2009.8.26.0000 Comarca: São José do Rio Preto
Apelante: Lamia Almeida
Apelados: Monica Russel de Lima Basilio e Leslie Wild Basilio
Voto nº 5576
Anulação de escritura de doação de bem imóvel, anteriormente objeto de legado. Ausência de prova da incapacidade da doadora, que pode dispor livremente de seus bens em vida. Não verificada violação ao artigo 1.969 do Código Civil. Doação que não revogou o testamento que continua válido, mas ineficaz. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido.
Trata-se de ação de anulação de doação julgada improcedente pela r. sentença de fls. 94/98, cujo relatório adoto.
Apela a Autora para buscar a reforma do julgado. Em síntese, irresigna-se contra a afirmação do Juiz de que a “superveniente doação do imóvel a pessoa diversa daquela beneficiária no testamento, foi manifestação inequívoca da modificação da vontade da testadora”. Entende que o termo de doação teve como beneficiários as mesmas partes constantes da escritura pública de testamento, apenas com sua exclusão, que à época era menor impúbere. A doação foi feita às escuras, com o único intuito de prejudicar-lhe. É sabido também que o testamento público só se revoga por outro testamento, a que não se equipara o termo de doação, feito às mesmas partes contempladas naquele instrumento, como veiculo hábil a modificá-lo, alterá-lo ou revogá-lo.PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
O recurso foi recebido e processado, com oferta de contrarrazões (fls. 115/119). Dispensado o preparo, por ser a Autora beneficiária da Justiça gratuita (fl. 20).
Conforme designação da Presidência da Seção de Direito Privado, publicada no DJE de 01.06.12 (fls. 12), c.c. a Portaria 04/2012 da mesma Presidência, estes autos foram redistribuídos a este Relator.
É o relatório. Ressalvado o douto entendimento da Apelante, a r. sentença de fls. 94/98, da lavra do Dr. Lincoln Augusto Casconi, não comporta reparos.
Pretende a Autora a anulação do termo de doação, sob o argumento de que, em 25/8/1999, a Srª. Aparecida Beneduzzi formalizou testamento público pelo qual dispôs de seus bens, com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Pelo testamento foram doados os bens que descreve às pessoas que indica. A testadora veio a óbito em 31/10/2006, vítima de câncer que lhe ocasionou falência múltipla dos órgãos, sem deixar herdeiros, razão pela qual o testamento datado de agosto de 1999 seria válido. Contudo, após o falecimento da testadora e ao buscar seu direito garantido em testamento, acabou por descobrir junto ao 4º Tabelião de Notas de São José do Rio Preto a existência de escritura de doação de todos os bens da Srª. Aparecida Beneduzzi para os Réus, inclusive o imóvel que pelo testamento lhe pertenceria. Os Réus se aproveitaram da saúde precária da testadora, uma vez que portadora de câncer em estágio avançado, para induzi-la a realizar a doação. Aduzem ainda que a doação foi realizada em 1º/6/2006, quatro meses antes do falecimento da Srª. Aparecida.
Em análise dos autos não se verifica qualquer prova no sentido de corroborar as assertivas da Autora, quanto à higidez mental da Srª. Aparecida Beneduzzi, a indicar ausência de capacidade para formalizar a escritura de doação de fls. PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
14/15. Nesse aspecto tanto a testemunha arrolada pela Autora quanto as testemunhas arroladas pelos Réus indicam que a doadora se encontrava lúcida (fls. 101/106).
Da mesma forma, não procede o argumento trazido pela Autora, no sentido de que o testamento não pode ser modificado, alterado ou revogado por escritura de doação, pois isto somente seria possível por meio de outro testamento. Improcede esse argumento porque o testamento não foi revogado, apenas tornou-se ineficaz, diante da doação então realizada.
Acerca do tema, tomo a liberdade de transcrever trecho do acórdão prolatado na Apelação nº 641.505-4/4, relator o Desembargador Caetano Lagrasta, da 8ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça, julgado em 02/9/2009, verbis: ”Nada obstante tenha a falecida, em 11/02/1987 (fls. 14 e 14v°), constituído o autor seu herdeiro testamentário da metade disponível dos seus bens, cinco dias depois, em 16/02/1987, lavrou escritura pública de doação atribuindo os bens imóveis constantes nas matrículas 20.216, 20.217, 20.218, 20.219, 20.220, 20.221 e 20.314, do Cartório de Registro de imóveis de Bragança Paulista aos seus herdeiros necessários, com reserva de usufruto vitalício (fls. 17/20).
O autor impugna a validade da escritura, tendo em vista que o seu teor revoga o conteúdo do testamento, contrariando o disposto no art. 1969 do CPC, pelo qual somente novo testamento, constituído da mesma maneira, poderia revogar o conteúdo do primeiro. Entretanto, não prospera tal assertiva tendo em vista que não houve revogação do testamento, que continua existente, válido, mas ineficaz, não havendo que se falar em impropriedade do meio usado para a revogação do testamento. Neste sentido: Cumpridos os requisitos legais, o testamento é negócio válido, desde que concluído, mas a sua eficácia é diferida, dependendo da morte do seu autor. São, pois, dois planos distintos do mundo PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
jurídico: o da validade e o da eficácia (DIMAS MESSIAS e DIMAS DANIEL DE CARVALHO, in Direito das Sucessões, Inventário e Partilha, Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 2007, P. 95).
Existindo outros bens que não aqueles imóveis doados pela testadora aos seus filhos, a parte disponível pertencerá ao autor; do contrário, se existentes apenas aqueles que foram alienados, é caso de caducidade do testamento. Conforme ensina FRANCISCO JOSÉ CAHALI: Caducidade é a 'invalidade que decorre de pré-morte do herdeiro ou da inexistência de bens para formarem a herança', conforme apontamento de Rubens Limongi França. São dois, enfim, os casos que podem conduzir à caducidade de um testamento: ou a ausência de herdeiro sucessível ou a inexistência de bens a serem herdados (in Direito das Sucessões, 3a ed., RT, 2007, p. 315).
Por outro lado, alega o apelante que a testadora teria individualizado em seu favor a metade disponível dos exatos bens posteriormente doados aos seus herdeiros (fl. 03); no entanto, do citado documento de fls. 14 e v° não se extraem tais informações. Mas, ainda que assim o fosse, a coincidência de se referir o testamento aos mesmos imóveis em seguida doados aos requeridos apenas permite a conclusão de que houve a caducidade do legado, conforme se extrai do teor do art. 1.708 do CC 1916, segundo o qual caducará o legado se o testador alienar, por qualquer título, no todo ou em parte, a coisa legada. Em tal caso, caducará o legado, até onde ela deixou de pertencer ao testador. Neste sentido: Ocorre a caducidade do legado quando o mesmo tornasse ineficaz por fato superveniente à sua instituição (...) Caduca, ainda, o legado quando o testador aliena totalmente o seu objeto, sendo, também no caso, uma manifestação tácita de vontade revogando a determinação anterior constante do testamento (...) Pouco importa como a alienação se revestiu, a sua gratuidade ou a sua onerosidade. Todos os atos em que revelou a sua intenção de revogar tacitamente o legado feito implicam em caducidade do mesmo. Seria o caso da compra e venda, da doação e, mesmo, segundo a jurisprudência dominante no PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
9175335-65.2009.8.26.0000
Voto nº 5576
Direito Pátrio, da promessa irrevogável de compra e venda (RT 191/407 e RF 118/468) (ARNOLD WALD, in Direito das Sucessões, 10a ed. RT, 1994 P. 133). E, ainda: (...) são disposições contraditórias as que se opõem diretamente às que o testador fizera em relação ao mesmo herdeiro, ou legatário. São disposições incompatíveis as que se chocam no seu conteúdo somente uma podendo subsistir, por haver, entre as duas, incoerência, desarmonia, discrepância. Inconciliáveis contemporaneamente subsistem as últimas (...) a incompatibilidade pode manifestar-se, finalmente, entre um testamento e um ato inter vivos posterior, mas somente na hipótese de alienação da coisa legada (ORLANDO GOMES, in Sucessões, 4a ed., Forense, 1981, p. 244).”
Em razão da suficiência da fundamentação acima enunciada, é o caso de se manter a r. sentença como proferida, apenas observado que o artigo 1.969 mencionado no texto transcrito está inserido no Novo Código Civil.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
João Pazine Neto
Relator

Alienação fiduciária de automóveis e a reformatio in pejus no novo procedimento de busca e apreensão do bem móvel – Por: Vitor Frederico Kümpel

Na coluna de hoje analisaremos a alienação fiduciária de automóveis, com ênfase no procedimento da ação de busca e apreensão, introduzida pelo decreto 911/69, posteriormente modificado pela lei 10.931/2004. A ideia é, após breve conceituação do instituto, trabalhar o procedimento de busca e apreensão antes e depois das modificações introduzidas pela referida lei, bem como suas consequências no sistema como um todo.

Segundo o artigo 1.361 do Código Civil, considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor com o escopo de garantia, transfere ao credor. Sobre este conceito, não é demais ressaltar, conforme discutido em colunas anteriores, que a alienação fiduciária é um fenômeno distinto da propriedade resolúvel, embora o próprio Código faça a confusão. O credor fiduciário ao celebrar o negócio não se torna proprietário do bem, muito menos o devedor fiduciante, titular reivindicante. O fundamento, para tanto, consiste no fato que embora deixe de ser de titularidade do devedor, o bem não ingressa diretamente no patrimônio do credor, na verdade, o que temos é um patrimônio afetado, desprovido de titular certo. Com efeito, o bem permanece como se tivesse sido abandonado ou renunciado, conservando-se em um "limbo jurídico", assemelhando-se à coisa fora do comercio, porém, aqui é por livre arbítrio das partes. Portanto, a alienação fiduciária não se confunde com propriedade resolúvel e, muito menos, com direito de garantia, constituindo, na verdade, institutosui generis no universo jurídico.

Na prática, a alienação fiduciária de bens móveis é comum quando um comprador adquire um bem a crédito e permanece como possuidor direto e depositário do mesmo, respondendo por todos os encargos civis e penais a ele relacionados. O credor, por sua vez, toma o próprio bem em garantia e a propriedade somente é consolidada nas mãos do devedor fiduciante no momento da quitação integral da dívida. No caso dos automóveis, a alienação é registrada no documento de posse do veículo.

Desse modo, temos um instituto amplamente utilizado no Brasil, sobretudo, na compra de automóveis. O que tem ocorrido é também a tendência da alienação fiduciária substituir as garantias reais clássicas como o penhor, a anticrese e a hipoteca, pois sua estrutura jurídica, principalmente no que toca ao direito obrigacional e ao direito das coisas, é mais vantajosa tanto para o credor quanto para o devedor, favorecendo, dessa forma, a expansão do crédito, e, por conseguinte, o mercado de automotores. Em contrapartida, não há como negar que o instituto também tem se tornado a discussão principal de diversos processos.

Uma das discussões envolve o processo de busca e apreensão do bem móvel em caso de inadimplemento parcial, ou seja, de mora. Introduzido pelo Decreto lei 911/69, o procedimento foi alterado em 2004 pela lei 10.931, que, dentre as várias alterações, reduziu de quinze para cinco dias o prazo para purgação da mora pelo devedor fiduciante e para a consolidação da propriedade fiduciária nas mãos do credor. Vale breve análise da regulamentação em particular antes e após a lei de 2004.

Pelo decreto 911/69, em seu formato anterior à lei 10.931/04, despachada a inicial e executada a liminar, o réu era citado para em três dias apresentar contestação e/ou se já tiver pago 40% do preço financiado, purgar a mora. No caso da contestação, o devedor poderia somente alegar ou o pagamento do débito ou o cumprimento das obrigações contratuais. Para a purgação da mora, o juiz, tempestivamente agendaria prazo final não superior a dez dias. Se, mesmo assim, a mora não fosse purgada (independentemente da contestação), cinco dias após o decurso do prazo de defesa o juiz proferiria a sentença, consolidando a propriedade plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário (art. 3º, parágrafos). Tínhamos, dessa forma, um procedimento que garantia um prazo de quinze dias para a purgação da mora e direito de contestação anterior à consolidação da propriedade. Dessa forma, o sistema seguramente alicerçava-se nos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, garantindo assim, tanto o devedor fiduciante, como o credor fiduciário.

Todavia, a lei 10.931/2004, pensada para o fomento do mercado, trouxe regras que alteraram o procedimento de busca e apreensão, em prejuízo do devedor fiduciante. O artigo 56 da lei conferiu nova redação aos parágrafos do artigo 3º do decreto-lei 911/69. Agora, cinco dias após o proferimento da liminar, a propriedade é consolidada nas mãos do credor fiduciário, que já poderá requerer a expedição de novo certificado de registro de propriedade em seu próprio nome ou de terceiro por ele indicado. Para tanto, os únicos requisitos são os atinentes à petição inicial (art. 282 CPC) que dá causa à liminar, destacando o valor da causa dado pelo saldo devedor em aberto1 e as provas indispensáveis, isto é, o contrato de alienação fiduciária e a notificação da mora do devedor, emitida pelo Ofício de Títulos e Documentos, com a assinatura do devedor fiduciante, para comprovar o recebimento2.

Como proprietário, o credor pode inclusive proceder aos atos de alienação a terceiros do bem. Neste caso, aplicar-se-á o preço do seu crédito, bem como as despesas de cobrança, sendo que o saldo remanescente caberá ao devedor (art. 3º, parágrafo 1º, decreto lei 911, modificado pela lei 10.931/04).

O devedor fiduciante é citado apenas após a efetivação da liminar de busca e apreensão, oportunidade em que poderá quitar a dívida e exigir a restituição do bem livre de qualquer ônus (art. 3º, parágrafo 2º). O réu também pode requerer a restituição do pagamento e, caso a Ação de Busca e Apreensão seja declarada improcedente, caberá também multa ao credor – novidade introduzida pela lei 10.931/04.

Óbvio que, com as modificações, o intuito do legislador foi agilizar a venda dos bens retomados, conferindo fluidez e dinamicidade ao mercado, bem como celeridade ao sistema processual. Aliás, esse tem sido o foco das legislações mais recentes. No passado, trabalhávamos com um sistema mais lento, porém seguro, hoje pleiteámos um sistema ágil, porém mais sujeito a erros e insegurança. Ora, a redução considerável do prazo para purgação da mora e a consolidação da propriedade do credor anterior ao direito de defesa do réu, torna a situação muito mais gravosa para o devedor fiduciante. Agravamento este, que constitui verdadeira reformatio in pejus. Absurda é a reforma que piora a situação em prejuízo do devedor fiduciante, ao determinar a imediata execução da reprimenda.

De fato, a quantidade de litígios cresceu exponencialmente, não sendo acompanhada pelo aparelhamento estrutural dos tribunais, cada vez mais abarrotados de processos. A solução mais fácil foi, então, mudar a lei para tornar os processos mais rápidos. Contudo, não há como negar o compromisso jurídico entre duas necessidades sociais: a necessidade de certas regras que podem, sobre grandes zonas de conduta, serem aplicadas com segurança jurídica, e a adaptação, isto é, a capacidade de se ajustar às realidades sociais concretas, bem como aos novos aspectos práticos da vida. Para tanto, requer-se uma cooperação entre legisladores, operadores do direito e cidadãos, em benefício de uma via prática, mas segura. De nada adianta a velocidade processual em prejuízo do direito de uma das partes, na prática, tal concepção significaria a falência do sistema.

Apesar do instituto ora tratado ser pura relação de consumo, entre os muitos direitos do consumidor suprimidos, é possível destacar mais do que um direito, um princípio que não pode ser esquecido, que é o da vedação ao retrocesso social. Na medida em que os direitos do consumidor constituem garantia fundamental impera o princípio da vedação ao retrocesso social. Pelo referido princípio, todo consumidor que tiver pago mais de 40% do preço financiado não pode ver o prazo ser reduzido para cinco dias, ainda que a purgação da mora ocorra de forma simples, sem a incidência de encargos. É necessária a conjugação das duas regras jurídicas, o decreto 911 com a lei 10.931, abarcando o que há de melhor nos dois mundos para manter uma pequena paridade num modelo jurídico tão rígido com a figura do consumidor. Não se quer aqui, de forma alguma, estimular a inadimplência ou a mora, o que é necessário é que se flexibilizem as regras para garantir a solvência e a pacificação num sistema norteado pela nova figura do superendividado.

O que se quer dizer, por todo o exposto, é que a reforma legislativa abordada pela lei 10.931/04 acabou por constituir verdadeira reformatio in pejus em prejuízo do réu, com grande falha do sistema que deixa de se preocupar com seus resultados e com a necessidade de cada parte, em prejuízo de seu objetivo fundamental, isto é, como diria Chiovenda, dar a quem tem razão, tudo aquilo e precisamente aquilo a que essa pessoa tem direito.

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1. REsp n. 207.186/SP, 4º Turma, DJ 28.06.1999

2. REsp n. 160.795/SP, 3ª Turma. DJ. 13.06.2005

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 10/06/2014.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

IPTU só é devido pelo Comprador após a entrega do bem.

TJ/DFT: IPTU SÓ É DEVIDO PELO COMPRADOR APÓS A ENTREGA DO BEM

A obrigação de pagar o IPTU, que tem por base de cálculo o ano fiscal, deve ser repartida entre o comprador e o vendedor do imóvel, na proporção dos meses em que cada um teve a titularidade do bem. Com esse entendimento a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do TJDFT deu provimento parcial a recurso para determinar a devolução de parte dos valores pagos.

A autora alega que, em 5/3/2013, foi obrigada a pagar o IPTU/TLP referente a imóvel adquirido, para poder receber as chaves do referido bem. Afirma que a efetiva entrega do imóvel só ocorreu em 15/05/2013, motivo pelo qual pleiteia o ressarcimento da quantia que acredita ter pago indevidamente.

Em sua defesa, a ré afirma que a cobrança do tributo possui fundamento na cláusula 3.3, alínea a, do contrato celebrado entre as partes, sendo que o procedimento adotado é indispensável para a obtenção da Carta de Habite-se.

Para o Colegiado, no entanto, a cláusula da promessa de compra e venda que impõe ao comprador a obrigação de pagar o IPTU, desde a concessão do Habite-se, é abusiva. A esse respeito, a Turma cita jurisprudência no sentido de que tal obrigação só é exigível após a entrega do imóvel, visto que o cálculo da proporcionalidade deve considerar o mês da efetiva entrega do imóvel ao consumidor.

Com isso, a Turma determinou que a construtora devolva ao comprador a diferença paga indevidamente.

A notícia refere-se ao seguinte processo: 2013.01.1.097442-5.

Fonte: TJ/DFT | 10/06/2014.

Multiparentalidade deve preservar interesse do menor



No caso, filha menor de idade pediu que o pai registral fosse desconsiderado como pai biológico e, em contrapartida, que o suposto pai biológico fosse declarado como tal. A menor, de 10 anos de idade, sempre foi cuidada e educada por seus pais registrais, ambos analfabetos e empregados, durante muitos anos, da fazenda do suposto pai biológico, que tendo conhecimento da paternidade, ameaçava demitir todos da família da menina se o fato fosse revelado. O exame em DNA comprovou que o ex-patrão é o pai biológico da menor.

A juíza Ana Maria Gonçalves Louzada, presidente do IBDFAM/DF, com base na tese da multiparentalidade, decidiu que deve ser reconhecida tanto a paternidade socioafetiva como a biológica, com todos os seus efeitos legais, devendo constar no registro de nascimento da menor de idade a dupla paternidade e estabeleceu a guarda em favor da mãe e do pai afetivo, com a convivência livre a favor do pai biológico. A magistrada fixou alimentos devidos pelo pai biológico no valor de cinco salários mínimos mensais. A decisão é do dia 6 de junho. Na ação foi ressaltado que a demanda é de interesse econômico e refuta a existência de vínculo de afeto com o pai biológico.

Paternidade socioafetiva - O pai registral afirmou, nos autos, nutrir sentimentos de pai em relação à menina, e que a ama como aos demais filhos que possui com a companheira, com quem mantém união estável há 17 anos. Ele também alegou que a registrou por pensar ser sua filha biológica, apesar de já ser vasectomizado quando a esposa ficou grávida. Ficou demonstrado que o homem a registrou pelo afeto que nutria pela infante, uma vez que já devia prever que não era sua filha biológica.

A menina também demonstrou que reconhece como pai o homem que cuidou dela desde o nascimento, quando questionada sobre com quem morava, a menor respondeu que morava com a mãe, os irmãos e o pai. “A afetividade mantida entre os dois, apesar de não possuírem o mesmo DNA, faz com que deva ser mantida a paternidade até então estabelecida”, afirmou a magistrada.

Durante o processo, o pai biológico se mostrou avesso a esta paternidade, afirmando, inclusive, que não nutre qualquer sentimento pela infante, que possui outra família e que pretende seguir sua vida como antigamente. Fato este que, segundo a decisão, não concede o direito de ver afastada a declaração de paternidade.

Filiação e parentalidade – De acordo com Ana Louzada, o direito ao reconhecimento da multiparentalidade está embasado nos direitos da personalidade e, em atenção ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, “sempre sublinhado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a multiparentalidade se desenha com cores que anunciam um novo caminho social”, disse.

Diferentemente de tempos sombrios, lembrou a presidente do IBDFAM/DF, hoje é possível o reconhecimento da parentalidade sem que haja vínculo biológico. Isto porque, antes da Constituição Federal de 1988, havia no Brasil diversidade de tratamento para os filhos havidos ou não do casamento. Até então prevalecia unicamente o aspecto da consanguinidade, que era o fator determinante na configuração da parentalidade. Contudo, observou a juíza, com o avanço da sociedade e da jurisprudência hoje já é possível desvincular a filiação afetiva da ascendência genética.
“A filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada judicialmente. Isso porque a maternidade (ou paternidade, como no presente caso concreto) que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação”, ressaltou a juíza Ana Louzada.

Direitos da multiparentalidade - A magistrada analisou que quando o filho é adotado no Brasil, perde os vínculos com a família biológica (salvo os impedimentos matrimoniais), não herda e tampouco pode pedir pensionamento alimentar. No entanto, isto não acontece em outros países como na Argentina, onde existe um tipo de adoção, chamada adoção simples, que não exclui o filho adotivo dos direitos supracitados. Para ela, o acolhimento da tese da multiparentalidade é o que vem subsidiar o melhor interesse da criança, uma vez que poderá ser mantida e cuidada por várias pessoas.

“De se ver que a multiparentalidade, se afigura modelada a este caso concreto. Temos flagrante paternidade socioafetiva estabelecida entre o pai registral e a infante, bem como a evidenciada paternidade biológica, que poderá agasalhar o melhor interesse da autora, na medida em que poderá proporcionar a ela bons colégios, faculdade, saúde, lazer, e, quem sabe, uma outra família que poderá amá-la”, assegurou a presidente do IBDFAM/DF, Ana Louzada.

A juíza refletiu que o pai biológico exibe confortável situação financeira e possui alto padrão de vida, e que “deixar de estender à infante as benesses que esta paternidade pode lhe oferecer, é não atentar para o melhor interesse da criança, Princípio Constitucional e basilar do Estatuto da Criança e do Adolescente! Imprescindível que o Direito acolha a realidade de cada pessoa, a vida como verdadeiramente se apresenta para cada um”, garantiu.

Fonte: IBDFAM | 11/06/2014.

domingo, 22 de junho de 2014

Questão esclarece acerca da alienação de bem imóvel de sociedade pelo sócio-gerente.

Pergunta: É possível o registro de uma alienação de um imóvel por uma sociedade, onde quem assina a venda é apenas o sócio-gerente com poderes de administração?
Resposta: Maria do Carmo de Rezende Campos Couto abordou o assunto com muita propriedade, em obra publicada pelo IRIB intitulada “Coleção Cadernos IRIB - vol. 1 - Compra e Venda”, p. 11 e 12. Vejamos o que ela nos explica: “f) Pessoa jurídica: nas aquisições ou alienações de bens de pessoas jurídicas, deve-se examinar o contrato social e suas alterações para identificar quem deve assinar o ato. Nas escrituras públicas, essa verificação cabe ao tabelião. Nos instrumentos particulares, cabe ao oficial de Registro de Imóveis. (...) (8) sócio-gerente: os poderes de administração não implicam poderes de disposição. Por isso, as alienações não podem ser feitas apenas pelo sócio-gerente, sendo exigível a aprovação da Assembleia-Geral, quando não houver previsão específica no contrato social.”

Fonte: Base de dados do IRIB Responde.

Companheira de servidor falecido sem registro de união estável tem direito a pensão

Para TRF da 1ª região, a existência de provas da união estável entre ambos dá razão à concessão do benefício.

A 2ª turma do TRF da 1ª região manteve decisão que reconheceu o direito de recebimento de pensão estatutária a companheira de servidor público falecido sem registro da união estável. De acordo com o entendimento do colegiado, a existência de provas da união estável entre ambos dá azo à concessão do benefício.

A autora, segunda companheira de um ex-delegado da PF, entrou com uma ação na 2ª vara da Subseção Judiciária de Imperatriz/MA contra a ex-esposa e a primeira companheira do falecido para discutir o direito à pensão. A fim de comprovar a veracidade da união estável, ela apresentou como provas contrato de curso superior, o qual o servidor se comprometeu a pagar, além de documentação de financiamento de veículo, do qual o falecido era fiador, e faturas do cartão de crédito em seu nome, mas com o endereço da autora.

Ao analisar o caso no TRF, o relator, desembargador Federal Candido Moraes, confirmou a sentença por considerar que as provas apresentadas eram suficientes para provar o vínculo entre o casal. Frente às evidências, o magistrado ponderou ser desnecessário o registro da união estável entre a autora e o servidor.

"A Constituição Federal em vigor não faz distinção entre esposa e companheira, sendo certo que esta última, mediante comprovação de vida comum e união estável, é equiparada à viúva e aos demais dependentes."


Fonte: Migalhas | 08/06/2014.

sábado, 21 de junho de 2014

TJMG. Convenção condominial – rerratificação. Proprietário – alteração. Permuta. Continuidade.

Nomes dos proprietários dos imóveis não podem ser alterados mediante escritura de rerratificação de convenção de condomínio, sendo necessária a apresentação de escritura de permuta, sob pena de violação do Princípio da Continuidade.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) julgou, através de sua 4ª Câmara Cível, a Apelação Cível nº 1.0024.12.351410-1/001, onde se decidiu que, por não estar elencada no rol do art. 213 da Lei de Registros Públicos, a alteração dos nomes dos proprietários dos imóveis não poderá ser realizada mediante apresentação de escritura pública de rerratificação de Convenção de Condomínio, somente podendo ser processada mediante registro de escritura pública de permuta, em respeito ao Princípio da Continuidade. O acórdão teve como Relator o Desembargador Duarte de Paula e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido. No caso em tela, o Oficial Registrador suscitou dúvida perante a MM. Juíza de Direito da Vara de Registros Públicos, em razão do requerimento de averbação de escritura de rerratificação de Convenção de Condomínio. Os interessados apresentaram tal título afirmando que a escritura inicial continha erro material, pois o apartamento nº 101 foi registrado em nome de C.M.C., quando a real proprietária é C.M.V.L.P. Por sua vez, o apartamento nº 102, com fração ideal diversa, foi registrado em nome de C.M.V.L.P., quando a real proprietária é C.M.C. Ao devolver o título, o Oficial Registrador informou que o registro do título inicial tornou definitivo o assento, motivo pelo qual entendeu que a escritura pública de rerratificação de Convenção de Condomínio não é título hábil para promover as alterações pretendidas. Posto isto, exigiu a apresentação de escritura pública de permuta dos imóveis em questão, observadas as exigências legais, tendo em vista que a mudança pretendida implica em mutação substancial no objeto do negócio jurídico realizado. Julgada procedente a dúvida, ocasião em que a MM. Juíza de Direito da Vara de Registros Públicos determinou que não fosse praticado o registro pretendido até o cumprimento das exigências legais, as interessadas interpuseram recurso, alegando, em síntese, que a realização de permuta implicaria em reincidência no pagamento do imposto e que não houve permuta, mas a ocorrência de erro material quando da indicação das frações ideais e dos apartamentos.
Ao julgar a apelação, o Relator observou que não é possível a realização de retificação para o caso em tela, uma vez que, a Lei de Registros Públicos prevê, em seu art. 213, as hipóteses de retificação de registro, não estando a alteração do nome do proprietário contemplada em tal rol. Além disso, o Relator afirmou que “não há como negar que a escritura que instituiu o condomínio e sua divisão, bem como o documento que permitiu a abertura das respectivas matrículas dos apartamentos teve consolidados seus efeitos, sendo incapaz de autorizar sua alteração a mera escritura de rerratificação do condomínio, como pretendido pelos apelantes, sendo, assim, procedente a recusa do oficial em efetuar a pretendida ‘correção’ do registro, já que não poderia desprezar os efeitos dos registros anteriores e nem refazê-los mais de meses depois.” Posto isto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Fonte: Base de dados de Jurisprudência do IRIB.

TJMG. Convenção condominial – rerratificação. Proprietário – alteração. Permuta. Continuidade.

Entendimento do STJ atribui como presunção relativa de veracidade a informação de quitação dada em escritura pública.

A quitação dada em escritura pública gera presunção relativa do pagamento, admitindo prova em contrário que evidencie a invalidade do instrumento eivado de vício que o torne falso. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC, a escritura lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é documento dotado de presunção de veracidade. O que ocorre com a presunção legal do referido dispositivo é a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura (à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC) e também a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade. Outro não é o motivo pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015/1976 (Lei de Registros Públicos) assim preveem: “As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta” e “O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução”. Portanto, a quitação dada em escritura pública não é uma “verdade indisputável”, na medida em que admite a prova de que o pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao fim, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna falso. Assim, entende-se que a quitação dada em escritura pública presume o pagamento, até que se prove o contrário. REsp 1.438.432-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/4/2014.

Fonte: Informativo nº. 0541 do STJ | Período: 11 de junho de 2014.

STJ: DIREITO CIVIL. INOPONIBILIDADE DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NO CASO DE COPROPRIEDADE ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO.

A viúva não pode opor o direito real de habitação aos irmãos de seu falecido cônjuge na hipótese em que eles forem, desde antes da abertura da sucessão, coproprietários do imóvel em que ela residia com o marido. De fato, o direito real de habitação (arts. 1.611, § 2º, do CC/1916 e 1.831 do CC/2002) tem como essência a proteção do direito de moradia do cônjuge supérstite, dando aplicação ao princípio da solidariedade familiar. Nesse contexto, de um lado, vislumbrou-se que os filhos devem, em nome da solidariedade familiar, garantir ao seu ascendente a manutenção do lar; de outro lado, extraiu-se da ordem natural da vida que os filhos provavelmente sobreviverão ao habitador, momento em que poderão exercer, na sua plenitude, os poderes inerentes à propriedade que detêm. Ocorre que, no caso em que o cônjuge sobrevivente residia em imóvel de copropriedade do cônjuge falecido com os irmãos, adquirida muito antes do óbito, deixa de ter razoabilidade toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, pois não há elos de solidariedade entre um cônjuge e os parentes do outro, com quem tem apenas vínculo de afinidade, que se extingue, à exceção da linha reta, quando da dissolução do casamento. Além do mais, do contrário, estar-se-ia admitindo o direito real de habitação sobre imóvel de terceiros, em especial porque o condomínio formado pelos familiares do falecido preexiste à abertura da sucessão. Precedente citado: REsp 1.212.121-RJ, Quarta Turma, DJe 18/12/2013. REsp 1.184.492-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/4/2014.

Fonte: Informativo nº. 0541 do STJ | Período: 11 de junho de 2014.

domingo, 15 de junho de 2014

STJ. Terceira Turma afasta direito à rescisão de contrato em negociação de lote irregular

Em julgamento de recurso especial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decretou a extinção, sem julgamento do mérito, de processo que buscava a rescisão de contrato de compra e venda de lote irregular por inadimplência dos compradores.

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, concluiu pela impossibilidade jurídica do pedido feito pelos vendedores, pois o contrato fora celebrado contra a lei. No entanto, seguindo o voto do ministro, a Turma, de ofício, declarou a nulidade do acordo.

Pedido incabível

O juízo de primeiro grau julgou extinto o processo, por reconhecer a falta de interesse de agir dos autores, vendedores do lote. De acordo com a sentença, como a venda foi feita de forma irregular, seria incabível o pedido de rescisão fundado em "infração contratual imputada ao compromissário-comprador, que tem o direito de suspender o pagamento das parcelas do preço em razão da mora do credor".

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença. Apesar de incontroversa a ausência de registro do desmembramento do lote, o acórdão entendeu que não se poderia ignorar o contrato particular de compra e venda firmado entre as partes e julgou procedente o pedido de rescisão contratual.

De acordo com a decisão, "não é possível afastar o direito à rescisão do contrato por inadimplência, com a consequente reintegração na posse do bem imóvel, porque constatado que o bem adquirido faz parte de desmembramento irregular de terreno, sob pena de estabelecer em favor dos apelados o direito de moradia gratuita, sem qualquer base ou fundamento legal para tanto".

Acórdão reformado

No STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino entendeu pela reforma da decisão. Para ele, "tendo os autores firmado pacto que contraria expressa proibição legal, resta caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido formulado na exordial, razão pela qual é irrepreensível a conclusão do juízo de primeiro grau, julgando a parte autora carecedora do direito de ação", disse.

Sanseverino, além de restabelecer o decreto de extinção do processo sem julgamento de mérito, declarou de ofício a nulidade do contrato de promessa de compra e venda.

REsp 1304370

Entendimento do STJ: Execução hipotecária de dívida de financiamento imobiliário prescreve em cinco (5) anos

A dívida decorrente de financiamento imobiliário pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) prescreve em cinco anos. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou a pretensão do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs) de cobrar o valor passados 11 anos do vencimento.

O ministro Sidnei Beneti esclareceu que a hipótese é de cobrança de dívida líquida constante de instrumento particular, na linha da previsão do inciso I do parágrafo 5º do artigo 206 do Código Civil.

O relator reforçou que o contrato de financiamento não representa dívida ilíquida, já que, conforme jurisprudência do STJ, pode ser executado mesmo diante de ação revisional pelo mutuário.

A execução proposta dizia respeito, em 2011, a R$ 67 mil.

REsp 1385998

sábado, 14 de junho de 2014

Definição e Requisitos da conversão do negócio jurídico


Íntegra do acórdão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.861 - RS (2010⁄0207570-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADOS : FABIANA KLUG E OUTRO(S)
PAULO ARAÚJO PINTO
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
PRISCILA SANTOS GUIDOTTI E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE SOLENIDADE ESSENCIAL. PRODUÇÃO DE EFEITOS. CONVERSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO NULO. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS ATOS JURÍDICOS. CONTRATO DE MÚTUO GRATUITO. ART. ANALISADO: 170 DO CC⁄02.
1. Ação de cobrança distribuída em 13⁄04⁄2006, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 13⁄01⁄2011.
2. Cinge-se a controvérsia a decidir a natureza do negócio jurídico celebrado entre a recorrente e sua filha, e se a primeira possui legitimidade e interesse de agir para pleitear, em ação de cobrança, a restituição do valor transferido à segunda.
3. O contrato de doação é, por essência, solene, exigindo a lei, sob pena de nulidade, que seja celebrado por escritura pública ou instrumento particular, salvo quando tiver por objeto bens móveis e de pequeno valor.
4. A despeito da inexistência de formalidade essencial, o que, a priori, ensejaria a invalidação da suposta doação, certo é que houve a efetiva tradição de bem móvel fungível (dinheiro), da recorrente a sua filha, o que produziu, à época, efeitos na esfera patrimonial de ambas e agora está a produzir efeitos hereditários.
5. Em situações como essa, o art. 170 do CC⁄02 autoriza a conversão do negócio jurídico, a fim de que sejam aproveitados os seus elementos prestantes, considerando que as partes, ao celebrá-lo, têm em vista os efeitos jurídicos do ato, independentemente da qualificação que o Direito lhe dá (princípio da conservação dos atos jurídicos).
6. Na hipótese, sendo nulo o negócio jurídico de doação, o mais consentâneo é que se lhe converta em um contrato de mútuo gratuito, de fins não econômicos, porquanto é incontroverso o efetivo empréstimo do bem fungível, por prazo indeterminado, e, de algum modo, a intenção da beneficiária de restituí-lo.
7. Em sendo o negócio jurídico convertido em contrato de mútuo, tem a recorrente, com o falecimento da filha, legitimidade ativa e interesse de agir para cobrar a dívida do espólio, a fim de ter restituída a coisa emprestada.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, acompanhando a divergência, por maioria, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 22 de abril de 2014(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.861 - RS (2010⁄0207570-4)
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADO : FABIANA KLUG
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cuida-se de recurso especial interposto por ENI CHAVES CARVALHO, fundamentado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional.
Ação: de cobrança intentada por Eni Chaves Carvalho, em face do espólio de Carmem Chaves Carvalho, na qual requer a restituição ao seu patrimônio do valor que alega ter doado à filha.
A recorrente afirma ter doado o produto da venda de uma propriedade de 54 ha para a filha Carmem Chaves Carvalho, a fim de custear o tratamento médico de sua neta, Christine Carvalho Guidotti, após grave acidente automobilístico sofrido pelas duas. Ambas faleceram – Carmem, em 31⁄12⁄2002, e Christine, em 24⁄02⁄2006 – esta última deixando como único herdeiro o genitor, Percílio Ornellas Guidotti, de quem a mãe Carmem havia se separado em 1983.
Diante desses fatos, sustenta a recorrente que o valor doado à filha Carmem constituiu-se em um adiantamento da legítima, o qual, após a morte desta e da neta Christine, deve ser-lhe restituído e o respectivo crédito deduzido da parte disponível da filha, no inventário que tramita perante a Vara Cível da Comarca de Caçapava do Sul.
Sentença: julgou improcedente o pedido, por reconhecer que o custeio do tratamento da neta foi ato de mera liberalidade de Eni Chaves Carvalho (recorrente) e que o "contrato de adiantamento de legítima" celebrado não é válido, na medida em que dispõe de herança de pessoa viva. Ademais, decidiu que falta à recorrente interesse de agir.
Acórdão: o TJ⁄RS negou provimento à apelação interposta por Eni Chaves Carvalho, em acórdão assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO DE A COBRANÇA INTENTADA PELA AUTORA APELANTE CONTRA A SUCESSÃO DA NETA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA, VEZ QUE NÃO VERIFICADA A QUESTÃO HAVIDA PELA APELANTE COMO INCONTROVERSA. MERITO. DOAÇÃO REALIZADA PELA AVÓ EM FAVOR DA NETA, NO INTUITO DE CUSTEAR TRATAMENTO MÉDICO E HOSPITALAR. DEMANDA QUE PRETENDE REAVER O VALOR DOADO, SOB O FUNDAMENTO DE TER SE TRATADO DE ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA EM FAVOR DA FILHA, E QUE, APÓS A MORTE DESTA, FOI TRANSMITIDO À NETA. LIBERALIDADE OCORRIDA QUANDO A FILHA DA DEMANDANTE AINDA ESTAVA VIVA. CIRCUNSTÂNCIA QUE DESCARACTERIZA O SUSTENTADO ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. CONTRATO DE ANTECIPAÇÃO DE HERANÇA SUBSCRITO ANOS DEPOIS DA VENDA DO PATRIMÔNIO DA AUTORA. PACTUAÇÃO NULA, PORQUANTO TRAZ DISPOSIÇAO SOBRE HERANÇA DE PESSOA VIVA. DESCABIMENTO DA PRETENSAO DE RESTITUIÇÃO DE PATRIMÔNIO QUE DELIBERADAMENTE FOI VENDIDO PELA AUTORA APELANTE PARA AJUDAR A NETA. INCONFORMIDADE DA AUTORA COM O FATO DE O GENITOR DA NETA SER O UNICO HERDEIRO NECESSÁRIO, E A QUEM IMPUTA ABANDONO MATERIAL. QUESTÃO QUE DEVE SER OBJETO DE DISCUSSÃO EM AÇÃO PRÓPRIA, E NÃO EM AUTOS DE AÇÃO DE COBRANÇA.
Preliminar rejeitada e recurso desprovido.
Recurso especial: interposto por Eni Chaves Carvalho, em cujas razões alega violação dos arts. 1.165, 1.171 e 1.176 do CC⁄16 (arts. 538, 544 e 2.018 do CC⁄02), do art. 6º do CPC, bem como dissídio jurisprudencial.
Sustenta que a doação do ascendente ao descendente, em vida, deve ser reconhecida como adiantamento da legítima, o que impõe a observância do direito de colação. Aduz ser parte legítima para propor a ação de cobrança que visa à restituição ao seu patrimônio da quantia doada à filha.
Juízo de admissibilidade: o recurso foi inadmitido pelo TJ⁄RS, dando azo à interposição do Ag 1.143.137⁄RS, provido para determinar a subida do especial.
Parecer do MPF: da lavra do Subprocurador-Geral da República José Bonifácio Borges de Andrada, pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 291⁄296, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.861 - RS (2010⁄0207570-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADO : FABIANA KLUG
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Da delimitação da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a decidir: (I) a natureza do negócio jurídico celebrado entre a recorrente e sua filha, Carmem; e (II) se a recorrente possui legitimidade e interesse de agir para pleitear, em ação de cobrança, a correspondente restituição do valor transferido.
Ressalte-se, por oportuno, que são fatos incontroversos nos autos: (I) a recorrente transferiu à filha Carmem a quantia correspondente à alienação de 54 ha de terras, da qual era proprietária; (II) Carmem firmou com a mãe "contrato de compra e venda de direitos de herança" (fl. 15, e-STJ); e (III) Carmem faleceu em 31⁄12⁄2002, e Christine, a neta, em 24⁄02⁄2006.
Do prequestionamento
01. Verifico ter sido prequestionada a matéria referente aos dispositivos de lei tidos por violados.
Da natureza do negócio jurídico celebrado entre a recorrente e sua filha (violação dos arts. 1.165, 1.171 e 1.776 do CC⁄16 – arts. 538, 544 e 2.018 do CC⁄02)
02. O ponto nodal para a solução da controvérsia diz respeito à natureza do negócio jurídico celebrado entre Eni Chaves Carvalho e sua filha, Carmem Chaves Carvalho, considerando que aquela transferiu a esta determinada quantia em dinheiro, ato que o Tribunal de origem define como "mera liberalidade", quando a recorrente afirma ser uma doação e, portanto, antecipação da legítima.
03. De fato, um dos poderes inerentes à propriedade é o da livre disposição. Quando se trata de doação, entretanto, justamente por encerrar disposição gratuita do patrimônio, o contrato deve ser sempre interpretado restritivamente, inclusive para preservar o mínimo existencial do doador, evitando-lhe prejuízos decorrentes de seu gesto de generosidade.
04. Essa interpretação restritiva recai, em especial, sobre o elemento subjetivo do negócio – a intenção do doador de transferir determinado bem ou vantagem para outrem, sem qualquer contraprestação; o espírito de liberalidade – porquanto o elemento objetivo, que é a respectiva transferência, consubstancia-se na simples tradição ou registro, a depender da natureza móvel ou imóvel do bem doado.
05. Daí se justifica o contrato de doação ser, por essência, solene, exigindo a lei, para sua validade, que seja celebrado por escritura pública ou instrumento particular, salvo quando tiver por objeto bens móveis e de pequeno valor (art. 1.168 do CC⁄16). Assim, ao menos em tese, a ausência dessa solenidade macula de nulidade o negócio jurídico entabulado entre as partes, conforme preceitua o art. 145, IV, do mesmo diploma legal.
06. Outro elemento essencial à doação, que decorre, aliás, da própria natureza contratual, é a aceitação do donatário, excetuadas apenas as hipóteses de presunção e dispensa desse consentimento, previstas na Lei Civil. Nesse sentido, leciona o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, em sua obra "Contratos Nominados II" (São Paulo: RT, 2005. p. 65): "a doação é contrato e, consequentemente, além da manifestação de vontade do doador, exige, também, em regra, o consentimento do donatário, que é o animus donum accipiendi".
07. Nesse contexto, por lhe faltarem elementos essenciais, o negócio jurídico celebrado entre mãe e filha não pode ser enquadrado, segundo afirma a recorrente, como um contrato de doação, e, portanto, não importa em antecipação de legítima, como se passa a expor.
3.a Da ausência de solenidade essencial – a conversão do negócio jurídico
08. A despeito da inexistência de escritura pública ou instrumento particular atestando o negócio jurídico firmado, o que, a priori, ensejaria a invalidação da alegada doação, certo é que houve a efetiva tradição de considerável quantia em dinheiro, da recorrente a sua filha, o que produziu, à época, efeitos na esfera patrimonial de ambas e agora está a produzir efeitos hereditários.
09. Em situações como essa, o art. 170 do CC⁄02 expressamente autoriza a conversão do negócio jurídico, a fim de que sejam aproveitados os seus elementos prestantes, considerando que as partes, ao celebrá-lo, têm em vista os efeitos jurídicos do ato, independentemente da qualificação que o Direito lhe dá.
10. A propósito, convém destacar que Pontes de Miranda há muito já falava sobre o instituto, em seu Tratado de Direito Privado, ao assim defini-lo:
"Pela conversão, o conteúdo do negócio, passando a outra forma, produz os mesmos resultados que se queriam. Não se quis o novo negócio: o que se dá é que os resultados queridos são os mesmos. (...) Todo querer é querer de resultado e de maneira: se o resultado é lícito, nada obsta a que se procure a forma, em que se possam meter os resultados queridos. Varia-se de forma, converte-se. O escopo econômico é o mesmo; mas não se consegue pelo modo que o disponente quis, e sim por outro que ele talvez não tenha querido. A vontade é a mesma, o actus varia. (...) Conversão é transformação do negócio jurídico nulo em outro que possa valer. (...) É preciso que o declarante tenha querido, ainda tácita ou eventualmente, o que se substituiu." (in p. 325)
11. Ou seja, por meio da conversão conservam-se os atos jurídicos, porque são interpretados de forma a produzir algum efeito e não de nenhum efeito produzir, acaso fosse declarada a sua nulidade (princípio da conservação dos atos jurídicos). Ademais, homenageia-se o princípio da boa-fé objetiva, na medida em que se prestigia o resultado pretendido e esperado pelas partes.
12. Vale ressaltar, segundo o escólio de João Alberto Schützer Del Nero, que a conversão substancial do negócio jurídico "integra a atividade de qualificação jurídica e de aplicação do direito; pode, então, desenvolver-se assim pelos próprios interessados – num primeiro momento e de modo não-definitivo – como pelo juiz – substitutiva e definitivamente; e (...) constitui questão de direito, e não questão de fato" (Conversão Substancial do Negócio Jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 334).
13. Para tanto, a Lei Civil exige: (I) que haja um negócio jurídico nulo; (II) que esse negócio contenha os requisitos de outro; e (III) que o fim a que visavam as partes permita supor que o teriam querido – o negócio convertido – se houvessem previsto a nulidade.
3.a.1. Da existência do negócio jurídico nulo
14. Na hipótese, é nulo o negócio jurídico de doação, nos termos em que se refere a recorrente, porque preterida solenidade que a lei considera essencial para sua validade (art. 166, V, do CC⁄02): a escritura pública ou instrumento particular.
3.a.2. Da presença dos requisitos de outro negócio jurídico
15. No particular, é certo que a recorrente entregou para a filha (Carmem) determinada quantia em dinheiro, correspondente à alienação de 54 ha de terras, da qual era proprietária.
16. A filha, por sua vez, firmou com a genitora um "contrato de compra e venda de direitos de herança", no qual afirmou estar "desistindo por venda em seu benefício de 54,0 (cinquenta e quatro) hectares de terras que ela teria direito de sua mãe" (fl. 15, e-STJ), por força de herança.
17. Conquanto a legislação vigente não admita o pacta corvina – o que, frise-se, não se está admitindo nestes autos –, é possível inferir, da manifestação de vontade externada por mãe e filha no documento de fl. 15, e-STJ ("contrato de compra e venda de direitos de herança"), considerando que de doação não se trata, que o mais consentâneo à espécie é que se lhe converta em um contrato de mútuo gratuito, de fins não econômicos, porquanto é incontroverso o efetivo empréstimo do bem fungível, por prazo indeterminado, e, de algum modo, a intenção da beneficiária de restituí-lo.
3.a.3. Do fim a que visavam as partes
18. É razoável e perfeitamente aceitável, à vista de todo o exposto, a conclusão no sentido de que, se houvessem previsto a nulidade do suposto contrato de doação, por ausência de formalidade essencial para a caracterização da alegada "antecipação de legítima", teriam mãe e filha celebrado contrato de mútuo gratuito, por prazo indeterminado, o que autoriza, na hipótese, a respectiva conversão.
Da legitimidade e do interesse de agir da recorrente
19. Em sendo o negócio jurídico convertido em contrato de mútuo, tem a recorrente, com o falecimento da filha, legitimidade ativa e interesse de agir para cobrar a dívida do espólio, a fim de ter restituída a coisa emprestada.
5. Da divergência jurisprudencial
20. Entre os acórdãos trazidos à colação, não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque foram descumpridos os arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa parte, DOU-LHE PROVIMENTO.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0207570-4
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.225.861 ⁄ RS
Números Origem: 10600005843 200900112863 70023690639 70025585316 70026594556
PAUTA: 22⁄10⁄2013 JULGADO: 05⁄11⁄2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADO : FABIANA KLUG
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, conhecendo em parte do recurso especial e, nesta parte, dando provimento, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.861 - RS (2010⁄0207570-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADO : FABIANA KLUG
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Pedi vista dos autos para melhor exame da controvérsia posta em debate.
Trata-se de recurso especial interposto por ENI CHAVES CARVALHO, com arrimo no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO DE COBRANÇA INTENTADA PELA AUTORA APELANTE CONTRA A SUCESSÃO DA NETA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA, VEZ QUE NÃO VERIFICADA A QUESTÃO HAVIDA PELA APELANTE COMO INCONTROVERSA. MÉRITO. DOAÇÃO REALIZADA PELA AVÓ EM FAVOR DA NETA, NO INTUITO DE CUSTEAR TRATAMENTO MÉDICO E HOSPITALAR. DEMANDA QUE PRETENDE REAVER O VALOR DOADO, SOB O FUNDAMENTO DE TER SE TRATADO DE ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA EM FAVOR DA FILHA, E QUE, APÓS A MORTE DESTA, FOI TRANSMITIDO À NETA. LIBERALIDADE OCORRIDA QUANDO A FILHA DA DEMANDANTE AINDA ESTAVA VIVA. CIRCUNSTÂNCIA QUE DESCARACTERIZA O SUSTENTADO ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. CONTRATO DE ANTECIPAÇÃO DE HERANÇA SUBSCRITO ANOS DEPOIS DA VENDA DO PATRIMÔNIO DA AUTORA. PACTUAÇÃO NULA, PORQUANTO TRAZ DISPOSIÇÃO SOBRE HERANÇA DE PESSOA VIVA. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DE PATRIMÔNIO QUE DELIBERADAMENTE FOI VENDIDO PELA AUTORA APELANTE PARA AJUDAR A NETA. INCONFORMIDADE DA AUTORA COM O FATO DE O GENITOR DA NETA SER O ÚNICO HERDEIRO NECESSÁRIO, E A QUEM IMPUTA ABANDONO MATERIAL. QUESTÃO QUE DEVE SER OBJETO DE DISCUSSÃO EM AÇÃO PRÓPRIA, E NÃO EM AUTOS DE AÇÃO DE COBRANÇA.
Preliminar rejeitada e recurso desprovido" (e-STJ fl. 137).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fls. 157-163).
Em suas razões (e-STJ fls. 174-191), a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 1.165, 1.171 e 1.776 do Código Civil de 1916 (correspondentes aos artigos 538, 544 e 2.018 do Código Civil de 2002, respectivamente).
Sustenta, em síntese, que:
(i) o adiantamento de legítima está caracterizado de forma inequívoca;
(ii) "aberta a sucessão da mãe Carmen (donatária) pela sua filha Christine, não veio a colação nos autos daquele inventário a doação em discussão" (e-STJ fl. 179);
(iii) "Christine não levou à colação o adiantamento de legítima feito pela recorrente, em favor de sua mãe para seu próprio proveito" (e-STJ fl. 180);
(iv) "O contrato que dá conta da efetivação do adiantamento de legítima, reconhecido como existente nas duas instâncias que apreciaram a matéria, constitui-se em inequívoca manifestação de vontade das partes (mãe e filha) e não tem relevância o fato de que essa manifestação de vontade tenha ocorrido cinco anos após a venda de imóvel da recorrente que se constituiu na fonte para a ajuda financeira de filha e neta" (e-STJ fl. 180);
(v) "a recorrente adiantou da parte disponível de seu patrimônio a sua filha Carmem, o produto da venda de 54 ha., em espécie, para ajudar nas despesas da filha, em especial, as decorrentes do tratamento de sua neta Christine" (e-STJ fl. 181);
(vi) "exatamente por não se tratar de herança de pessoa viva tampouco de herança inoficiosa (a doação estava dentro da parte disponível da doadora, ora recorrente) é que, contrario senso, a legitimidade é da recorrente para requerer porque não tendo se consumado a antecipação de legítima, pela singela razão de seus descendentes, donatários, terem falecido antes, é que o crédito não é de mais ninguém, por ora, que não da doadora recorrente" (e-STJ fl. 184);
(vii) "Se trata a demanda de ação de cobrança pelo simples fato de que não se pode voltar ao status quo ante para desfazer negócio jurídico perfeito e acabado que se constituiu na venda do imóvel a terceiros como expressamente reconhece a sentença, confirmada pelo acórdão recorrido. Por isso a redução da matéria ao crédito na medida em que da parte da recorrente faleceram todas as suas descendentes. Então não se quer desfazer ato algum" (e-STJ fl. 185);
(viii) "Segundo, se não há ato jurídico suscetível de nulidade na venda do imóvel a terceiros para adiantar a legítima de Carmem, filha da recorrente, em dinheiro, para fim diverso, enfatize-se, em razão da morte de filha e neta, suas sucessoras, resultou sem comunicação efetiva o adiantamento, portanto, pretendendo ver voltar a seu patrimônio a doação em questão é a recorrente, sim, data máxima vênia, legítima interessada para promover a presente ação" (e-STJ fl. 186) e,
(ix) "diferentemente da conclusão do r. acórdão ao acolher as razões do juízo singular, de que o documento de fls. 14 tipifica a ocorrência de herança de pessoa viva, quando, na verdade se trata, efetivamente, de contrato de doação e como tal, adiantamento de legítima" (e-STJ fl. 190).
Com as contrarrazões (e-STJ fls. 212-214), e não admitido o recurso na origem (e-STJ fls. 217-226), subiram os autos a esta colenda Corte por força do provimento do Agravo de Instrumento nº 1.143.137⁄RS (e-STJ fl. 280).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do recurso especial (e-STJ fls. 291-296).
Levado o feito a julgamento pela egrégia Terceira Turma, em 5⁄11⁄2013, após a prolação do voto da Relatora, Ministra Nancy Andrighi, conhecendo em parte do recurso especial e, nessa parte, conferindo-lhe provimento, pedi vista antecipada dos autos e ora apresento meu voto.
É o relatório.
De início, registre-se que o dissídio pretoriano não restou caracterizado na forma exigida pelos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional.
No tocante à natureza jurídica do negócio jurídico celebrado entre a recorrente Eni e sua filha Carmem, representado pelo documento de fl. 15 (e-STJ), tenho que não está a merecer reparos o acórdão recorrido.
Referido instrumento, intitulado "CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE DIREITOS DE HERANÇA", ostenta o seguinte teor:
"CARMEM CARVALHO GUIDOTTI, brasileira, viúva, professora, inscrita com Cart. de Ident. nº 3018473284 SSP-RS, residente e domiciliada em Caçapava do Sul - RS., que neste instrumento de contrato está firmando e desistindo por venda em seu benefício de 54,0 (cinquenta e quatro) hectares de terras que ela teria direito de sua mãe Sra. ENY CHAVES DE CARVALHO, Cart. de Ident. nº 4044403261 SSP-RS.
Esta propriedade de 54,0 hectares, foram vendidos para a Sra. BELMIRA MARQUES DIAS, direitos de herança da Sra. CARMEM CARVALHO GUIDOTTI, escritura esta assinada por sua mãe Sra. ENY CHAVES DE CARVALHO.
E, por estarem assim acertadas, mandaram que datilografasse em duas vias de igual teor e forma que assinam juntamente com testemunhas" (e-STJ fl. 15).
Da análise do mencionado instrumento, aliada ao acurado exame de todo o conjunto fático-probatório dos autos procedido pelas instâncias de cognição plena, concluiu-se, a meu ver com acerto, que se tratava de contrato cujo objeto era herança de pessoa viva, ajuste que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico a teor do artigo 426 do Código Civil de 2002 (artigo 1.089 do Código Civil de 1916), in verbis: "Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva".
Vale colacionar, a propósito, os seguintes excertos extraídos do acórdão recorrido, que incorporou as razões de decidir da sentença de primeiro grau, porquanto elucidativos:
"(...)
O que se extrai da narrativa das partes e do arcabouço probatório carreado aos autos, é que Eny, em louvável atitude, demonstrando afeto e solidariedade com sua filha e neta, alienou área de terras de sua propriedade para custear o tratamento de Christine.
Não há dúvida de que a intenção da autora, ao menos inicialmente, era tão somente a de ajudar a neta Christine. O custeio de seu tratamento foi mera liberalidade, disposição de sua parte disponível para - solidariamente - 'doar' o equivalente em dinheiro.
Como se pôde ver, a alienação ocorreu em agosto de 1991, consoante contrato particular de compra e venda mencionado na Escritura Pública de fls. 15-16, mesmo período em que Christine precisou - e realizou - as cirurgias, consoante documentação juntada pela própria parte autora.
Não obstante, o documento que teria o condão de comprovar o alegado adiantamento de legítima é o 'Contrato de Compra e Venda de Direitos de Herança' (fl. 14), o qual foi formalizado apenas em 1996, mais de cinco anos após o repasse dos valores.
Na verdade, tal é incontestavelmente um contrato que tem por objeto herança de pessoa viva. Tal contrato, denominado 'pacta corvina', é vedado pelo nosso ordenamento jurídico (CC, art. 426), pois constitui uma especulação sobre a morte de uma pessoa, contrariando a moral e os bons costumes.
Assim, embora tenha constado no termo de audiência a incontrovérsia das partes sobre a existência do contrato de adiantamento de legítima, o que deveria ter contado é que concordavam com a existência do documento de fl. 14, restando a análise da sua validade ou não como 'contrato de adiantamento de legítima'.
Nesse diapasão, cumpre reconhecer que o documento não é válido para comprovar a tese da parte autora. Isso porque, após muito esforço, já que o documento é pouco lógico e compreensível, constato realmente tratar-se de disposição de herança de pessoa viva, vez que prevê em seus termos que Carmem 'está firmando e desistindo por venda em seu benefício de 54,0 (cinqüenta e quatro) hectares de terras que ela teria direito de sua mãe' [grifei].
Outrossim, tanto o repasse do valor correspondente à venda dos 54 ha de terras (comprovado pela escritura de fls. 15-16) não foi feito com intuito de fazer um adiantamento de legítima, que o documento utilizado pela autora como prova material foi formalizado apenas cinco anos após (em outubro de 1996, fl. 14), talvez prevendo a situação que ora se apresenta, mesmo porque naquela época já havia animosidade entre as partes" (e-STJ fls. 143-144).
Além disso, constata-se que o Tribunal de origem afastou as pretensões da ora recorrente utilizando fundamentos outros, além daquele já declinado.
Com efeito, a Corte local, avançando do exame da matéria, asseverou que, ainda que acolhida a tese da recorrente, sua pretensão esbarraria na falta de interesse de agir e na inadequação da via eleita para o fim pretendido, consoante se observa dos seguintes trechos:
"(...)
Por outro lado, para fins de argumentação, mesmo que admitida a existência e validade de adiantamento de legítima estaria o feito fadado à extinção sem resolução do mérito, ante a manifesta falta de interesse de agir.
Ora, o adiantamento de legítima também se constitui ato de mera liberalidade. Por essa razão, não tem a parte interesse de agir em pleitear o desfazimento do ato e retorno ao status quo ante.
Interessados, nesse caso, seriam eventuais herdeiros da 'donatária'. E mais, esse interesse de agir apenas se verificaria no momento do falecimento desta, até porque o requerente poderia vir a falecer antes dela.
(...)
Faço apenas uma ressalva quanto à ausência de interesse de agir da requerente, no sentido de esclarecer que, mesmo em se examinando a questão sob a ótica do adiantamento de legítima, ainda assim, estaria a pretensão fadada ao insucesso, não em razão de que o interesse seria dos herdeiros da donatária, como referiu a sentença no último parágrafo supramencionado, mas sim, em razão de que o interesse seria dos herdeiros da doadora, tendo-se presente que é no inventário dela que deve ser apurado eventual adiantamento de legítima, ocasião em que se traz o bem doado à colação, para fins de equiparação dos quinhões entre os herdeiros, evitando-se com isso o enriquecimento do herdeiro donatário em detrimento dos demais herdeiros necessários. Assim, realizado o ato de liberalidade, carece a autora de interesse para pleitear da sucessão da donatária a restituição do crédito doado.
(...)
Importante destacar, ainda, que o motivo que subjaz o pedido inicial é, em verdade, a inconformidade da avó ora recorrente com o fato de ver o patrimônio da neta (na verdade, de sua filha), ser transmitido ao seu desafeto, no caso, o réu, a quem imputa abandono material de CHIRSTINE.
Não obstante essa situação possa ser sutilmente percebida por meio de manifestações do apelado do tipo 'as despesas médicas e hospitalares foram custeadas pelo IPERGS, sem nenhum custo para as pacientes' (fls. 42) - quando notoriamente se sabe que aludido plano não custeia tão elevado tratamento e, principalmente, quando incontroverso nos autos que a inclusão de prótese na neta foi custeada com o patrimônio da avó (carta escrita por CHRISTINE, de fls. 13) - tal circunstância é matéria a ser debatida e comprovada em ação própria.
Muito embora não se ignore a irresignação da demandante com o fato de se ver obrigada a dividir com o réu patrimônio que pertencia à filha e a neta, e que integra o seu patrimônio em condomínio, fato é que não se pode simplesmente afastar o herdeiro necessário da sucessão, salvo em hipóteses excepcionais, e que devem ser apuradas e debatidas na via oportuna, e não em autos de ação de cobrança" (e-STJ fls. 145-147).
Tais fundamentos, contudo, foram objeto de impugnação genérica das razões do especial, desacompanhadas da indicação do dispositivo legal supostamente malferido, o que inviabiliza o seu trânsito nesta instância especial.
Como cediço, em sede de recurso especial, a necessidade de impugnação dos fundamentos da decisão hostilizada não é satisfeita pela aposição no arrazoado de alegação genérica demonstrativa do inconformismo do recorrente com a solução esposada pela Corte de origem.
Exige-se, em qualquer caso, que tal irresignação seja materializada com a indicação expressa de dispositivo legal supostamente malferido, mesmo porque a ausência de indicação da norma federal violada ou interpretado de modo distinto é suficiente, por si só, para atrair o intransponível óbice da Súmula nº 284⁄STF, consoante iterativa jurisprudência desta Corte.
A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - SÚMULA 7⁄STJ - PENA DE BUSCA E APREENSÃO - SÚMULA 284⁄STF - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.
(...)
2.- A ausência de particularização do dispositivo legal tido por afrontado é deficiência com sede na própria fundamentação da insurgência recursal, que impede a abertura da instância especial, a teor do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, também ao Recurso Especial.
3.- A agravante não trouxe argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos.
4.- Agravo Regimental improvido".
(AgRg no AREsp 290.987⁄SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23⁄04⁄2013, DJe 02⁄05⁄2013 - grifou-se)
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DEPÓSITO JUDICIAL. ACLARATÓRIOS PREQUESTIONADORES. NECESSIDADE DE EMBASAMENTO EM UMA DAS HIPÓTES CONTIDAS NO ARTIGO 535 DO CPC. PRESCRIÇÃO SEGUNDO AS REGRAS DE DIREITO PRIVADO. INAPLICABILIDADE. VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL. AUSÊNCIA DE PARTICULARIZAÇÃO. DEFICIÊNCIA RECURSAL.
(...)
3. A ausência de particularização do dispositivo legal tido por violado caracteriza deficiência na fundamentação, impedindo a abertura da via especial, ante a incidência da Súmula 284⁄STF.
4. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.
5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO".
(AgRg no REsp 658.039⁄RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27⁄03⁄2012, DJe 11⁄04⁄2012)
Ante o exposto, com a devida vênia, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0207570-4
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.225.861 ⁄ RS
Números Origem: 10600005843 200900112863 70023690639 70025585316 70026594556
PAUTA: 17⁄12⁄2013 JULGADO: 17⁄12⁄2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MÁRIO PIMENTEL ALBUQUERQUE
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADOS : FABIANA KLUG E OUTRO(S)
PAULO ARAÚJO PINTO
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
PRISCILA SANTOS GUIDOTTI E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Villas Bôas Cueva, conhecendo em parte do recurso e, nesta parte, negando provimento, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Aguardam os Srs. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e João Otávio de Noronha.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.861 - RS (2010⁄0207570-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADOS : FABIANA KLUG E OUTRO(S)
PAULO ARAÚJO PINTO
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
PRISCILA SANTOS GUIDOTTI E OUTRO(S)
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:
1.- Meu voto acompanha o voto da Relatora, E. Min. NANCY ANDRIGHI – frisando apenas tratar-se de exigência de formalização documental da questionada doação por se tratar de doação de imóvel, incompatível com a chamada doação manual, relativa a móveis desprovidos de marcante relevo, que pode realizar-se por "traditio brevi manu", independentemente de documento.
2.- Realmente a dada do imóvel de 54 ha foi feita pela mãe, cujo espólio ora recorre a esta Corte, a fim de com o valor custear o tratamento da filha e a neta, ante lesões decorrentes de acidente automobilístico, vindo, contudo, ambas, a falecer.
O quadro era de negócio jurídico indireto, vestido de doação, quando, em verdade, disfarçava mútuo, como concluiu o voto da E. Relatora, analisando os elementos de ambos os contratos.
3.- O ingresso no exame da natureza do negócio jurídico realizado, como já se firmou em vários julgados desta Corte, não infringe vedações das Súmulas 5 e 7. Tem-se, em verdade, quadro fático e contratual bem definido, apenas com categorização contratual diversa dada pelo Tribunal de origem, que concluiu tratar-se de doação, quando, a rigor, era mútuo.
4.- Pelo exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, acompanhando-se o voto da E. Relatora, com a observação de ressalva à informalidade da doação manual, constante do final do item 1, supra e assim se consignando na Ementa do julgado, para evitar eventuais distorções ampliativas do sentido do presente julgado.
Ministro SIDNEI BENETI
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0207570-4
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.225.861 ⁄ RS
Números Origem: 10600005843 200900112863 70023690639 70025585316 70026594556
PAUTA: 18⁄03⁄2014 JULGADO: 18⁄03⁄2014
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADOS : FABIANA KLUG E OUTRO(S)
PAULO ARAÚJO PINTO
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
PRISCILA SANTOS GUIDOTTI E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti e o voto do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhando a Relatora, pediu vista o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.225.861 - RS (2010⁄0207570-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADOS : FABIANA KLUG E OUTRO(S)
PAULO ARAÚJO PINTO
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
PRISCILA SANTOS GUIDOTTI E OUTRO(S)
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
Sr. Presidente, pedi vista dos autos após a discussão que se travou na sessão de julgamento, ocasião em que foram proferidos votos a favor e contra a posição adotada pela eminente relatora.
Entendo que, a rigor, a petição inicial da ação que ora se examina deveria ter sido indeferida por inépcia, em razão de conter pedido juridicamente impossível, além de alinhavar narrativa de fatos dos quais não decorre logicamente a conclusão que se pretendeu alcançar.
De forma clara e insofismável, a recorrente ajuizou ação contra o espólio da filha, Carmem Chaves Carvalho, visando receber de volta valores que teriam sido entregues à falecida a título de adiantamento de legítima, o que é de todo inadmissível.
Não obstante, o processo teve tramitação normal, tendo a sentença concluído pela improcedência do pedido sob o fundamento de que o negócio jurídico realizado caracterizava doação em favor da neta da requerente (e não da filha), in verbis: "[...] assim, tratando-se de mera liberalidade, uma doação em favor da neta para custear seu tratamento de saúde, não há falar em retorno do valor ao seu patrimônio" (e-STJ, fl. 84, grifei).
O acórdão recorrido também não deixa dúvida de que a doação foi feita em favor da neta. Confira-se: "[...]de toda sorte, fundamental esclarecer que a apelante, em verdade, vendeu parte de seu campo e utilizou o produto da venda para custear o tratamento da neta, o que descaracteriza a sustentada antecipação de legítima em favor da filha, CARMEM. Tanto é verdade que, como bem observou o magistrado, o contrato havido como inválido (fls. 14) foi subscrito anos depois da venda da área de terras, muito provavelmente por prever a autora essa situação. Não houve, assim, doação em favor da herdeira necessária, tendo-se presente que, à época da liberalidade, a herdeira da autora CARMEM ainda estava viva e a doação foi feita diretamente em favor da neta, CHRISTINE" (e-STJ, fl. 146, grifei).
Pretende-se, agora, por intermédio do voto da eminente relatora, requalificar o negócio jurídico havido, afirmando-se a invalidade da doação por ausência de solenidade essencial – a saber, o fato de não ter havido contrato escrito, público ou particular – e classificando-o como mútuo, o qual estaria caracterizado pela "manifestação de vontade externada por mãe e filha no documento de fl. 15, e-STJ ('contrato de compra e venda de direitos de herança')", conforme se vê do item 17 do voto referido.
Extrai-se ainda do mesmo item 17 o seguinte: "[...] considerando que de doação não se trata, que o mais consentâneo à espécie é que se lhe converta em um contrato de mútuo gratuito, de fins não econômicos, porquanto é incontroverso o efetivo empréstimo de bem fungível, por prazo indeterminado, e, de algum modo, a intenção da beneficiária de restituí-lo".
Chamo a atenção novamente para o fato de tanto a sentença quanto o acórdão impugnado reconhecerem que a doação foi feita em favor da neta, CHRISTINE, e não da filha, CARMEM, pessoa que assinou o referido documento.
Além disso, o recurso especial, interposto com base em pretensa violação dos arts. 1.165, 1.171 e 1.176 do Código Civil de 1916, insiste na tese de validade do tal contrato de compra e venda de direitos de herança, vale dizer, um "contrato de adiantamento da legítima", figura totalmente abominada pelo direito brasileiro.
Nessas circunstâncias, não tenho como dar provimento ao recurso para reconhecer a violação dos referidos dispositivos legais e, ao mesmo tempo, adotar o entendimento de que o negócio jurídico objeto da demanda seja um contrato de mútuo. Não são coisas compatíveis.
Posso até compreender as razões que levaram a eminente relatora a desenvolver, com a capacidade intelectual que lhe é peculiar e com a sensibilidade que só a alma feminina consegue alcançar, a tese que ora refuto, porém, não vejo como afastar do caso a incidência das Súmulas n. 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Preocupa-me a possibilidade de, nesta instância, prover recurso especial com alteração dos fatos tais como estabelecidos no acórdão recorrido e, como consequência, modificar a natureza do negócio jurídico daí decorrente, em total contrariedade aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, uma vez que a parte recorrida nunca teve oportunidade ou necessidade, em termos processuais, de adotar teses ou contrapor afirmativas em relação a pontos que não estavam em discussão.
Talvez seja até possível, em casos excepcionais, mesmo sem pedido expresso da parte, proceder-se a tal modificação na natureza do negócio, em homenagem ao princípio da conservação dos atos jurídicos, como mencionado no voto da Ministra Nancy. Contudo, não concebo como fazê-lo a esta altura dos acontecimentos.
Relativamente à questão da legitimidade ativa da recorrente, verifico que o aresto hostilizado dela tratou tão só em caráter obiter dictum. De fato, o acórdão apenas afirma que, caso se admitisse a validade do adiantamento de legítima, ainda assim, seria a recorrente parte ilegítima para pleitear direitos que pertenceriam a outros herdeiros. O que se viu, todavia, é que não se conferiu validade ao referido adiantamento, tendo ocorrido, então, o julgamento de improcedência do pedido (mérito), e não o mero reconhecimento de ilegitimidade de parte.
Assim, pedindo vênia aos eminentes ministros que houveram por bem dar provimento ao apelo, acompanho a divergência instaurada pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva com a ressalva, no entanto, de que, nem em parte, conheço do recurso.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0207570-4
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.225.861 ⁄ RS
Números Origem: 10600005843 200900112863 70023690639 70025585316 70026594556
PAUTA: 18⁄03⁄2014 JULGADO: 22⁄04⁄2014
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ENI CHAVES CARVALHO
ADVOGADOS : FABIANA KLUG E OUTRO(S)
PAULO ARAÚJO PINTO
RECORRIDO : CARMEM CHAVES CARVALHO - ESPÓLIO E OUTRO
ADVOGADO : RAUL PINTO TORRES
REPR. POR : PERCILIO ORNELLAS GUIDOTTI - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : RAUL PINTO TORRES E OUTRO(S)
PRISCILA SANTOS GUIDOTTI E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, acompanhando a divergência, a Terceira Turma, por maioria, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, deu provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.