sexta-feira, 25 de julho de 2014

TST: Ação rescisória. Execução fiscal. Coproprietário de imóvel arrematado que não figura como parte no processo executório. Ausência de intimação. Aplicação dos art. 880 e 888 da CLT. Negativa de vigência da Lei nº 6.830/80. Violação do art. 5º, LV, da CF. Configuração.

Ação rescisória. Execução fiscal. Coproprietário de imóvel arrematado que não figura como parte no processo executório. Ausência de intimação. Aplicação dos art. 880 e 888 da CLT. Negativa de vigência da Lei nº 6.830/80. Violação do art. 5º, LV, da CF. Configuração.

Viola o direito de propriedade, o devido processo legal e o contraditório, a decisão, proferida em sede de ação anulatória incidental à execução fiscal, que, negando vigência à Lei nº 6.830/80, considera válida a arrematação de imóvel penhorado sem a devida intimação de coproprietário que não figura como parte no processo executório. No caso concreto, a autora da ação anulatória era coproprietária do bem arrematado para o pagamento de dívida assumida pelo outro proprietário, réu no processo de execução fiscal. Todavia, as diversas tentativas de intimação de penhora se restringiram ao devedor e a única ciência do ato expropriatório dirigida à recorrente foi o edital de praça, publicado no Diário Oficial, tido como suficiente pela decisão rescindenda, pois em conformidade com os arts. 880 e 888 da CLT, equivocadamente aplicados à hipótese. Nesse contexto, a SBDI-II, à unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário para, em juízo rescindendo e com apoio no art. 485, V, do CPC, reconhecer a ocorrência de violação literal ao art. 5º, LV, da CF, diante da negativa de aplicação, ao caso, da Lei nº 6.830/80 e, em juízo rescisório, julgar procedente a ação anulatória incidental e, em consequência, anular a arrematação, diante da ausência de intimação prévia da coproprietária. TST-RO-5800-07.2012.5.13.0000, SBDI-II, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 10.6.2014

Fonte: Informativo do TST nº 2 | Período de 26/05/2014 a 30/06/2014.

Sobrepartilha não serve para corrigir arrependimentos na divisão de bens feita na separação

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso em que uma mulher pretendia fazer a sobrepartilha de ações e cotas de sociedade anônima de seu ex-marido. O pedido foi negado porque ela sabia da existência desses bens no momento da separação.

A sobrepartilha é instituto utilizado em caso de desconhecimento de uma das partes a respeito de determinado bem no momento da partilha, seja ou não por ocultação maliciosa ou, ainda, se situados em lugar remoto da sede do juízo.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, afirmou que, embora os bens sonegados não se confundam com os descobertos após a partilha, ambos pressupõem o desconhecimento de sua existência por umas das partes. São considerados sonegados os bens que, embora devessem ser partilhados, não o foram, em razão de ocultação daquele que estava em sua administração.

Salomão constatou nos autos que a análise de fatos e provas feita pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul evidenciou que a recorrente tinha conhecimento da existência das ações e cotas objeto da ação de sobrepartilha.

“O prévio conhecimento da autora sobre a existência das cotas e ações objeto da ação de sobrepartilha, apurado pelo tribunal de origem, é fundamento suficiente para a improcedência da ação no caso concreto”, decidiu o ministro. Ele completou que a sobrepartilha não pode ser usada para corrigir arrependimentos quanto à divisão já realizada.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 01/07/2014.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Câmara aprova cobrança de condomínio em ruas de acesso fechado

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (1º), em caráter conclusivo, proposta que permite a cobrança, pelas associações de moradores, da taxa de condomínio dos imóveis localizados em vilas ou ruas públicas de acesso fechado.

Seguindo o voto do relator, deputado Paes Landim (PTB-PI), o texto aprovado é o substitutivo da Comissão de Desenvolvimento Urbano ao Projeto de Lei 2725/11, do ex-deputado Romero Rodrigues. Originalmente, a proposta proibia essa cobrança.

A matéria seguirá agora para análise do Senado, exceto se houver recurso para que seja examinada antes pelo Plenário da Câmara.

De acordo com o substitutivo, será adotado coeficiente para participação contributiva de cada usuário do lote com acesso controlado no custeio das despesas de manutenção do loteamento. Esse coeficiente será expresso sob a forma decimal, ordinária ou percentual, conforme dispuser o estatuto ou ato constitutivo da entidade civil responsável.

Controle do acesso

O texto, que altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), cria ainda regras para implantação de condomínios urbanísticos e da regularização de loteamentos urbanos de acesso controlado.

A proposta faculta às prefeituras, mediante concessão, permitir o controle do acesso e transferir a gestão sobre as áreas e equipamentos públicos para os titulares das unidades que compõem o loteamento.

A exigência é que os titulares se comprometam com a manutenção e custeio da área. Essa gestão implica que a manutenção da infraestrutura básica fique a cargo de uma entidade civil que represente os titulares de lotes, uma associação de moradores, por exemplo.

Fonte: Agência Câmara Notícias | 01/07/2014.

STJ. Terceira Turma aplica exceção à regra da desconsideração da personalidade jurídica

A autonomia patrimonial da pessoa jurídica não pode ser utilizada como pano de fundo para o cometimento de fraudes. "Nessas hipóteses, deve a regra da separação patrimonial ceder episodicamente para coibir a fraude e a lesão ao interesse de credores." Esse entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para preservar a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa devedora.

Em 2002, foi ajuizada ação de cobrança no valor de R$ 18.075 contra Duomo Confecções, correspondente à compra de uma máquina. O juízo de primeiro grau determinou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para atingir o patrimônio pessoal dos seus sócios.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou seguimento ao recurso interposto contra a decisão do magistrado. Considerou que a alteração de endereço sem a respectiva comunicação e, com isso, a não localização de bens penhoráveis revelaram que a sociedade foi utilizada para "atingir credores". No STJ, a Duomo defendeu que a alteração de endereço não justifica a desconsideração da personalidade jurídica.

Teoria Maior

"A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade", explicou a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial.

Nancy Andrighi: mera insolvência não seria motivo para a desconsideração.

Após longo debate doutrinário e jurisprudencial, o STJ, a partir da interpretação do artigo 50 do Código Civil, adotou a Teoria Maior da Desconsideração.

Segundo a relatora, essa teoria exige a demonstração do desvio de finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros, ou a demonstração de confusão patrimonial, evidenciada pela inexistência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios.

"Assim, a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações, ou mesmo a alteração de endereço, não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica", disse Andrighi.

Abuso

Entretanto, no caso específico, o TJRJ concluiu que houve abuso da personalidade jurídica por parte da Duomo Confecções, o que, no entendimento da ministra, autoriza a perda da autonomia patrimonial da empresa.

Andrighi verificou que na ação de cobrança e mesmo na impugnação à desconsideração da personalidade, mediante agravo de instrumento, a empresa forneceu endereço que não correspondia à sua sede havia anos.

Segundo ela, a mudança de endereço deveria ter sido comunicada à Junta Comercial e ao juízo, nos termos do artigo 238, parágrafo único, do Código de Processo Civil. "Não se verifica qualquer indício de boa-fé ou regularidade da empresa, até mesmo porque o credor se vê na impossibilidade de satisfazer o seu crédito", disse Andrighi.

Para ela, o sócio utilizou-se da autonomia patrimonial de que goza a pessoa jurídica para maquinar uma forma de não cumprir com obrigações assumidas, ciente, provavelmente, de que as dívidas contraídas por sua empresa, em princípio, não poderiam ser cobradas diretamente dos sócios.

"O sócio da empresa agiu com abuso da personalidade jurídica, imbuído do espírito de má-fé negocial, desvirtuando a finalidade pela qual o instituto da pessoa jurídica foi criado, enquadrando-se em um dos pressupostos previstos no artigo 50 do Código Civil, ensejador da desconsideração da personalidade jurídica", concluiu a ministra.

REsp n. 1311857

STJ. Direito à meação oriundo do rompimento da sociedade conjugal em comunhão parcial de bens. Precedentes do STJ



 "Acerca do direito à meação oriundo do rompimento da sociedade conjugal em comunhão parcial de bens, os seguintes precedentes: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS COM VALORES ORIUNDOS DO FGTS. COMUNICABILIDADE. ART. 271 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS ARTS. 269, IV, E 263, XIII, DO CC DE 1916. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA. 1. Os valores oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço configuram frutos civis do trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum e, consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do divórcio. Inteligência do art. 271 do CC/16. 2. Interpretação restritiva dos enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do Código Civil de 1916, entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas o direito aos frutos civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos por um dos cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial. 3. Precedentes específicos desta Corte. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 13/05/2011). Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos de declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, afastada. Partilha de bens. Crédito resultante de execução. Ausência de interesse recursal. Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos materiais e morais proposta por um dos cônjuges em face de terceiro. Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas. Comunicabilidade. Fixação dos alimentos. Razoabilidade na fixação. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia e da possibilidade de quem os presta. [...] - O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere com o seu trabalho. Não é diferente quando ele contrai matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo, proporcionalmente, para a manutenção da entidade familiar. - Se é do labor de cada cônjuge, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, que invariavelmente advêm os recursos necessários à aquisição e conservação do patrimônio comum, ainda que em determinados momentos, na constância do casamento, apenas um dos consortes desenvolva atividade remunerada, a colaboração e o esforço comum são presumidos, servindo, o regime matrimonial de bens, de lastro para a manutenção da família. - Em consideração à disparidade de proventos entre marido e mulher, comum a muitas famílias, ou, ainda, frente à opção do casal no sentido de que um deles permaneça em casa cuidando dos filhos, muito embora seja facultado a cada cônjuge guardar, como particulares, os proventos do seu trabalho pessoal, na forma do art. 1.659, inc. VI, do CC/02, deve-se entender que, uma vez recebida a contraprestação do labor de cada um, ela se comunica. - Amplia-se, dessa forma, o conceito de participação na economia familiar, para que não sejam cometidas distorções que favoreçam, em frontal desproporção, aquele cônjuge que mantém em aplicação financeira sua remuneração, em detrimento daquele que se vê obrigado a satisfazer as necessidades inerentes ao casamento, tais como aquelas decorrentes da manutenção da habitação comum, da educação dos filhos ou da conservação dos bens. - Desse modo, se um dos consortes suporta carga maior de contas, enquanto o outro apenas trata de acumular suas reservas pessoais, advindas da remuneração a que faz jus pelo seu trabalho, deve haver um equilíbrio para que, no momento da dissolução da sociedade conjugal, não sejam consagradas e referendadas pelo Poder Judiciário as distorções surgidas e perpetradas ao longo da união conjugal. - A tônica sob a qual se erige o regime matrimonial da comunhão parcial de bens, de que entram no patrimônio do casal os acréscimos advindos da vida em comum, por constituírem frutos da estreita colaboração que se estabelece entre marido e mulher, encontra sua essência definida no art. 1.660, incs. IV e V, do CC/02. - A interpretação harmônica dos arts. 1.659, inc. VI, e 1.660, inc. V, do CC/02, permite concluir que, os valores obtidos por qualquer um dos cônjuges, a título de retribuição pelo trabalho que desenvolvem, integram o patrimônio do casal tão logo percebidos. Isto é, tratando-se de percepção de salário, este ingressa mensalmente no patrimônio comum, prestigiando-se, dessa forma, o esforço comum. - "É difícil precisar o momento exato em que os valores deixam de ser proventos do trabalho e passam a ser bens comuns, volatizados para atender às necessidades do lar conjugal." - Por tudo isso, o entendimento que melhor se coaduna com a essência do regime da comunhão parcial de bens, no que se refere aos direitos trabalhistas perseguidos por um dos cônjuges em ação judicial, é aquele que estabelece sua comunicabilidade, desde o momento em que pleiteados. Assim o é porque o "fato gerador" de tais créditos ocorre no momento em que se dá o desrespeito, pelo empregador, aos direitos do empregado, fazendo surgir uma pretensão resistida. - Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem sido pagos à época em que nascidos os respectivos direitos, não haveria dúvida acerca da sua comunicação entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual apenas por uma questão temporal imposta pelos trâmites legais a que está sujeito um processo perante o Poder Judiciário. - Para que o ganho salarial insira-se no monte-partível é necessário, portanto, que o cônjuge tenha exercido determinada atividade laborativa e adquirido direito de retribuição pelo trabalho desenvolvido, na constância do casamento. Se um dos cônjuges efetivamente a exerceu e, pleiteando os direitos dela decorrentes, não lhe foram reconhecidas as vantagens daí advindas, tendo que buscar a via judicial, a sentença que as reconhece é declaratória, fazendo retroagir, seus efeitos, à época em que proposta a ação. O direito, por conseguinte, já lhe pertencia, ou seja, já havia ingressado na esfera de seu patrimônio, e, portanto, integrado os bens comuns do casal. - Consequentemente, ao cônjuge que durante a constância do casamento arcou com o ônus da defasagem salarial de seu consorte, o que presumivelmente demandou-lhe maior colaboração no sustento da família, não se pode negar o direito à partilha das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento, ainda que percebidas após a ruptura da vida conjugal. [...] Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1024169/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 28/04/2010)"
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Recurso Especial n. 1.283.796 - RJ.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão.
Data da decisão: 14.02.2012.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.283.796 - RJ (2011⁄0210907-2)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : RICARDO JOSÉ AREAS HENRIQUES
ADVOGADO : CARMEN VILLARONGA FONTENELLE E OUTRO(S)
RECORRIDO : CRISTIANA MACEDO ARAGÃO DUTRA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL E OUTRO(S)
MARCELO FADEL E OUTRO(S)

EMENTA: PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. LEVANTAMENTO DE MEAÇÃO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA PENDENTE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. PATRIMÔNIO DE GRANDE VULTO A RESPALDAR EVENTUAL DIFERENÇA PORVENTURA APURADA EM PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA. ANTECIPAÇÃO DE PARTILHA DEFERIDA AO EX-CÔNJUGE. COMPORTAMENTO PROCESSUAL CONTRADITÓRIO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. SÚMULA 7 DO STJ. NÃO OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. 1. Inexiste violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte se os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. Em regra, os requisitos autorizadores da concessão de tutela antecipada, previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil, devem ser aferidos pelo juiz natural, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça o reexame dos aludidos pressupostos, em face do óbice contido na súmula 7⁄STJ. 3. A impossibilidade de reversão da decisão (em fase de execução), que reconheceu o direito do ex-cônjuge varão à percepção de indenização em processo de dissolução de sociedade comercial, cumulada com apuração de haveres, somada ao direito incontroverso da ex-mulher à meação desses valores, legitima seu levantamento pela recorrida, máxime tendo em vista que o patrimônio do casal é suficientemente expressivo para cobrir qualquer diferença porventura apurada em favor de um ou de outro, nos autos do inventário e partilha, consoante consignado pelo tribunal de origem (fl. 191). Infirmar tal decisão é vedado pelo óbice erigido pela Súmula 7 do STJ. 4. Ademais, sendo o escopo precípuo da caução prevenir provável risco de grave dano de difícil ou incerta reparação a que exposto o executado com o prosseguimento da execução, ressoa inequívoca a prescindibilidade desta garantia no caso em julgamento, ante o expressivo vulto do patrimônio partilhável. 5. Ademais, a antecipação de partilha outorgada ao recorrente, sob os mesmos motivos e condições outrora defendidos, e que ora impugna, descerra comportamento processual contraditório, caracterizado como venire contra factum proprium. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. Cassada a liminar concedida na medida cautelar 17.090⁄RJ.

ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial e cassou liminar concedida na MC 17090⁄RJ, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). PAULO DE MORAES PENALVA SANTOS, pela parte RECORRENTE: RICARDO JOSÉ AREAS HENRIQUES

Dr(a). MARCELO FADEL, pela parte RECORRIDA: CRISTIANA MACEDO ARAGÃO DUTRA

Brasília (DF), 14 de fevereiro de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente e Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.283.796 - RJ (2011⁄0210907-2)
RECORRENTE : RICARDO JOSÉ AREAS HENRIQUES
ADVOGADO : CARMEN VILLARONGA FONTENELLE E OUTRO(S)
RECORRIDO : CRISTIANA MACEDO ARAGÃO DUTRA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL E OUTRO(S)
MARCELO FADEL E OUTRO(S)

RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Cristiana Macedo Aragão Dutra, nos autos do inventário e partilha decorrente de dissolução de sociedade conjugal em face do ex-cônjuge, Ricardo José Areas Henriques, requereu a liberação de 50% do valor da indenização obtida pelo varão em processo de dissolução de sociedade comercial, cumulada com apuração de haveres, no qual este sagrou-se vencedor. Alegou que a metade do ex-marido fora liberada, em sede de agravo de instrumento, cuja decisão fundamentou-se no grande vulto do patrimônio do ex-casal. Por isso requereu o mesmo direito à antecipação de partilha.

Sobreveio decisão de indeferimento do pedido, em virtude da impossibilidade de aferição do real valor do patrimônio partilhável, especialmente por conta da disparidade dos valores defendidos pelas partes, razão pela qual a liberação de qualquer montante só pode ser realizada após o julgamento de mérito do processo de inventário e partilha (fls. 21-26).

Foi interposto agravo de instrumento (fls. 6-15), provido nos termos da seguinte ementa (fls. 186-191):

AGRAVO. INVENTÁRIO E PARTILHA. PEDIDO DE LEVANTAMENTO DE QUANTIA BLOQUEADA REFERENTE À METADE DO VALOR OBTIDO PELO EX-CÔNJUGE VARÃO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO COM A RECORRENTE EM AÇÃO JUDICIAL. LIBERAÇÃO DE METADE DO VALOR EM QUESTÃO AO AGRAVADO EM RECURSO IDENTIFICADO MANEJADO EM 2008. TRATAMENTO IDÊNTICO QUE SE DÁ À AGRAVANTE PARA LEVANTAMENTO DE SUA MEAÇÃO. MEAÇÃO.
Possibilidade e autorizar à ex-mulher o levantamento da metade a que te direito, levando-se em consideração que o ex-cônjuge varão está na posse da quantia liberada por este Colegiado desde 04⁄12⁄2008, passados mais de um ano e meio sem que a agravante tenha recebido a meação a que tem direito sobre o apontado crédito.
Necessidade da ex-esposa de usar e gozar da parte que lhe compete, não se vislumbrando prejuízo à parte agravada no momento em que há notícia do expressivo patrimônio que o ex-casal amealhou no período em que estavam casados.
Recurso provido.

Opostos embargos de declaração (fls. 203-210 e 420-427), foram rejeitados (fls. 406-410 e 481-484).

Ricardo José Areas Henriques interpôs o presente recurso especial, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, alegando violação aos arts. 535, 475-O, III, e 273 do CPC (fls. 491-515).

Sustentou, em suma, que o processo em que o recorrente obteve o direito à indenização ainda não transitou em julgado, bem como não foi exigida a prestação de caução, razão pela qual a imediata ordem de levantamento do montante de cerca de 8.000.000,00 (oito milhões de reais), antes da finalização do inventário - no qual será apurado o valor da meação cabível à recorrida -, caracteriza ofensa ao art. 475-O, III, do CPC.

Ademais, tal levantamento - ante a ausência de decisão quanto à meação, uma vez que o processo de inventário encontra-se em fase de perícia -, consubstancia verdadeira antecipação de tutela, sem o preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC.

Foram oferecidas contrarrazões ao recurso (fls. 535-547) aduzindo o esvaziamento do patrimônio pelo recorrente, mediante remessa de numerário para o exterior ao tempo da dissolução da sociedade conjugal, bem como o princípio da isonomia - uma vez que o recorrente já levantou a sua meação sob os mesmos fundamentos que ora impugna. Outrossim, defendeu a incidência da Súmula 7 do STJ.

O recurso foi inadmitido na instância de origem (fls. 558-562), tendo subido a este Tribunal por força do provimento do agravo de instrumento (fl. 598).

Foi por mim deferida liminar em medida cautelar (MC 17.090) proposta pelo ora recorrente, para condicionar o levantamento dos valores pleiteados à prestação de garantia real ou fidejussória.

Sobreveio também petição às fls. 603-662, informando que o Juízo do inventário proferiu decisão, em 27⁄10⁄2011, que, especificamente em relação ao objeto dos valores em litígio, determinou a partilha na proporção de 50% para cada parte.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.283.796 - RJ (2011⁄0210907-2)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : RICARDO JOSÉ AREAS HENRIQUES
ADVOGADO : CARMEN VILLARONGA FONTENELLE E OUTRO(S)
RECORRIDO : CRISTIANA MACEDO ARAGÃO DUTRA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL E OUTRO(S)
MARCELO FADEL E OUTRO(S)

EMENTA: PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. LEVANTAMENTO DE MEAÇÃO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA PENDENTE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. PATRIMÔNIO DE GRANDE VULTO A RESPALDAR EVENTUAL DIFERENÇA PORVENTURA APURADA EM PROCESSO DE INVENTÁRIO E PARTILHA. ANTECIPAÇÃO DE PARTILHA DEFERIDA AO EX-CÔNJUGE. COMPORTAMENTO PROCESSUAL CONTRADITÓRIO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. SÚMULA 7 DO STJ. NÃO OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. 1. Inexiste violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte se os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. Em regra, os requisitos autorizadores da concessão de tutela antecipada, previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil, devem ser aferidos pelo juiz natural, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça o reexame dos aludidos pressupostos, em face do óbice contido na súmula 7⁄STJ. 3. A impossibilidade de reversão da decisão (em fase de execução), que reconheceu o direito do ex-cônjuge varão à percepção de indenização em processo de dissolução de sociedade comercial, cumulada com apuração de haveres, somada ao direito incontroverso da ex-mulher à meação desses valores, legitima seu levantamento pela recorrida, máxime tendo em vista que o patrimônio do casal é suficientemente expressivo para cobrir qualquer diferença porventura apurada em favor de um ou de outro, nos autos do inventário e partilha, consoante consignado pelo tribunal de origem (fl. 191). Infirmar tal decisão é vedado pelo óbice erigido pela Súmula 7 do STJ. 4. Ademais, sendo o escopo precípuo da caução prevenir provável risco de grave dano de difícil ou incerta reparação a que exposto o executado com o prosseguimento da execução, ressoa inequívoca a prescindibilidade desta garantia no caso em julgamento, ante o expressivo vulto do patrimônio partilhável. 5. Ademais, a antecipação de partilha outorgada ao recorrente, sob os mesmos motivos e condições outrora defendidos, e que ora impugna, descerra comportamento processual contraditório, caracterizado como venire contra factum proprium. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. Cassada a liminar concedida na medida cautelar 17.090⁄RJ.

VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Preliminarmente, não se constata ofensa ao art. 535 do CPC, porquanto o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, apenas tendo albergado entendimento divergente da tese defendida pela recorrente.

Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, contanto que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

3. Quanto à alegada violação ao art. 475-O, III, do CPC, verifica-se a ausência de prequestionamento a ensejar o não conhecimento do recurso, sendo certo que a ausência de pronunciamento do Tribunal quanto ao dispositivo em questão deve-se à sua impertinência ao caso em tela, haja vista tratar-se a questão controvertida de antecipação de tutela em sede de processo de inventário e partilha decorrente de dissolução de sociedade conjugal, em que se pretende a obtenção da antecipação da partilha relativa à parcela do patrimônio comum objeto de indenização recebida pelo varão.

4. Quanto à suposta ofensa ao art. 273 do CPC, conheço do recurso ante o prequestionamento implícito do referido artigo, o que se passa a analisar.

4.1. No caso em julgamento, o casamento entre as partes perdurou de 1992 a 2000, quando houve a separação de corpos, tendo o divórcio ocorrido no ano de 2004, sendo certo que o recorrente integrava o quadro societário da sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda. durante a constância da relação conjugal, regida pelo regime da comunhão parcial de bens.

Entre os bens objeto do inventário, de maneira incontroversa encontra-se a indenização oriunda do processo de dissolução parcial da referida sociedade, além de apuração de haveres, em que o recorrente sagrou-se vencedor, e cujo valor, tão logo satisfeito pelo credor, foi bloqueado a pedido da recorrida, com vistas a assegurar o seu direito à meação.

Neste processo de apuração de haveres da sociedade comercial, verifica-se que, em 13⁄10⁄2009, ocorreu o trânsito em julgado no sentido de que o pagamento dos haveres do sócio retirante da sociedade é exigível de imediato quando definido o respectivo valor na via judicial, sem nenhuma alteração no montante indenizatório.

O recorrente requereu ao juízo o levantamento de 50% do valor da indenização (cerca de oito milhões), o que, indeferido de início, foi-lhe concedido por decisão prolatada em agravo de instrumento, ao fundamento de que "[...] o expressivo patrimônio que o ex-casal possui no Brasil e os valores em dólares que a parte agravada alega terem sido remetidos pelo ex-cônjuge varão para o exterior, que se encontra qualificado no Banco Central do Brasil às fls. 39 e 40 destes autos", consoante destacado no acórdão recorrido (fl. 191).

O voto condutor do acórdão estadual ora impugnado informou que a recorrida solicitou ao juízo o levantamento da outra metade do crédito, com base nos mesmos motivos utilizados por aquele colegiado para deferir o anterior pedido do recorrente (fl. 188), o qual contra tal pedido ora se insurge ao argumento de violação dos arts. 475-O, III, e 273, do CPC.

4.2. Com efeito, é fato incontroverso nos autos que o montante indenizatório integra o acervo patrimonial objeto do atual processo de inventário e partilha decorrente de dissolução do vínculo conjugal regido pela comunhão parcial de bens, consoante decisão do Juízo do processo de inventário.

Forçoso concluir, portanto, pelo direito da recorrida à meação, porquanto consectário lógico da presunção de propriedade comum, nos termos do art. 1.658 do CC:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

Acerca do direito à meação oriundo do rompimento da sociedade conjugal em comunhão parcial de bens, os seguintes precedentes:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS DO CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS COM VALORES ORIUNDOS DO FGTS. COMUNICABILIDADE. ART. 271 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS ARTS. 269, IV, E 263, XIII, DO CC DE 1916. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS. POSSIBILIDADE DE PARTILHA.
1. Os valores oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço configuram frutos civis do trabalho, integrando, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão parcial sob a égide do Código Civil de 1916, patrimônio comum e, consequentemente, devendo serem considerados na partilha quando do divórcio. Inteligência do art.
271 do CC⁄16.
2. Interpretação restritiva dos enunciados dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do Código Civil de 1916, entendendo-se que a incomunicabilidade abrange apenas o direito aos frutos civis do trabalho, não se estendendo aos valores recebidos por um dos cônjuges, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.
3. Precedentes específicos desta Corte.
4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 848.660⁄RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄05⁄2011, DJe 13⁄05⁄2011)

Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos de declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, afastada. Partilha de bens. Crédito resultante de execução. Ausência de interesse recursal. Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos materiais e morais proposta por um dos cônjuges em face de terceiro. Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas. Comunicabilidade. Fixação dos alimentos. Razoabilidade na fixação. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia e da possibilidade de quem os presta.
[...]
- O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere com o seu trabalho. Não é diferente quando ele contrai matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo, proporcionalmente, para a manutenção da entidade familiar.
- Se é do labor de cada cônjuge, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, que invariavelmente advêm os recursos necessários à aquisição e conservação do patrimônio comum, ainda que em determinados momentos, na constância do casamento, apenas um dos consortes desenvolva atividade remunerada, a colaboração e o esforço comum são presumidos, servindo, o regime matrimonial de bens, de lastro para a manutenção da família.
- Em consideração à disparidade de proventos entre marido e mulher, comum a muitas famílias, ou, ainda, frente à opção do casal no sentido de que um deles permaneça em casa cuidando dos filhos, muito embora seja facultado a cada cônjuge guardar, como particulares, os proventos do seu trabalho pessoal, na forma do art. 1.659, inc. VI, do CC⁄02, deve-se entender que, uma vez recebida a contraprestação do labor de cada um, ela se comunica.
- Amplia-se, dessa forma, o conceito de participação na economia familiar, para que não sejam cometidas distorções que favoreçam, em frontal desproporção, aquele cônjuge que mantém em aplicação financeira sua remuneração, em detrimento daquele que se vê obrigado a satisfazer as necessidades inerentes ao casamento, tais como aquelas decorrentes da manutenção da habitação comum, da educação dos filhos ou da conservação dos bens.
- Desse modo, se um dos consortes suporta carga maior de contas, enquanto o outro apenas trata de acumular suas reservas pessoais, advindas da remuneração a que faz jus pelo seu trabalho, deve haver um equilíbrio para que, no momento da dissolução da sociedade conjugal, não sejam consagradas e referendadas pelo Poder Judiciário as distorções surgidas e perpetradas ao longo da união conjugal.
- A tônica sob a qual se erige o regime matrimonial da comunhão parcial de bens, de que entram no patrimônio do casal os acréscimos advindos da vida em comum, por constituírem frutos da estreita colaboração que se estabelece entre marido e mulher, encontra sua essência definida no art. 1.660, incs. IV e V, do CC⁄02.
- A interpretação harmônica dos arts. 1.659, inc. VI, e 1.660, inc. V, do CC⁄02, permite concluir que, os valores obtidos por qualquer um dos cônjuges, a título de retribuição pelo trabalho que desenvolvem, integram o patrimônio do casal tão logo percebidos. Isto é, tratando-se de percepção de salário, este ingressa mensalmente no patrimônio comum, prestigiando-se, dessa forma, o esforço comum.
- "É difícil precisar o momento exato em que os valores deixam de ser proventos do trabalho e passam a ser bens comuns, volatizados para atender às necessidades do lar conjugal."
- Por tudo isso, o entendimento que melhor se coaduna com a essência do regime da comunhão parcial de bens, no que se refere aos direitos trabalhistas perseguidos por um dos cônjuges em ação judicial, é aquele que estabelece sua comunicabilidade, desde o momento em que pleiteados. Assim o é porque o "fato gerador" de tais créditos ocorre no momento em que se dá o desrespeito, pelo empregador, aos direitos do empregado, fazendo surgir uma pretensão resistida.
- Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem sido pagos à época em que nascidos os respectivos direitos, não haveria dúvida acerca da sua comunicação entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual apenas por uma questão temporal imposta pelos trâmites legais a que está sujeito um processo perante o Poder Judiciário.
- Para que o ganho salarial insira-se no monte-partível é necessário, portanto, que o cônjuge tenha exercido determinada atividade laborativa e adquirido direito de retribuição pelo trabalho desenvolvido, na constância do casamento. Se um dos cônjuges efetivamente a exerceu e, pleiteando os direitos dela decorrentes, não lhe foram reconhecidas as vantagens daí advindas, tendo que buscar a via judicial, a sentença que as reconhece é declaratória, fazendo retroagir, seus efeitos, à época em que proposta a ação. O direito, por conseguinte, já lhe pertencia, ou seja, já havia ingressado na esfera de seu patrimônio, e, portanto, integrado os bens comuns do casal.
- Consequentemente, ao cônjuge que durante a constância do casamento arcou com o ônus da defasagem salarial de seu consorte, o que presumivelmente demandou-lhe maior colaboração no sustento da família, não se pode negar o direito à partilha das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento, ainda que percebidas após a ruptura da vida conjugal.
[...]
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1024169⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄04⁄2010, DJe 28⁄04⁄2010)

4.3. Por outro lado, não se vislumbra nenhuma possibilidade de reversão da decisão que condenou a sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda. ao pagamento da indenização ao recorrente, porquanto já em fase de execução (fl. 408).

Nessa linha de intelecção, motivo não há a respaldar a negativa do levantamento do crédito a que a recorrida faz jus, haja vista tratar-se de parcela líquida do patrimônio a que tem direito, máxime tendo em vista que o acervo patrimonial do casal é suficientemente expressivo para cobrir qualquer diferença porventura apurada em favor de um ou de outro, nos autos do inventário e partilha, o que foi consignado pelo Tribunal de origem (fl. 191):

Consignado, por derradeiro ficou que "(...) o expressivo patrimônio que o ex-casal possui no Brasil e os valores em dólares que a parte agravada alega terem sido remetidos pelo ex-cônjuge varão para o exterior, que se encontra quantificado pelo Banco Central do Brasil às fls. 39 e 40 destes autos".
Assim, considerando que o proesso de inventário do ex-casal não foi sequer concluído até a presente data, entendo ser possível e justo autorizar à ora agravante o levantamento da metade a que tem direito, levando-se em conta que o ex-cônjuge varão está na posse a quantia liberada por este Colegiado desde 04⁄12⁄2008, passados mais de um ano e meio sem que a agravante tenha percebido a meação a que tem direito sobre o apontado crédito, levando-se igualmente em, consideração a necessidade da mesma de usar e gozar da parte que lhe compete, entende-se que nenhum prejuízo irá causar à parte agravada no momento em que há notícia do expressivo patrimônio que o ex-casal amealhou no período em que estavam casados.

O acórdão dos embargos de declaração reforçou esse fundamento (fl. 409):

[...] o inventário ainda está na dependência da conclusão demorada da prova pericial que visa quantificar o valor integral do patrimônio do ex-casal, que inclui, além da referida indenização que já está liquidada, outros bens ainda em fase de avaliação pela prova técnica.
A perícia ainda em curso, de cuja conclusão dependerá o encerramento do inventário, em nada modificará o direito da embargada à metade do patrimônio já liquidado relativo à sua parcela na indenização.
O acórdão embargado também fundamentou, com base no julgamento do anterior agravo de instrumento no qual se reconheceu semelhante direito ao embargante que:
"Consignado por derradeiro ficou que "(...) o expressivo patrimônio que o ex-casal possui no Brasil e os valores em dólares que a parte agravada alega terem sido remetidos pelo ex-cônjuge varão para o exterior, que se encontra quantificado pelo Banco Central do Brasil às fls. 39 e 40 destes autos".

Dessarte, infirmar a decisão recorrida, que antecipou os efeitos da tutela, implicaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso a este Tribunal na estreita via do recurso especial ante o óbice contido na Súmula 7 do STJ.

Ademais, é de sabença que os requisitos autorizadores da concessão de tutela antecipada previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil devem ser aferidos pelo juiz natural, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça o reexame dos aludidos pressupostos.

À guisa de exemplo, confiram-se as ementas dos seguintes julgados:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADMISSÃO PARCIAL DE RECURSO ESPECIAL PELO TRIBUNAL A QUO. ANÁLISE INTEGRAL PELO STJ. POSSIBILIDADE. SÚMULA 528⁄STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. NECESSIDADE. FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO. SÚMULA 283⁄STF. TUTELA ANTECIPADA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 07⁄STJ. ARRENDAMENTO RURAL. DESPEJO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE, DESDE QUE NÃO SE PRETENDA ANTECIPAR OS EFEITOS DA TUTELA INAUDITA ALTERA PARS.
[...]
- Aferir se estão presentes ou não os requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação, exigidos pelo art. 273 do CPC, esbarra no óbice da Súmula 7⁄STJ, eis que tais pressupostos estão essencialmente ligados ao conjunto fático-probatório. Precedentes.
- Nas ações de despejo fundadas em contrato de arrendamento rural, o ato de citação produz todos os efeitos jurídicos decorrentes da cientificação da contraparte, sobre a manifestação da vontade expressa na petição inicial, oportunizando, inclusive, a purgação da mora, de modo que a prévia notificação do arrendatário se torna absolutamente dispensável.
- Todavia, havendo pedido de antecipação da tutela, inaudita altera pars, para determinar o despejo do arrendatário, haverá a necessidade da prévia notificação, a fim de oportunizar a purgação da mora.
Recurso especial não conhecido.(REsp 979.530⁄MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 11.04.2008 p. 1)

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ART. 273 DO CPC. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
A falta de prequestionamento obsta o conhecimento da questão federal suscitada. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF.
A análise, em recurso especial, do preenchimento dos pressupostos exigidos pelo artigo 273 do CPC para a concessão de tutela antecipada encontra óbice no teor da Súmula 7 do STJ, porquanto demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos.
Recurso especial não conhecido. (REsp 833.013⁄RS, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 16.04.2008 p. 1)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356⁄STF. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. LIMITES DO RECURSO ESPECIAL. VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7⁄STJ. PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.
[...]
5. A análise da alegada inexistência da presença dos requisitos necessários para a concessão de tutela antecipada - os quais foram reconhecidos pelas instâncias ordinárias -, com a conseqüente reversão do entendimento exposto pelo Tribunal de origem, exigiria, necessariamente, o reexame da matéria fático-probatória dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7⁄STJ. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte Superior: AgRg na MC 12.068⁄RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 28.5.2007, p. 319; AgRg no Ag 786.650⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 28.5.2007, p. 351; REsp 624.035⁄SC, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 25.4.2007, p. 303; REsp 840.607⁄DF, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25.8.2006, p. 337; REsp 397.840⁄SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 13.3.2006, p. 186.
[...]
7. Desprovimento do agravo regimental. (AgRg no REsp 704.993⁄MS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 23.04.2008 p. 1)


4.3. Por oportuno, cabe salientar que, em sede de cognição sumária, foi por mim deferida liminar na MC 17.090, proposta pelo ora recorrente, condicionando o levantamento dos valores pleiteados à prestação de garantia real ou fidejussória.

Não obstante, examinando o mérito recursal, verifiquei que os valores da indenização objeto do bloqueio nos autos do processo de inventário e partilha, quer em sede de antecipação de tutela quer de execução provisória, devem ser liberados à recorrida, uma vez que o patrimônio partilhável é vultoso, consoante se dessume não apenas dos votos proferidos pelo tribunal a quo e que foram acima transcritos, mas também em virtude da prolatação de sentença no referido processo - fato novo trazido supervenientemente aos autos - que assegurou o direito da ex-cônjuge aos 50% da aludida indenização.

Trasladam-se excertos dessa decisão, de molde a demonstrar a expressividade do acervo patrimonial e a absoluta desnecessidade de prestação de caução no presente feito (fls. 653-661):

117- O varão admite como bens comuns os seguintes:
a) Sociedade Empresária Exceler Participações Ltda. (fls. 282, 1º parágrafo);
b) 25,04% dos apartamentos (fls. 80, item 2):
I - 1701, bloco 2, da Estrada da Gávea, nº 681, São Conrado;
II - 1701, bloco 2, da Rua Moraes e Silva, 51, Tijuca;
III - 1801, bloco 2, da Rua Moraes e Silva, 51, Tijuca.
c) 23,59% de valores em dólares correspondentes, à época, a R$ 2.500.000,00 (fls. 80, item 2).
Por se tratar de matéria incontroversa, integram o patrimônio comum dos contendores a empresa descrita na alínea "a" deste item e os percentuais dos bens descritos nas alíneas "b" e "c" do presente item, impondo-se a partilha dos mesmos, na proporção de 50% para cada um dos litigantes.

118- Quanto às frações remanescentes de 74,96% dos bens descritos na alínea "b" do item 117, e de 76,41% do bem descrito na alínea "c" do mesmo item e aos demais bens cuja partilha a inventariante pretende, impõe-se o exame da prova produzida em confronto com a data e forma de aquisição de cada um de tais bens, como a seguir:

1) 420.000 cotas da Sociedade RCH e respectivos haveres:
[...]
Assim, determino a partilha do bem aqui descrito (quotas e patrimônio) na proporção de 50% para cada um dos ex-cônjuges [...]

2) Fração remanescente de 74,96% do apartamento 1701 da Estrada da Gávea, nº 681, bloco 2, São Conrado:
[...]
Assim, considero que tal imóvel integra o acervo matrimonial comum dos litigantes, impondo-se a sua partilha na proporção de 50% para cada um dos ex- cônjuges.

3) Fração remanescente de 74,96 relativa aos apartamentos 1701 e 1801, bloco 2, da Rua Moraes e Silva, nº 51, Tijuca:
[...] tais bens integram o acervo matrimonial comum, mostrando-se imperiosa sua partilha na proporção de 50% para cada um dos ex-cônjuges;

4) Parcela remanescente de 76,41% dos valores em dólares correspondentes, à época, a R$ 2.500.000,00:
[...] considero, assim, que tais valores integram o acervo matrimonial comum dos contendores e determino a sua partilha na proporção de 50% para cada parte, após as devidas atualizações.
[...]

8) Sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda.:
[...] Assim, determino a partilha do valor das cotas que o varão possuía à época da separação de fato do casal, na sociedade Flora Medicinal J. Monteiro da Silva Ltda., na proporção de 50% para um dos contendores;

9) Valor de R$ 2.131.069,29 existente na conta do varão em agosto de 2000:
[...] Assim, considero tal valor integrante do acervo matrimonial comum, determinando sua partilha, na proporção de 50% para cada um dos contendores, após as devidas atualizações;

10) Valor de R$ 16.419.618,47, decorrente da ação de dissolução da sociedade nº 2000.001.121877-0, da 14ª Vara Cível:
[...] Considero, assim, que o valor mencionado integra o acervo matrimonial comum, impondo-se sua partilha, na proporção de 50% para cada parte, após as devidas atualizações;

11) Verba trabalhista no valor de R$ 1.016.825,56:
[...] Assim, determino que tal valor seja partilhado na proporção de 50% para cada parte, após as devidas atualizações;

119 - Enfatizando o teor dos itens 117 e 118 desta e por entender que os bens relacionados na alínea "a" do mencionado item 117, nos números 01, 08,09, 10 e 11 do aludido item 118 e que a totalidade dos apartamentos 1701, Estrada da Gávea, nº 681 e 1701 e 1801 da Rua Moraes e Silva, nº 51 e a integralidade dos valores em dólares correspondentes,, à época, a R$ 2.500.000,00 integram o acervo matrimonial comum, determino, ratificando o constante dos referidos itens, a partilha dos citados bens, na proporção de 50% para cada um dos contendores.
[...]
120- Eventuais bens não encontrados ou pendentes de decisão, como os automóveis Pajero Mitsubishi GLS e Mercedes Benz e as salas descritas a fls. 1025, item VII, dos presentes autos (três salas na Av. das Américas, 700, bloco 1, nº 131), deverão ficar para sobrepartilha, a fim de evitar seja o feito eternizado.

Nesse compasso, sendo o escopo precípuo da caução prevenir provável risco de grave dano de difícil ou incerta reparação a que exposto o executado com o prosseguimento da execução, ressoa inequívoca a prescindibilidade dessa garantia no caso em julgamento.

5. A título de reforço nessa linha de argumentação, oportuno destacar que foi concedida ao ex-cônjuge varão a antecipação da partilha relativa à indenização, sob fundamentos e condições idênticos à atual pretensão da recorrida, consoante consignado pelo tribunal a quo em sede de embargos declaratórios (fls. 408-409):

No aresto ora atacado ficou exaustivamente consignada a cronologia dos fatos que demonstram o inequívoco direito da embargada à metade do valor, líquido e em dinheiro, que se encontrava depositado no Juízo da 14ª Vara Cível, em razão da indenização referente aos haveres decorrentes da participação societária do embargante em sociedade comercial na qual ingressou na constância da sociedade conjugal, indenização essa que o próprio embargante, quando postulou no anterior agravo de instrumento o levantamento da metade que lhe cabia, reconheceu ser a outra metade direito da embargada.
Como se trata de valor já liquidado, depositado em dinheiro em sede de execução de sentença, o acórdão embargado entendeu, por simetria e à luz do que decidido no anterior agravo de instrumento, de nº 2008.002.24955, interposto pelo ora embargante, desnecessária a conclusão do inventário para a sua liberação, sendo justa a pretensão da parte embargada, separada há cerca de dez anos do embargante, de dispor da parcela líquida do patrimônio a que tem direito, considerando-se que o inventário está ainda na dependência da conclusão demorada da prova pericial que visa quantificar o valor integral do patrimônio do ex-casal, que inclui, além da referida indenização que já está liquidada, outros bens ainda em fase de avaliação pela prova técnica.

Com efeito, evidencia-se contradição no comportamento do recorrente, podendo-se caracterizar como venire contra factum proprium.

Inicialmente, ao pleitear a liberação da sua metade na indenização, sustentou ser desnecessário o término do processo de inventário ante o vulto do patrimônio partilhável, reconhecendo, por via reflexa, caber à ex-cônjuge o direito à meação. Posteriormente, quando a recorrida postula esse mesmo direito, passa a impugnar ferrenhamente os fatos e argumentos outrora defendidos.

Confira-se o magistério de Cristiano Chaves de Farias:

A vedação de comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois a proibição da inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato que ele próprio deu causa.
Com esse espírito, ALDEMIRO RZENDE DANTAS JUNIOR conceitua o venire contra factum proprium como "uma sequência de dois comportamentos que se mostram contraditórios entre si e que são independentes um do outro, cada um deles podendo ser omissivo ou comissivo e sendo capaz de repercutir na esfera jurídica alheia, de modo tal que o primeiro se mostra suficiente para fazer surgir em pessoa mediana a confiança de que uma determinada situação jurídica será concluída ou mantida."
Dessa noção conceitual, é possível retirar os elementos essenciais para a proibição de comportamento contraditório: i) uma conduta inicial; ii) a legítima confiança despertada por conta dessa conduta inicial; iii) um comportamento contraditório em relação à conduta inicial; iv) um prejuízo, concreto ou potencial, decorrente da contradição.
De acordo com JUDITH MARTINS COSTA, o venire se insere na "teoria dos atos impróprios", segundo a qual se entende que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua anterior conduta interpretada objetivamente. (Direito Civil, teoria geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 609).

Nessa esteira, os julgados a seguir:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. PARCELAMENTO DAS DÍVIDAS DO FALIDO PELO REFIS. AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO COMPETENTE. TENTATIVA DE DESFAZIMENTO JUDICIAL. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". RECEBIMENTO DO CRÉDITO DE FORMA PARCELADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.
1.- No caso dos autos, a União não se legitima a interpor recurso contra a sentença que, tendo em vista a extinção das obrigações do falido pela adesão ao REFIS, extinguiu a falência.
2.- Repugna ao ordenamento jurídico pátrio a adoção de comportamento processual contraditório. Assim, se a própria UNIÃO FEDERAL, por meio do órgão administrativo competente, aprovou a inclusão das dívidas fiscais da empresa falida no REFIS, não pode ela, em seguida, vir a Juízo buscar a desconstituição dessa situação jurídica, contrariando o seu comportamento anterior e prejudicando situação consolidada no tempo.
3.- Tal conclusão ainda mais se afirma, porque, no caso concreto, as parcelas contempladas no REFIS têm sido pagas regularmente, a evidenciar a ausência de interesse da recorrente em perseguir o prosseguimento do processo de falência, com alienação judicial do patrimônio do falido e pagamento dos credores segundo a ordem legal de preferência.
4.- Recurso Especial a que se nega provimento.
(REsp 1033963⁄MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04⁄10⁄2011, DJe 21⁄10⁄2011)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DUPLICATA ACEITA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE AFASTADA. NÃO PROVIMENTO.
1. Não há violação à norma de regência dos embargos de declaração, porquanto o juízo não está compelido a se manifestar sobre todas as teses dispensadas pelas partes, senão sobre aquelas essenciais à solução da lide.
2. A duplicata aceita vincula o aceitante. No caso dos autos, a recorrente aceitou duplicatas que agora alega representarem mais de uma fatura cada, em suposta afronta ao artigo 2º, § 2º, da Lei 5.474⁄68, atentando contra o princípio segundo o qual não é dado a ninguém comportar-se de forma contraditória.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1019067⁄RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23⁄08⁄2011, DJe 31⁄08⁄2011)

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL. ANULAÇÃO PEDIDA POR PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA.
1. A paternidade biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a filiação, apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame genético para definir questões relativa à filiação.
2. Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, da concorrência de elementos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe.
3. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família.
4. Nas relações familiares, o princípio da boa-fé objetiva deve ser observado e visto sob suas funções integrativas e limitadoras, traduzidas pela figura do venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório), que exige coerência comportamental daqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução de conflitos no âmbito do Direito de Família.
5. Na hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção da necessária paternidade socioafetiva, toma-lhes o direito de se insurgirem contra os fatos consolidados.
6. A omissão do recorrido, que contribuiu decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe, atrai o entendimento de que a ninguém é dado alegrar a própria torpeza em seu proveito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a sua legitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de nascimento de sua filha biológica.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1087163⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18⁄08⁄2011, DJe 31⁄08⁄2011)

6. Ademais, convém assinalar o fato novo trazido aos autos, em petição datada de 7⁄11⁄2011 (fls. 603-662), que noticia a decisão do Juízo do inventário, no sentido de reconhecer o direito de cada uma das partes a 50% do montante da indenização em tela (fl. 659), tendo sido rejeitados os embargos de declaração do ora recorrente, com imposição da multa prevista no art. 538, parágrafo único do CPC, consoante verificado em consulta ao sítio do tribunal a quo.

7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial e, por conseguinte, determino a cassação dos efeitos da liminar concedida na MC 17.090⁄RJ, que determinou a prestação de caução como condição ao levantamento do valor litigioso.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2011⁄0210907-2
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.283.796 ⁄ RJ

Números Origem: 201113705006 202093920108190000 292076620058190001

PAUTA: 14⁄02⁄2012 JULGADO: 14⁄02⁄2012

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : RICARDO JOSÉ AREAS HENRIQUES
ADVOGADO : CARMEN VILLARONGA FONTENELLE E OUTRO(S)
RECORRIDO : CRISTIANA MACEDO ARAGÃO DUTRA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL E OUTRO(S)
MARCELO FADEL E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). PAULO DE MORAES PENALVA SANTOS, pela parte RECORRENTE: RICARDO JOSÉ AREAS HENRIQUES
Dr(a). MARCELO FADEL, pela parte RECORRIDA: CRISTIANA MACEDO ARAGÃO DUTRA

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial e cassou liminar concedida na MC 17090⁄RJ, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

STJ. Usucapião. Faixa de fronteira. Possibilidade. Ausência de registro acerca da propriedade do imóvel. Inexistência de presunção em favor do Estado de que a terra é pública



"O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior. 2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido".
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Recurso Especial n. 674.558 - RS.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão.
Data da decisão: 13.10.2009.

RECURSO ESPECIAL Nº 674.558 - RS (2004⁄0071710-7)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : NAIR NOGUEIRA DE VASCONCELOS - SUCESSÃO
ADVOGADO : PEDRO JERRE GRECA MESQUITA E OUTRO(S)

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. FAIXA DE FRONTEIRA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior. 2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido. 3. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP), Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 13 de outubro de 2009 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão
Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 674.558 - RS (2004⁄0071710-7)
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : NAIR NOGUEIRA DE VASCONCELOS - SUCESSÃO
ADVOGADO : PEDRO JERRE GRECA MESQUITA E OUTRO(S)

RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Nair Nogueira de Vasconcellos e Maria Luiza Silva de Vasconcellos ajuizaram ação de usucapião de gleba de terra situada no Município de Bagé - RS, distrito de Aceguá, cujas dimensões, bem como imóveis confrontantes, foram individualizados na inicial.

A União manifestou interesse no feito, ao argumento de que a área está posicionada à distância de 66 km, em linha seca, da fronteira entre Brasil e a República Oriental do Uruguai, faixa essa reservada como terra devoluta, nos termos do art. 1º da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, regulamentada pelo Decreto nº 1318, de 30 de janeiro de 1854, em seu art. 82. Requereu, assim, a extinção do feito por impossibilidade jurídica do pedido. (fls. 84⁄85)

Após regular instrução do feito, o Juízo da Vara Federal de Bagé⁄RS, não vislumbrando qualquer óbice à pretensão dos autores, bem como reconhecendo o preenchimento dos requisitos à aquisição da terra por usucapião, julgou procedente o pedido deduzido na inicial. (fls. 151⁄161)

Manejado recurso de apelação pela União, foi este improvido, mantendo-se a sentença nos termos da seguinte ementa:

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. POSIÇÃO GEOGRÁFICA DO BEM. REQUISITOS.
O fato de o imóvel estar localizado na faixa de fronteira não inviabiliza que possa sofrer os efeitos da prescrição aquisitiva.
As terras devolutas, integrantes do domínio público, por não estarem afetadas a um fim público, são possuídas como direito disponível, tal qual os bens particulares. Podem sofrer os efeitos da usucapião.
A parte autora satisfaz a posse exigida: com animus domini, de forma pacífica, contínua e pública, por período de tempo suficiente. Pretensão procedente. (fl. 195v)

Os embargos de declaração foram acolhidos apenas para efeito de prequestionamento (fls. 205⁄209).

Sobreveio recurso especial com amparo nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual se alega ofensa ao art. 2º da Lei nº 6.634⁄79, art. 267, inciso VI, e art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil.

Aduziu a União que o pedido inaugural é juridicamente impossível, uma vez que "a usucapião não se pode dar em face de imóvel público como é a terra devoluta, bem assim envolvendo faixa de fronteira". Sustenta, ademais, que está "livre de provar o seu domínio, que é pleno jure; o particular é que teria de provar que a área postulada advém de situação diversa das contidas na legislação, vale dizer, que alhures foi desmembrada legitimamente do domínio público". (fls. 215⁄216)

Sinaliza, ademais, dissídio jurisprudencial em relação ao Recurso Extraordinário nº 72020-SP, de relatoria do e. Ministro Rodrigues Alckmin, notadamente no que concerne ao ônus da prova acerca da titularidade das terras pleiteadas, se públicas ou privadas.

Sem contra-razões, o especial foi admitido, juntamente com o extraordinário interposto (fls. 238⁄239).

O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo e. Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, opina pelo desprovimento do recurso especial. (fls. 244⁄247)

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 674.558 - RS (2004⁄0071710-7)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : NAIR NOGUEIRA DE VASCONCELOS - SUCESSÃO
ADVOGADO : PEDRO JERRE GRECA MESQUITA E OUTRO(S)

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. FAIXA DE FRONTEIRA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior. 2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido. 3. Recurso especial não conhecido.

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Rechaço, por primeiro, a tese recursal segundo a qual as terras em litígio são de domínio público, por isso juridicamente impossível o pedido para usucapi-las. Isso porque o fato de as glebas em testilha estarem localizadas em faixa de fronteira não tem a virtualidade de torná-las de domínio público, consoante entendimento pacífico desta Corte Superior.

Nesse sentido, confira-se o precedente:

CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMÓVEL FOREIRO. LOCALIZAÇÃO EM ÁREA DE FRONTEIRA. DOMÍNIO ÚTIL USUCAPÍVEL.
I. Possível a usucapião do domínio útil de imóvel reconhecidamente foreiro, ainda que situado em área de fronteira.
II. Recurso especial não conhecido.
(REsp 262.071⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄10⁄2006, DJ 06⁄11⁄2006 p. 327)

Aliás, o próprio art. 5º, do Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, ao prescrever que "são devolutas, na faixa da fronteira, (...)" as terras que "não se incorporaram ao domínio privado", admite que nem todas as terras localizadas na faixa de fronteira são devolutas, sendo possível, portanto, em relação às que não são, o usucapião das indigitadas glebas.

Ademais, afirmando o acórdão não se tratar de terra pública, tal conclusão não se desfaz sem a reapreciação das provas constantes dos autos, o que é vedado pela Súmula 7.

3. Afastada a tese de que as terras usucapiendas seriam públicas, subsiste apenas o alegado erro na distribuição do ônus da prova.

Nesse passo, pretende a União fazer crer que a ela não cabia demonstrar que as terras em testilha seriam públicas, mas ao particular provar que se tratava de gleba suscetível de usucapião, gleba privada, portanto.

Busca obter amparo no que preceitua a Lei de Terras (Lei nº 601 de 1850), no seu art. 3º, verbis:

Art. 3º São terras devolutas:

§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal.

§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei.

§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.


Não obstante o esforço argumentativo da recorrente, em emblemático precedente de relatoria do então Ministro Moreira Alves, o E. STF rechaçou a tese ora formulada no presente recurso especial, proclamando inexistir em favor do Estado presunção iuris tantum no sentido de que imóveis destituídos de registro são terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem.

Colhem-se do voto proferido no RE 86.234 - MG os seguintes fundamentos:

Esse dispositivo legal [§ 2º, do art. 3º, da Lei nº 601 de 1850] - que não se exaure nesse parágrafo 2º (um, apenas, dos casos em que as terras seriam consideradas devolutas) e que se encontra em Lei que visou, em face da circunstância de que a propriedade particular sobre imóveis se formou em nosso país mediante a concessão de sesmarias e simples posses, a extremar o domínio do Estado, nas terras públicas ainda não ocupadas ou já abandonadas, e o domínio particular (...) - esse dispositivo legal, repito, definiu, por exclusão, as terras públicas que deveriam ser consideradas devolutas, o que é diferente de declarar que toda terra que não seja particular é pública, havendo presunção iuris tantum de que as terras são públicas. (sem grifo no original)

Extrai-se, ainda, das lições de Pontes de Miranda, o seguinte escólio:

Devoluta é a terra que devolvida ao Estado, esse não exerce sobre ela o direito de propriedade, ou pela destinação ao uso comum, ou especial, ou pelo conferimento de poder de uso ou posse a alguém. João de Barros disse que, fugindo os Mouros, as terras ficaram devolutas. Os bens do Estado, se não recebem destino, nem exerce o Estado os direitos que tem, ficam devolutos. Não se deve, porém, porque se dilataria, atecnicamente, o conceito, dizer que o dono do prédio que se ausenta o deixa devoluto. Pode ele renunciar à propriedade (art. 589, lI), abandoná-Ia (art. 589, III), ou perder a posse própria. Nenhum desses atos faz devoluta, em sentido estrito e exato, a terra. A renúncia fá-Ia adéspota, sem dono. O abandono põe-na em situação que se descreve no art. 589, § 2º. A terra devoluta de que cogitava a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, art. 3º, não era sem dono; era terra pública (== do Estado), a que o Estado podia dar destino.

Se a terra não é pública não é devoluta no sentido da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, ou do Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854. É terra sem dono. Terra que se adquire por usucapião de cinco anos, ou dez anos, ou quinze anos, ou por usucapião de vinte anos, conforme os princípios. O art. 5º, e) e f), do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, admitiu a usucapião das terras devolutas, conforme o Código Civil; mas o mesmo Decreto-Lei nº 9.760, no art. 200, estabeleceu: "Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são os sujeitos a usucapião." Adiante, § 1.419, 3.

A concepção de que ao Príncipe toca o que, no território, não pertence o outrem, particular ou entidade de direito público, é concepção superada. As terras ou são dos particulares, ou do Estado, ou nullius. Nem todas as terras que deixam de ser de pessoas físicas ou jurídicas se devolvem ao Estado. Ao Estado vai o que foi abandonado, no sentido preciso do art. 589, III. Ao Estado foi o que, segundo as legislações anteriores ao Código Civil, ao Estado se devolvia. A expressão "devolutas", acompanhando "terras", a esse fato se refere. O que não foi devolvido não é devoluto. Pertence a particular, ou ao Estado, ou a ninguém pertence. Quanto às terras que a ninguém pertence e sobre as quais ninguém tem poder, o Estado - como qualquer outra pessoa, física ou jurídica - delas pode tomar posse. Então, é possuidor sem ser dono. Não foi a essas terras que se referiu a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, art. 3º, tanto assim que se permitia a usucapião das terras não-apropriadas. Cf. Lei nº 601, art. 1 Q, alínea 1ª: "Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra." Tal proposição existia no mesmo sistema jurídico em que existiam as regras jurídicas sobre usucapião (de tempo longo e de tempo breve). (Tratado de direito privado. v. 12, Campinas: Bookseller, 2001, p. 523⁄524)

Na esteira desse entendimento, a jurisprudência desta Corte Superior também se inclinou no sentido de inexistir em favor do Estado qualquer presunção acerca da titularidade de bens imóveis destituídos de registro:

CIVIL. USUCAPIÃO. ALEGAÇÃO, PELO ESTADO, DE QUE O IMÓVEL CONSTITUI TERRA DEVOLUTA. A ausência de transcrição no Ofício Imobiliário não induz a presunção de que o imóvel se inclui no rol das terras devolutas; o Estado deve provar essa alegação. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial não conhecido.
(REsp 113255⁄MT, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄04⁄2000, DJ 08⁄05⁄2000 p. 89)

Com efeito, inexistindo presunção de propriedade em favor do Estado, e não se desincumbindo este do ônus probatório que lhe cabia, não se há falar em pedido juridicamente impossível, devendo ser mantida a decisão das instâncias inferiores que reconheceu a aquisição originária da terra por usucapião.

4. Diante do exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2004⁄0071710-7 REsp 674558 ⁄ RS

Número Origem: 200304010113576

PAUTA: 13⁄10⁄2009 JULGADO: 13⁄10⁄2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : NAIR NOGUEIRA DE VASCONCELOS - SUCESSÃO
ADVOGADO : PEDRO JERRE GRECA MESQUITA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Aquisição - Usucapião Extraordinária

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP), Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 13 de outubro de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

1ªVRP/SP: Ocorrendo dupla alienação do mesmo imóvel, deve-se anular a segunda, com o cancelamento de todos os seus consectários, inclusive, registrais, pois há de prevalecer aquela cuja carta de arrematação foi registrada em primeiro lugar, porquanto, apenas nesta ocasião se tem por caracterizada a transferência do domínio.

Processo 37909-19.2013.8.26.100 Pedido de Providências 16 Oficial de Registro de Imóveis Sentença: Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fls. 02/03). A exordial aduz que três penhoras sucessivas foram realizadas, em processos de execução distintos, e recaíram sobre 50% (cinquenta por cento) da parcela ideal do imóvel objeto da matrícula 37.430, de propriedade de Luiz Carlos Mendes (R-5, R-6 e R-8). As duas primeiras penhoras foram formalizadas em nome de Francisco Russo e a terceira em nome de Unibanco União de Bancos Brasileiros S/A. Em apertada síntese, a Oficial asseverou que a instituição financeira, em julho de 2002, arrematou em hasta pública o imóvel matriculado sob o nº 37.430. Posteriormente, foi expedida a respectiva carta de arrematação e, assim, devidamente registrada no fólio real (R-9). Todavia, inexplicavelmente, em fevereiro de 2003, registrou-se nova carta de arrematação, em nome de Francisco Russo (R-11). Posicionou-se no sentido da nulidade da segunda arrematação sobre o mesmo imóvel, devendo prevalecer o direito do primeiro registro. Francisco Russo apresentou impugnação sustentando a irrelevância do registro e pleiteando o reconhecimento da nulidade da primeira arrematação do imóvel, sustentando a impossibilidade de registrar a carta de arrematação em virtude de restrição constante da matrícula sobre o bem arrematado, devido às duas penhoras anteriores sobre o imóvel (originárias, respectivamente, da 1ª e da 3ª Vara Cível Regional IV -Lapa – São Paulo). Menciona ter atendido aos requisitos legais no que tange à arrematação, bem como à respectiva carta, não podendo ser prejudicado por um erro de registro. Destaca possível falha do 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital no controle das alienações dos imóveis levados à hasta pública, salientando que o bem objeto deste procedimento não mais pertencia ao executado. Por fim, entende que o credor primário tem direito real de preferência sobre o imóvel em relação aos demais credores quando da primeira arrematação, de modo que não poderia ter sido levado à praça, motivo que invalida o registro efetuado pelo primeiro arrematante (fls.208/213). A douta Promotora opinou pelo deferimento do pedido de providência (fls.264/266), no sentido de cancelar a segunda arrematação (R-11) e seus efeitos. É o relatório. DECIDO. Com razão a Oficial e a Promotora de Justiça. Preliminarmente, em relação às sucessivas penhoras, cumpre ressaltar fragmento do v. acórdão do Eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: II- Havendo duas penhoras sucessivas sobre o mesmo imóvel, não tem o credor que penhorou em segundo lugar direito líquido e certo de manter a penhora que promoveu na execução movida contra o anterior proprietário, não lhe garantindo a lei mais do que recolher, do valor apurado com a alienação forçada, se algo sobejar após a satisfação do crédito do primeiro penhorante, a importância do seu crédito, ou parte dela. A penhora não constitui, por si, direito real. (TJRS – ACÓRDÃO: 11.508 TJRS – ACÓRDÃO/ LOCALIDADE: Rio Grande do Sul – DATA JULGAMENTO: 18/05/2000 – DATA DJ: 07/08/2000 – Relator: Sálvio de Figueiredo Teixeira). O Código Civil brasileiro elenca taxativamente em seu artigo 1225, os direitos reais do ordenamento jurídico. Portanto, é fácil a constatação de que a penhora não constitui direito real. Ao contrário do alegado pelo suscitado, a realização de penhora sobre determinado bem não impede a realização de novas e sucessivas penhoras sobre ele, em razão do comando expresso do artigo 613, do CPC, que estabelece o direito de preferência, a ser exercitado pelos respectivos titulares. Dessa forma, eventual arrematação perante um dos processos, terá o efeito natural de exaurir todas as demais penhoras que recaem sobre o mesmo bem, pois, como já referido, cabe àqueles que possuem o direito de preferência, exercita-lo, na forma da lei (artigo 613, do CPC). Em razão disso, a insurgência do requerido, sob o aspecto jurídico, não encontra guarida, já que a arrematação, desde que perfeita e acabada, retira o bem da esfera patrimonial do executado, transferindo-o ao patrimônio do arrematante, gerando o efeito reflexo de exaurir todas as demais penhoras até então existentes. Em comentários ao artigo 694 do CPC, o saudoso mestre Teothonio Negrão (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 36ª ed, São Paulo, Saraiva, p. 804), questiona qual das praças prevalece, em havendo alienação do mesmo bem, em processos distintos de execução, tal como aqui se discute, para tanto cita o seguinte julgado: “Havendo duas praças do mesmo bem, em processos distintos de execução, prevalece a carta de arrematação ou de adjudicação registrada em primeiro lugar (JTACIVSP – 141/157). Assim, a segunda alienação de um mesmo bem em hasta pública, formalizada em autos e cartas de arrematação do mesmo juízo (1ª Vara Cível do Foro Regional da IV, Lapa, desta Capital) sem dúvidas reflete deficiência concreta no suporte fático do negócio jurídico, qual seja, o fato de o bem já ter sido arrematado e corretamente registrado. Tal defeito de base prejudica, indubitavelmente, a validade da segunda arrematação. Quanto ao segundo arrematante, incidiu em nítido erro de fato. Destarte, a validade da arrematação de bem imóvel em processo judicial requer o registro da respectiva carta perante o registro de imóveis, a fim de conferir ao ato a necessária publicidade e eficácia da transferência. Deste modo, ocorrendo dupla alienação do mesmo imóvel, deve-se anular a segunda, com o cancelamento de todos os seus consectários, inclusive, registrais, pois há de prevalecer aquela cuja carta de arrematação foi registrada em primeiro lugar, porquanto, apenas nesta ocasião se tem por caracterizada a transferência do domínio, nos termos previstos no artigo 1.245 do Código Civil. Do exposto, DEFIRO O PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS formulado pelo 16º OFICIAL DE REGISTRO DE SÃO PAULO para que seja cancelado o registro nº 11, da matrícula 37.430. Informe a serventia quais medidas foram tomadas com relação ao erro grosseiro efetuado pelo seu preposto, conforme solicitado pela Promotoria de Justiça. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. CP-194

Fonte: DJE/SP | 04/07/2014.

Entendimento do TST é de que a declaração do oficial de justiça assegura impenhorabilidade de imóvel em que família mora

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a impenhorabilidade de um imóvel dos empregadores de um trabalhador que vem tentando receber suas verbas trabalhistas desde 1992. A penhora do imóvel foi considerada indevida por conta da declaração do oficial de justiça de que o bem serve de residência aos executados, afirmou o relator, ministro Walmir Oliveira da Costa.

A reclamação do empregado foi ajuizada na 1ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP). Ele informou que começou a trabalhar na empresa dos empregadores (Remonte & Remonte Ltda.) em setembro de 1991 como soldador de manutenção e, no mês seguinte, sofreu acidente de trabalho, sendo demitido sem justa causa logo após receber a alta médica, em dezembro do mesmo ano.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a  penhora do imóvel para pagamento das verbas trabalhistas reconhecidas na sentença, sob a justificativa de que não ficou devidamente comprovado que o bem servia de residência aos executados nem de que se tratava de bem único do casal. Eles então recorreram ao TST e obtiveram êxito.

Segundo o relator, a declaração do oficial de justiça do Juízo de Execução de que o imóvel serve de residência aos executados é suficiente para afastar a objeção quanto à impossibilidade de reexame de fatos e provas, uma vez que o oficial de justiça goza de fé pública. O ministro acrescentou ainda que, conforme admitido pelo próprio trabalhador, os executados são proprietários de outros imóveis, sobre os quais pode recair a penhora.

"Também é pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual, para reconhecimento da garantia de impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/90, basta que o imóvel sirva de moradia ao devedor, ou à entidade familiar, não havendo exigência legal de registro no cartório imobiliário para essa proteção social", afirmou o relator. "Em tal contexto o bem de família goza da garantia de impenhorabilidade, assim como o artigo 6º da Constituição da República assegura o direito social à moradia, prevalecendo sobre o interesse individual do credor trabalhista". A decisão foi unânime.

A notícia refere-se ao seguinte processo: RR-23200-83.1992.5.02.0471.

Fonte: TST | 03/07/2014.

terça-feira, 22 de julho de 2014

É possível o ajuizamento de ação anulatória de doação, estando ainda vivo o doador

Íntegra do acórdão:
apreciado e julgado Agravo Retido, com a extinção do processo, ou seja reformada a sentença monocrática, para julgar improcedente o pedido inicial, com a inversão do ônus da sucumbência.
Em contra-razões (f. 231-235), alegam as apeladas Líria Terezinha Pereira Silveira Henrique, Ana Glória Pereira Silveira e Maria Olívia Pereira Silveira Zago, em breve relato, que inexiste qualquer nulidade processual por ausência de citação; que é majoritário na doutrina e jurisprudência o entendimento de ajuizamento de ação de redução de doação inoficiosa a partir do ato de liberalidade, cujo prazo prescricional começa a fluir da data do negócio jurídico inválido; que o apelante/doador não comprovou que tivesse outros bens, senão aqueles cuja metade fora doada aos recorrentes litisconsortes; que nada obsta o direito de ação das apeladas de pleitearem a anulação da doação inoficiosa. Ao final, requer seja negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a r. sentença do Juízo a quo.
Preparo devidamente efetivado às f. 227.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
Líria Terezinha Pereira Silveira Henrique, Ana Glória Pereira Silveira e Maria Olívia Pereira Silveira Zago ajuizaram Ação de Nulidade de Doação de Bens Imóveis em face de Otácilio Martins Silveira, posteriormente incluídos na lide Maria Aparecida de Oliveira Silveira, Célio Martins da Silveira, Sérgio Martins da Silveira, Célia Martins Paiva e Sônia Aparecida Silveira Sousa, alegando serem nulas as doações de imóveis realizadas por Otácilio Martins Silveira, ao argumento de que a legítima foi vulnerada, tendo em vista terem sido reconhecidas como filhas, em Ação de Investigação de Paternidade.
Agravo Retido
Requerem os apelantes seja conhecido, julgado e provido o Agravo Retido interposto (f.84-86), em razão da obrigatoriedade do litisconsórcio necessário unitário.
Alegam os recorrentes que, após especificação de provas, o Juízo determinou a regularização do processo, mesmo sem requerimento das autoras, ora recorridas, caracterizando-se afronta ao artigo 125, inciso I, c/c o artigo 2º, ambos do CPC. Alegam, ainda, que o processo caminha para frente, havendo preclusão pro judicato.
O litisconsórcio envolve o tema processual da legitimidade de parte, ainda que de forma indireta. Para esse tema, ao contrário do que alegam os recorrentes, não se opera a preclusão pro judicato, podendo ser revista a qualquer tempo e em qualquer grau de Jurisdição e até pelo mesmo Julgador.
A respeito, Sérgio Sahione Fadel, in "Código de Processo Civil Comentado", volume I, Editora Forense, Rio de Janeiro, 6ª edição, 1987, página 449, leciona:
"Conhecimento de ofício da matéria dos itens IV, V e VI - A ausência dos pressupostos processuais, a perempção, a litispendência, a coisa julgada e a falta das condições da ação são matérias de que o juiz pode conhecer a qualquer tempo, enquanto não proferir decisão de mérito, que lhe tranca a jurisdição, independentemente de provocação da parte.
Todas essas são questões de ordem pública, que ao Estado, por seu órgão próprio, cumpre fiscalizar e evitar, como dever de ofício."
Não estão sujeitas à preclusão pro judicato as matérias de ordem pública, entre elas as que dizem respeito à condição de procedibilidade da ação, uma vez que o processo ainda está em curso, nada impedindo o reexame de questões atinentes à existência, ou não, dos requisitos de ordem processual informadores, para se vislumbrar a adequação da pretensão posta em Juízo.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL. MULTA CONTRATUAL. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE DE PARTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. IMPOSSIBILIDADE. - (...) Legitimidade de parte é matéria de ordem pública, analisável em qualquer grau de jurisdição. Inexistência de preclusão pro judicato. Agravo Regimental não provido" (STJ - AgRg no Ag 669130/PR - 4ª Turma - Rel. Min. Fernando Gonçalves - Julgamento em 21/08/2007 - Publicação no DJ em 03/09/2007, página 180).
"RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. OFENSA INEXISTENTE. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA NÃO SE SUBMETEM À PRECLUSÃO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ENUNCIADOS NS. 5 E 7/STJ. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO CONFIGURADO. PRECEDENTES DO STJ. - (...) As matérias de ordem pública podem ser levantadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias, inexistindo preclusão em relação a elas. Precedentes do STJ. (...)" (STJ - REsp 781050/MG - 4ª Turma - Rel. Min. Cesar Asfor Rocha - Julgamento em 09/05/2006 - Publicação no DJ em 26/06/2006, página 168).
"PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. EXECUTIVIDADE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA EM RELAÇÃO AO RÉU CITADO SOMENTE A POSTERIORI. GARANTIAS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ENUNCIADO N. 233 DA SÚMULA/STJ. RECURSO PROVIDO. - (...) Nas instâncias ordinárias, não há preclusão em matéria de condições da ação e pressupostos processuais enquanto a causa estiver em curso, ainda que haja expressa decisão a respeito, podendo o Judiciário apreciá-la mesmo de ofício (arts. 267, § 3º e 301, § 4º, CPC). (...)"
(STJ - REsp 285402/RS - 4ª Turma - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - Julgamento em 22/03/2001 - Publicação no DJ em 07/05/2001, página 150).
No caso, como litisconsórcio diz respeito à legitimidade de parte, entendo que não ocorreu a alegada preclusão pro judicato, motivo pelo qual não há irregularidade na determinação do Juízo para a regularização do processo, com a citação dos demais litisconsortes, após a determinação de especificação de provas.
Nestes termos, NEGO PROVIMENTO ao Agravo Retido.
Preliminar: petição inicial inepta
Alegam os apelantes que a petição inicial é inepta, em razão da impossibilidade jurídica de se considerar nula a doação operada, nos termos do artigo 295, V, do CPC.
Dispõe o artigo 295, V, do CPC:
"Artigo 295 - A petição inicial será indeferida:
V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal."
A respeito, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in "Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante", Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 7ª edição, 2003, nos comentários ao artigo 295, nota 11, lecionam:
"Procedimento inadequado. Quando o autor escolher para a ação procedimento inadequado, vale dizer, em desconformidade com o que prescreve a lei para o caso, o juiz deve intimá-lo para que emende a petição inicial (CPC 284). Somente depois dessa providência, não havendo requerimento do autor para adaptar-se ao procedimento legal, o juiz indeferirá a petição inicial. O indeferimento liminar, sem dar-se oportunidade ao autor para emendar a inicial, caracteriza cerceamento de defesa."
Em análise da petição inicial, verifica-se que as autoras, ora apeladas, ajuizaram a presente ação com o objetivo de as doações feitas por Otacílio Martins Silveira serem declaradas nulas, por ofenderem a legítima.
Dispõe o artigo 549, do Código Civil:
"Artigo 549 - Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento."
Assim, a meu sentir, não há impropriedade no procedimento escolhido, posto que a legislação civil garante às recorridas o direito de pleitear judicialmente a nulidade de doação que exceder o que o doador poderia dispor em testamento.
Ressalte-se, ainda, que a petição inicial foi redigida de forma clara e inteligível, com a individualização de seu objeto, tendo sido perfeitamente possível aos apelantes refutarem todos os argumentos nela apresentados, o que de fato ocorreu.
Por outro lado, a pertinência ou não do reconhecimento da nulidade das doações é matéria a ser analisada no mérito da ação, com a procedência ou improcedência do pedido.
Nestes termos, REJEITO a preliminar suscitada.
Mérito
Quanta à possibilidade de ajuizamento de Ação Anulatória de Doação, estando ainda vivo o doador, Washington de Barros Monteiro, in "Curso de Direito Civil", Obrigações, 2ª parte, Editora Saraiva, São Paulo, página 127, ensina:
"O reconhecimento da inoficiosidade pode ser pedido em vida do doador; como há pouco fizemos sentir, o legislador pátrio imprimiu ao direito do herdeiro lesado a nota de atualidade e não de mera expectativa; consumada a doação inoficiosa, pode ele ingressar em Juízo imediatamente com a competente ação de redução."
Esse, também, é o entendimento deste Tribunal:
"CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO PROPOSTA COM FINCAS NO ART. 1.176, DO CCB. - Possibilidade da propositura de tal ação, ainda em vida do doador. Recurso Provido para cassar a sentença" (TJMG - Apelação Cível 1.0000.00.208454-9/000 - Rel. Des. Pinheiro Lago - Julgamento em 16/04/2002 - Publicação no DJ em 10/05/2002).
Assim, é possível a propositura de ação para anular doação inoficiosa, mesmo estando o doador vivo, como no caso.
Nestes termos, não há motivo para modificar a sentença quanto a esta alegação.
Com relação à prova da existência ou não de outros bens, ressalte-se que a distribuição do ônus probatório vem fixada no Código de Processo Civil segundo requisitos claros e objetivos, previstos em seu artigo 333, que dispõe:
"Artigo 333 - O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."
A respeito, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in "Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante", Editora Revista dos Tribunais, 7ª edição, 2003, nos comentários ao artigo 333, nota 1, lecionam:
"Ônus da prova. A palavra vem do latim, onus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte."
Não se pode deixar de considerar que o negócio jurídico de doação (seja entre ascendentes e descendentes, ou não) deve revestir-se, sob pena de nulidade, de formalidades. Entre elas, cite-se a necessidade de reserva para subsistência do doador e a limitação à parcela disponível de seu patrimônio, que constituem limitações legais ao poder de disposição gratuita conferido ao proprietário de bens, nos termos dos artigos 548 e 549, do Código Civil, que dispõem:
"Artigo 548 - É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente pra a subsistência do doador."
"Artigo 549 - Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento."
No que se refere ao primeiro dispositivo, nenhuma das partes alegou que o doador, ao transferir a propriedade dos imóveis objetos das doações, perdeu sua capacidade de subsistência, não havendo, ademais, qualquer prova nos autos nesse sentido.
Quanto à questão relativa à metade disponível do patrimônio do doador, impõe-se, para tanto, observância ao disposto no artigo 1.789, do Código Civil, in verbis:
"Artigo 1.789 - Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor de metade da herança."
Pela análise conjunta de ambos os dispositivos (artigos 549 e 1.789, do Código Civil) conclui-se que a doação deve se limitar a 50% do patrimônio do doador que possui herdeiros necessários.
A respeito Arnaldo Rizzardo, in "Contratos", Editora Forense, Rio de Janeiro, 2ª edição, 2001, página 340, leciona:
"Se o testador possuir herdeiros necessários - descendentes ou ascendentes -, não poderá dispor, em testamento, de mais de metade da herança, ou seja, da chamada porção ou quota disponível. Em se tratando de doação, autoriza-se a liberalidade numa porção que vai até o limite da quota disponível, calculada entre o montante dos bens à época existentes. À essa doação que excede a meação disponível se dá o nome de inoficiosa, sendo absolutamente nula."
No mesmo sentido, ensina Sílvio de Salvo Venosa, in "Direito Civil: Direito das Sucessões", Editora Atlas, São Paulo, 3ª edição, Atlas, 2003, página 119:
"O art. 549 comina com nulidade a doação cuja parte exceder a que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Trata-se da doação inoficiosa. Questão importante é calcular a metade disponível, ou seja, o montante que pode ser doado em cada oportunidade. A regra a ser seguida é, portanto, avaliar o patrimônio do doador, quando do ato. Se o montante doado não atinge a metade do patrimônio, não haverá nulidade."
Inicialmente, ressalte-se que as apeladas comprovaram ser herdeiras necessárias, através de Ação de Investigação de Paternidade, conforme documentos de f. 66-74, situação reconhecida posteriormente às doações ora impugnadas.
A fim de se verificar a regularidade das doações questionadas nesses autos, faz-se necessário conhecer o patrimônio do doador por ocasião daqueles negócios jurídicos, para efeitos de aferição da observância, ou não, do limite legal, equivalente à chamada metade disponível, ressaltando-se que, para tanto, deve-se levar em conta todos os bens do doador existentes na época da consolidação do negócio.
E em análise dos autos, verifica-se que as apeladas informam na petição inicial que o doador possuía, à época da liberalidade, cinco imóveis (f. 03), in verbis:
"3- O Requerido é casado com a Sra. Maria Aparecida de Oliveira Silveira com a qual tem outros 04 (quatro), sendo assim proprietário de 50% (cinqüenta por cento) de vários imóveis rurais e urbano. Assim, o Requerido doou a sua metade de 04 (quatro) imóveis rurais para somente os filhos havidos deste casamento, excluindo-se apenas desta doação 01 (um) imóvel urbano da Rua Jacutinga nº 146 (B. São Benedito), esquecendo-se, assim, das ora Requerentes, que deveriam ter sido também em nome das mesmas."
Como se vê, as apeladas informaram que o doador deixou de fora da doação apenas um imóvel urbano, doando a metade dos outros quatro imóveis rurais.
Em análise das contestações de Otacílio Martins Silveira (f. 36-40), de Maria Aparecida de Oliveira Silveira (f. 120), de Célia Martins Paiva e seu marido Wilson Antônio de Paiva (f. 136-137) e de Sônia Aparecida Silveira Souza e seu marido Wagner José de Sousa (f. 152-153), verifica-se que os apelantes não afirmaram ser o doador proprietário de outros imóveis, além dos enumerados pelas recorridas na petição inicial, tornando tal fato incontroverso.
Além disso, os apelantes informaram que a matéria posta em Juízo era meramente de direito, não necessitando de produção de outras provas, além das constantes nos autos, requerendo o julgamento antecipado da lide (f. 158).
Como após as doações apareceram três outras herdeiras, e não havendo outros bens à época das liberalidades, é evidente que ocorreu doação inoficiosa.
Nestes termos, tendo em vista que as apeladas comprovaram que foram preteridas e que as doações, à época da liberalidade, atingiram a parte indisponível dos bens do doador, ora recorrente Otacílio Martins da Silveira, tendo este se omitido em comprovar a existência de outros bens, não há motivos para modificação da sentença.
Como não houve alteração da decisão de primeiro grau, mantém-se a distribuição do ônus da sucumbência.
Com estas razões, NEGO PROVIMENTO a Agravo Retido, REJEITO PRELIMINAR de inépcia da inicial e NEGO PROVIMENTO ao recurso, para confirmar a r. sentença recorrida.
Custas recursais pelos apelantes.
Em síntese, para efeito de publicação (artigo 506, III, do CPC):
- Negaram provimento a Agravo Retido.
- Rejeitaram preliminar de inépcia da inicial.
- Negaram provimento ao recurso, para confirmar a r. sentença recorrida.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): TARCISIO MARTINS COSTA e JOSÉ ANTÔNIO BRAGA.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.