quinta-feira, 22 de maio de 2014

STJ. Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente. Reconhecimento mesmo em face de filhos exclusivos do 'de cujus'


"O direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos".

Íntegra do acórdão:
Acórdão: Recurso Especial n. 1.134.387 - SP.
Relator: Min. Nancy Andrighi.
Data da decisão: 16.04.2013.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.134.387 - SP (2009⁄0150803-3) (f)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
EMENTA: DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÃO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGESOBREVIVENTE. RECONHECIMENTO MESMO EM FACE DE FILHOS EXCLUSIVOS DO DE CUJOS. 1.- O direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge⁄companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos. 2.- Recurso Especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negar provimento ao recurso especial. Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Sidnei Beneti os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villlas Bôas Cueva. Não participou do julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
Brasília, 16 de abril de 2013(Data do Julgamento)
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.134.387 - SP (2009⁄0150803-3) (f)
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS, com fundamento no art. 105, III, "a", da CF, contra acórdão proferido pelo TJ⁄SP.
Ação: de dissolução de condomínio, ajuizada pelas recorrentes em desfavor de REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS, pela qual buscam a extinção do condomínio existente em imóvel do qual receberam, em herança, fração ideal.
Aduzem as recorrentes que são a prole do primeiro casamento de Stefano Proto e que, após o óbito de seu genitor, não obstante o percebimento de fração ideal como quinhão de herança (1⁄8 do valor do imóvel), não tiveram acesso ao imóvel, atualmente ocupado pelo cônjuge supérstite, por Stefano Proto Júnior (nascido em 1982) e Guilherme Proto (nascido em 1984): prole do segundo casamento.
Ante a impossibilidade de fruírem do patrimônio herdado, as recorrentes propuseram a presente ação, objetivando, na essência, a venda da casa ocupada pelos recorridos e a percepção dos valores correspondentes aos respectivos quinhões, mormente porque uma das recorrentes é acometida por mal crônico que levou à sua interdição.
Finalizaram sua fundamentação aduzindo que o direito real de habitação previsto no art. 1.611 do CC⁄16, não tem aplicação em um universo onde o divórcio é permitido, pois a regra apenas facultaria a oposição desse direito real em face de sua própria prole.
Sentença: julgou procedente o pedido para determinar a alienação judicial do imóvel, resguardando o direito de preferência e adjudicação a ser exercido por cada condômino até a assinatura do auto de arrematação.
Acórdão: o TJ⁄SP deu provimento ao apelo dos recorridos, em julgado assim ementado:
Extinção de condomínio. Alienação judicial de coisa comum. Bem indivisível. Imóvel gravado com direito real de habitação. Art.; 1.611, § 2º do Código Civil de 1916 (art. 1.831 CC⁄02). Sentença de procedência. Apelação dos réus. Agravo retido desprovido. Preliminares. Nulidades processuais. Não ocorrência. Dispensável a intervenção de dois membros do Ministério Público. Respeitado o princípio jura novit curiaou da mihi factum, dabo tibi jus. Adequada adoção do art. 1.114 do CPC. Inépcia da inicial. Não caracterização. Condições da ação presentes. Preliminares rejeitadas. Mérito. Cônjuge sobrevivente. Direito real de habitação. "Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no § 2º, do art. 1.611, do Código Civil de 1916". Pacífico o entendimento no C. STJ. Entendimento pretoriano que recusa a extinção do condomínio pela alienação do imóvel. Desnecessidade do registro imobiliário do direito real de habitação. Precedentes do C. STJ. Sucumbência. Inversão dos ônus. Agravoretido desprovido. Apelação dos réus provida e prejudicada a apelação das autoras.
Embargos de declaração: interpostos pelas recorrentes, foram rejeitados.
Recurso especial: alega violação do art. 1.611, § 2º, do CC-16.
Sustenta que o referido dispositivo de lei regula apenas o direito real de habitação dentro do núcleo familiar e que a vedação judicial à possibilidade das recorrentes disporem do patrimônio que lhes foi deixado como herança (fração ideal correspondente a 1⁄8 do imóvel para cada uma), vulnera o princípio da isonomia entre os herdeiros.
Aduzem, por fim, que existe o risco de uma das herdeiras recorrentes, deixar de usufruir do patrimônio, pois tem aproximadamente a mesma idade da recorrida.
Contrarrazões: Pugnam pela inviabilidade do pleito, declinando, além das particularidades que envolveram a formação do patrimônio objeto do debate, posicionamento do STJ relativo à impossibilidade de alienação de imóvel em relação ao qual o cônjuge supérstite detém o direito real de habitação.
Parecer do MPF: de lavra do Subprocurador-Geral da República Maurício Vieira Bracks, pelo conhecimento e não provimento do recurso especial. (fls. 604⁄609, STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.134.387 - SP (2009⁄0150803-3) (f)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
Cinge-se a controvérsia, em dizer se as recorrentes – filhas do primeiro casamento do de cujus – podem opor à recorrida – cônjuge supérstite –, detentora de direito real de habitação do imóvel em questão, as prerrogativas inerentes à propriedade de fração desse imóvel e pelas quais pleiteiam a alienação do patrimônio imobiliário para a apuração do quinhão que lhes é devido.
Lineamentos gerais
De um lado estão os recorridos – a cônjuge supérstite e dois filhos do segundo casamento do de cujus, que sustentam a inviabilidade do exercício de qualquer direito das recorrentes sobre imóvel, em face da existência de direito real de habitação, ope legis, sobre a residência que a viúva mantinha com seu falecido marido.
Vale registrar que os filhos da cônjuge supérstite apresentam hoje a idade de 30 e 28 anos e as filhas do primeiro casamento do de cujus, idades de 46 e 42 anos.
De relevo, ainda, declinar-se que o pedido de dissolução do condomínio, com a consequente venda do imóvel foi deduzido em maio de 2000, permanecendo, ainda hoje, sem solução definitiva.
As recorrentes, em contraponto à tese que foi albergada pelo Tribunal de origem, apontam para a inviabilidade da aplicação do art. 1.611 do CC⁄16 (com parcial correspondência no art. 1.831 do atual CC) – que assegurava ao cônjuge supérstite o direito real de habitação do imóvel destinado à residência da família, aduzindo, em síntese, que aquele direito real de habitação não pode ser oposto a elas, porquanto detêm direito de propriedade sobre o imóvel, em condomínio decorrente de herança, circunstância secundada pelo fato de não guardarem relação de parentalidade com a recorrida.
Os fatos relativos à controvérsia, tal como postos pelo Tribunal de origem, revelam que a propriedade das recorrentes sobre fração do imóvel, decorre de sucessão hereditária, pois eram filhas do primeiro casamento do de cujus, razão pela qual, herdaram, cada uma, a fração ideal de 1⁄8 do imóvel sob discussão.
Casando-se o pai das recorrentes pela segunda vez, aumentou sua prole, nascendo dessa segunda relação conjugal mais dois filhos, que tiveram, ao tempo de sua morte, igual direito a 1⁄8 do patrimônio, cada.
A outra metade do imóvel pertence, também neste universo de condomínio, à viúva meeira, por força dos regramentos legais aplicáveis à espécie.
Da violação do art. 1.611 do CC-16
Neste cenário de colidência entre o direito de propriedade sobre fração do imóvel e o direito real de habitação da viúva, estendido aos filhos do segundo casamento, fixado por dispositivo de lei ao cônjuge sobrevivente, é necessário ponderar sobre a prevalência de um dos dois institutos, ou, ainda, buscar uma interpretação sistemática que não acabe por esvaziar, totalmente, um deles, em detrimento do outro, vindo a tratar sem isonomia todos os filhos do falecido.
A peculiar circunstância que envolve o processo sob análise, é existirem filhos do primeiro casamento dode cujus, que pleiteiam o direito de usufruírem do patrimônio que lhes deixou o pai falecido.
2.1 – Do direito real de habitação
Fazendo pequena revisão histórica do instituto, verifica-se sua gênese nacional na Lei 4.121⁄62 – Estatuto da Mulher Casada – que entre outras inovações legislativas, inseriu no art. 1.611 do CC-16, dois parágrafos, um deles fixando o direito real de habitação para o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão universal, desde que o imóvel em questão fosse o único bem daquela natureza a se inventariar e o outro, criando o chamado usufruto vidual.
A alteração legislativa ocorrida, embora contemplasse indistintamente o cônjuge supérstite, independentemente do seu gênero, teve como escopo notório, a melhoria da situação de fragilidade econômica e social da mulher à época, garantindo-lhe, em caso de óbito de seu cônjuge, a perenização do condômino que seria formado com os demais herdeiros, não precisando mais contar com o beneplácito dos demais herdeiros – às vezes dos pais do de cujus – para continuar residindo no imóvel adquirido na constância de seu casamento.
Daniel Blikstein, tratando da contextualização histórica do direito real de habitação, corrobora a tese quando afirma que:
Em princípio, como já se disse, a idéia do legislador de 1962, era afastar a clara inferioridade feminina prevista até então pelo Código Civil de 1916 e legislação extravagante, inclusive no que tange aos direitos civis ora existentes.
Omissis
De qualquer forma, o direito real de habitação decorrente de sucessão hereditária manteve-se válido e vigente em nossa legislação desde 1962, até posteriores modificações e a entrada em vigor do atual Códex Civil. Como já foi visto, é importante lembrar que duras críticas foram levantadas quanto à limitação do referido direito real à época, que, pela lei vigente, era aplicável apenas aos casados na comunhão universal de bens." (Blikstein, Daniel, in: O Direito Real de Habitação na sucessão hereditária. Belo Horizonte, Del Rey, 2012, pp. 195-197).
Era a garantia de moradia para a família, após o óbito de um de seus genitores, desde que esta tivesse sido prévia e formalmente constituída; houvesse optado pelo regime de comunhão universal e o cônjuge supérstite mantivesse o estado de viuvez.
Tanto o momento da fixação normativa quanto as restrições nela existentes indicam que se buscava assegurar direitos às famílias tradicionais, em uma sociedade que começava a adentrar uma revolução de costumes que atingia, inclusive, os até então intocáveis conceitos clássicos de família.
As posteriores alterações legislativas: Lei 9.278⁄96, art. 7º - que previa a aplicação do direito real de habitação aos companheiros, sem a distinção do regime de bens; a Lei 10.050⁄2000 – que alterava o art. 1.611, § 2º, do CC-16, para incluir como beneficiário o filho necessitado, portador de deficiência (posteriormente revogada pelo CC 2002) e finalmente, o atual Código Civil, paulatinamente abrandaram as restrições da norma, sem, contudo mexer em sua essência, que era, e continua sendo a proteção do cônjuge supérstite, quanto ao direito de moradia, e por extensão, aos descendentes deste.
Para se alcançar esse fim, o direito real de habitação, inserido em contexto de sucessão, teve marco distintivo da maior parte dos direitos reais, pois se afastou a usual consensualidade presente nessa categoria de direitos, substituída, que foi, pela imposição estatal para a sua implementação, na hipótese anteriormente circunstanciada.
Quanto a essa fixação ope legis do direito real de habitação, Sérgio Iglesias Nunes de Souza, consigna que:
"O referido princípio [princípio da consensualidade] se diz aplicável apenas no sentido de que a concessão de um direito real a outro poderá dar-se por meio de efeitos por contrato, ou seja, não só por lei, mas também por convenção. É o caso, no primeiro, dos arts. 1.414 e 1.416 do CC brasileiro e do 1.831 do referido Codex, pois o direito real de habitação ali discriminado decorre de lei, e não por convenção das partes. Assim, o cônjuge sobrevivente, desde que casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e estiver na condição de viúvo (a), terá garantido o direito real de habitação em relação ao imóvel que está destinado à residência da família. (Souza, Sérgio Iglesias Nunes in: A distinção entre o Direito à moradia e o direito de habitação. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo , ano 7, nº 13, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. pag. 252).
Aqui nasce o nó górdio trazido neste recurso especial – a operacionalização da determinação legal e seus efeitos a terceiros.
2.2 Da possibilidade de aplicação do direito real de habitação, ope legis, quando coexistirem, em condomínio, herdeiros outros que não os membros do grupo familiar que estão ligados ao cônjuge supérstite.
Como já declinado anteriormente, a imposição legal de que seja outorgado ao cônjuge supérstite o direito real de habitação, teve seus primórdios, e ainda hoje é justificado, pela sua proteção social e de sua prole.
Nesse sentido, os poucos posicionamentos do STJ sobre a matéria, do que é exemplo excerto do REsp 107.273⁄PR, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado, Dj: 17⁄03⁄1997, que leio:
É elogiável a regra legal ora em exame resguardando o interesse do cônjuge sobrevivente, formador da família e, muitas vezes, o principal responsável pela construção do patrimônio, resguardando o direito mínimo de dispor de uma morada, contra o anseio dos herdeiros em se apropriarem da herança, ainda que deixando um dos pais ao desabrigo.
Essa razoável proteção ofertada pelo legislador ao cônjuge sobrevivente tem, porém, inegável pressuposto subjacente: a existência de famílias com relações de verticalidade homogêneas.
A razão de ser da exigência se deposita na própria origem deste direito real de habitação: a solidariedade interna do grupo familiar que prevê recíprocas relações de ajudas dentro do núcleo familiar.
Maria Berenice Dias, tratando do tema solidariedade familiar, com grande precisão declina que:
A solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. Também ao ser imposto aos pais o dever de assistência aos filhos (CF 229), consagra o princípio da solidariedade. O dever de amparo às pessoas idosas (CF 230) dispõe do mesmo conteúdo solidário.
(...)
Uma das técnicas originárias de proteção social que até hoje se mantém é a família. Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações familiares. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão.
(Dias, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, pag. 67).
Dessa linha de pensamento, extrai-se a mens legislatoris orientadora da formação do direito real de habitação: dar aplicação ao princípio da solidariedade familiar imposto aos descendentes, limitando-lhes apropriedade do patrimônio herdado, para a preservação do bem estar do ascendente sobrevivente.
A intromissão do Estado-legislador na livre capacidade das pessoas disporem dos respectivos patrimônios, só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (CF, 203, I), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles – in casu – dos direitos inerentes à propriedade, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, que na espécie seria a proteção ao grupo familiar.
Nessa situação, de um lado, vislumbrou-se que os filhos devem – em nome da solidariedade intrafamiliar – garantir ao seu ascendente a manutenção do seu lar; e de outro, extraiu-se da ordem natural da vida queprovavelmente sobreviverão ao habitador, momento em que poderão exercer, na sua plenitude o direito de propriedade que detêm.
No entanto, os filhos de anterior relacionamento do de cujus, primeiro, não guardam nenhum tipo de solidariedade em relação ao cônjuge supérstite, pois não têm com este vínculos de parentalidade e, segundo, podem ter idade similar à do habitador, hipótese em que o direito de propriedade que possuem, talvez nunca venha a ser exercido.
Daí vem a assertiva de que é forçoso circunscrever este direito real aos lindes da família tradicional, aqui definida como aquela em que a prole tenha ancestralidade comum.
É dizer, apenas entre pais e filhos vige o direito real de habitação, ope legis.
Na hipótese sob exame, embora as recorrentes guardem relações de parentesco com os filhos do segundo casamento de seu pai, nenhuma relação técnica, ou fática, as une à recorrida-habitadora.
As filhas do primeiro casamento do de cujus são, por força de lei, herdeiras do patrimônio amealhado pelo pai, em igualdade de condições – respeitado os respectivos quinhões – com os demais herdeiros necessários: os filhos do segundo casamento.
Contudo, essa igualdade fica evidentemente fragilizada quando se verifica a impossibilidade dessas herdeiras usufruírem daquele patrimônio, de forma direita ou indireta.
É razoável, repita-se, que os filhos tornem-se nu-proprietários, em fração ideal do imóvel que herdaram de um dos pais, para que o outro ancestral possa viver no mesmo imóvel pelo resto de sua vida.
No entanto, não é razoável que fora do grupo familiar, prevaleça essa imposição, porquanto aqui não há justificativa que dê foros de legitimidade à exceção legal.
Não há elos de solidariedade entre as filhas do primeiro casamento e a cônjuge supérstite recorrida, mas ao revés, sofrem a supressão, talvez perene, de um direito que lhes foi assegurado por herança.
Nessa situação, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a imposição do direito real de habitação ao cônjuge supérstite, em face de sua própria prole, deixa de ter razoabilidade, pois se glosa os direitos à propriedade de quem não compõe o grupo familiar.
Os institutos jurídicos plasmados sob a ficção jurídica da chamada família tradicional devem sofrer necessárias adequações, para que não se trisque a necessária isonomia entre iguais, em nome de uma prevalência sócio jurídica desse tipo de família, não mais albergada pela legislação nacional.
Vale aqui citar Luciano Lopes Passarelli, que em excelente estudo sobre o tema, declinou na conclusão de seu trabalho que:
Um outro aspecto que causa um certo desconforto em todo o tema aqui estudado é a hipótese de prejuízo aos descendentes menores do autor da herança. Isto porque, se a lei preocupou-se em não deixar o cônjuge supérstite ao desabrigo, parece que não teve a mesma preocupação com os filhos menores. E se eles ficarem ao desabrigo? Para imaginar apenas uma hipótese, basta pensar nos filhos de pais separados, já vivendo o varão em outro casamento ou união estável. (omissis).
Possuindo um único imóvel e vindo a falecer, herdam os filhos, mas devem respeitar o direito real de habitação conferido ao novo cônjuge (ou companheiro). Imaginando que os filhos vivessem com a mãe, em casa alugada, e viesse a mãe também a falecer, onde iriam morar? São proprietários de uma casa (ou parte ideal dela), mas nela não podem residir.
PASSARELLI, Luciano Lopes, in: O direito real de habitação no direito das sucessões. Revista de Direito Imobiliário, nº 59. Revista dos Tribunais, São Paulo: 2005, pag. 127.
A preocupação externada pelo autor, no exemplo por ele construído, quase que se materializa por inteiro neste recurso especial, com alguns agravantes já estabelecidos:
Existirem, neste processo, filhos do segundo casamento, igualmente herdeiros por cabeça, que embora também não possam dispor do patrimônio herdado, usufruem dele, pois convivem com a mãe habitadora;
Um das recorrentes apresenta idade próxima à da habitadora, de onde se presume que se ela vier, em algum momento futuro, a usufruir do patrimônio, o fará por pequeno lapso temporal, existindo até mesmo a concreta possibilidade de nunca fazê-lo;
O fato de a segunda recorrente ser interdita, e embora não se declare a razão dessa interdição, a circunstância indica a existência de condição especial, que merece igualmente a proteção do Estado.
Dessa forma, a relação entre as recorrentes – que em conjunto detém a fração ideal correspondente a ¼ do imóvel – e os recorridos, apesar da previsão legal de direito real de habitação para a recorrida REGINA DEFÁTIMA BICUDO PROTO, não pode ter outro tratamento que não aquele que usualmente se dá ao condomínio, outorgando-se, por conseguinte, a aplicação do disposto no art. 629 do CC-16, que prevê a possibilidade de um dos condôminos exigir, a qualquer tempo, a divisão da coisa comum.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para reformar o acórdão e julgar procedente o pedido inicial, restabelecendo a sentença que determinava a alienação judicial do imóvel, conforme previsto nos arts. 686 e seguintes do CPC.
Ônus sucumbenciais conforme fixados em sentença.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2009⁄0150803-3 REsp 1134387 ⁄ SP
Números Origem: 200801649110 2500074801 85272000
PAUTA: 16⁄10⁄2012 JULGADO: 16⁄10⁄2012
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Condomínio
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Massami Uyeda.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.134.387 - SP (2009⁄0150803-3) (f)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
VOTO-VISTA (DIVERGENTE)
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:
1.- As ora recorrentes, filhas do primeiro casamento do falecido, moveram ação de dissolução de condomínio contra a segunda esposa e as filhas do segundo casamento do genitor, que vivem no imóvel em decorrência do direito de habitação, nos termos do art. 1611, do Cód. Civil de 1916, sustentando, as recorrentes, violação do seu § 2º, que dispunha: "Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime decomunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar".
O Voto da E. Relatora dá provimento ao Recurso Especial, determinando a alienação judicial do bem, reformando o Acórdão ora recorrido e restabelecendo a sentença de 1º Grau.
Meu voto diverge do Voto da E. Relatora, consignando, embora, o enorme respeito pela extraordinária qualidade do voto, como do feitio de S. Exa.
No sentido da manutenção do Acórdão, com o improvimento do Recurso, aliás, é o cuidadoso parecer da Procuradoria Geral, proferido pelo E. Subprocurador Geral MAURÍCIO VIEIRA BRACKS.
2.- É que, no sentido do Acórdão ora recorrido, é a jurisprudência assente desta Corte, que deve ser mantida, inclusive em homenagem à segurança das relações jurídicas, que já vem observando a interpretação do Direito tal como firmada por este Tribunal.
Postas à parte as digressões a respeito das razões históricas e da natureza jurídica do instituto do direito de habitação, que garante a casa de moradia ao cônjuge supérstite, casado sob o regime da comunhão de bens, enquanto viver e não contrair novas núpcias, é de se assinalar a constância dos julgados nesse sentido, como lembrou o próprio Acórdão recorrido e vem, agora, reafirmado nas contrarrazões ao Recurso Especial.
Destaquem-se os julgados que firmaram há tempos essa orientação, mediante oportuna transcrição:
"Embargos de terceiro. Direito real de habitação. Art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916. Usufruto. Renúncia do usufruto: repercussão no direito real de habitação. Registro imobiliário do direito real de habitação. Precedentes da Corte. 1. A renúncia ao usufruto não alcança o direito real de habitação,que decorre de lei e se destina a proteger o cônjuge sobrevivente mantendo-o no imóvel destinado à residência da família. 2. O direito real de habitação não exige o registro imobiliário. 3. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 565820⁄PR, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 16.09.2004, DJ 14.03.2005 p. 323).
"Civil. cônjuge sobrevivente. imóvel. direito real de habitação. 1. Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no § 2º, do art. 1.611, do Código Civil de 1916.2. Neste contexto, recusa o entendimento pretoriano, a extinção do condomínio pela alienação do imóvel arequerimento do filho, também herdeiro.2. Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença julgando improcedente a ação de extinção de condomínio" (REsp 234276⁄RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 14.10.2003, DJ 17.11.2003 p. 329). (gn)
"Viúvo. Direito de habitação. Imóvel residencial. Condomínio. Alienação de bem comum indivisível.
O viúvo, casado sob o regime de comunhão universal de bens, tem o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Improcedência da ação de extinção de condomínio e alienação judicial da coisa comum. Art. 1.611, § 2º, do Código Civil. Recurso Conhecido e provido.
(...) Os pressupostos de fato desse direito estão expostos nos autos, e sobre eles não se contende, de sorte que a decisão pode ser desde logo tomada, aplicando-se o direito.
Na forma do que dispõe o art. 1.611 do Código Civil, está preservado ao cônjuge sobrevivente o direito de continuar morando no imóvel destinado à moradia da família. Acresce que, no caso dos autos, metade desse bem corresponde à meação do viúvo, que tem interesse em continuar dele desfrutando.Sendo assim, a exigência de alienação do bem para extinção do condomínio, feita pela filhas e também condôminas, fica paralisada diante do direito real de habitação titulado ao pai.
É elogiável a regra legal ora em exame, resguardando o interesse do cônjuge sobrevivente, formador da família e, muitas vezes, o principal responsável pela construção do patrimônio, resguardando o direito mínimo de dispor de uma morada, contra o anseio dos herdeiros em se apropriarem da herança, ainda que deixando um dos pais ao desabrigo.
Posto isso, conheço e dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a ação, com inversão dos ônus da sucumbência."(STJ, 4ª T., REsp. 107273⁄PR, Rel. Ruy Rosado Aguiar, DF 17⁄03⁄97).
"Alienação de coisa comum. Imóvel residencial. Direito de habitação. Cônjuge sobrevivente. O viúvo, casado sob o regime de comunhão universal de bens, tem o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência de família. (STJ) Improcedência da ação de extinção de condomínio e alienação judicial de coisa comum. Apelação provida. Unânime. (7fls)" (Apelação cível n° 597150366, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, julgado em 26⁄10⁄00).
"Extinção de condomínio procedente. Realização de alienação judicial. Preserva-se o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente enquanto viver e não constituir nova união ou casar. Apelo parcialmente provido. Unânime. (4fls)" (Apelação cível n° 598271781, Vigésima Câmara Cível,Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Rubem Duarte, julgado em 21⁄09⁄99).
"Apelação cível. Ação de extinção de condomínio. Preliminar de carência de ação afastada. O pedido refere-se apenas a extinção de condomínio e não a venda do bem. Desnecessidade de notificação prévia. Mérito. Direito real de habitação em favor do cônjuge sobrevivente, casada sob o regime dacomunhão universal. Aplicação do § 2º do art. 1.611 do código civil. Precedentes. Apelo provido" (Apelação cível nº 70004867263, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Breno Pereira da Costa Vasconcellos, julgado em 12⁄09⁄2002).
"Embargos de terceiro. Direito real de habitação. Art. 1.611, § 2°, do código civil de 1916. Usufruto. Renúncia do usufruto: repercussão no direito rela de habitação. Registro imobiliário do direito real de habitação. Precedentes da corte. 1. A renúncia ao usufruto não alcança o direito real de habitação, que decorre de lei e se destina a proteger o cônjuge sobrevivente mantendo-o no imóvel destinado à residência da família. 2. O direito real de habitação não exige o registro imobiliário. 3. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 565.820⁄PR, rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 16.09.2004, DJ 14.03.2005 p. 323).
"Civil. Cônjuge sobrevivente. Direito real de habitação. CC, arts. 1.611, par. 2., 715 e 748. Registro. Art. 167, I, 7, da lei 6.015⁄1973. Dispensabilidade. Direito decorrente do direito de família. Recurso desacolhido. – O direito real de habitação em favor do cônjuge sobrevivente se da "ex vi legis", dispensando o registro no álbum imobiliário, já que se guarda estreita relação com o direito de família" (REsp 74729⁄SP, rel. Ministro Sálvio de figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 09.12.1997, DJ 02.03.1998 p. 93).
"CIVIL. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. IMÓVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. 1. Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no §2°, do art. 1.611, do Código Civil de 1916. 2. Neste contexto, recusa o entendimento pretoriano, a extinção do condomínio pela alienação do imóvel a requerimento do filho, também herdeiro. 2. Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença julgando improcedente a ação de extinção de condomínio." (STJ, 4ª T., REsp. 234276⁄RJ, Rel. Fernando Gonçalves, DJ 14⁄10⁄03).
3.- O Voto da E. Ministra Relatora extravasa as alegações das partes, frustrando a oportunidade de contraditório da parte contrária, de modo que, a rigor, vai além da matéria pré-questionada pelo prévio contraditório.
Ademais, a distinção entre casos de direito de habitação relativos a "famílias com verticalidade homogêneas" não está na lei, que, se o desejasse, teria distinguido, o que não fez, de modo que realmente pretendeu, o texto legal, amparar o cônjuge supérstite que reside no imóvel do casa (no caso, modesta casa situada no interior, já tendo sido, nas alegações da parte contrária, transferido todo o patrimônio do "de cujus" à anterior esposa e às ora recorrentes, quando da separação).
Note-se que mesmo o novo Código Civil, que, se esse fosse o sentir da sociedade, por intermédio do Poder Legislativo, e sob a mesma Constituição que ora se aplica, poderia haver alterado o regramento da matéria, mas se limitou, no art. 1831, na essência, a repetir o texto do Código Civil de 1916: "Ao cônjugesobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao impossível destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar".
4.- Anote-se, ademais, que o arrimo da interpretação jurídica estabilizada a respeito do direito de habitação, vem-se construindo todo o arcabouço relativo às novas relações familiares, via união estável, como é exemplo o precedente que segue:
"DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.
1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens.
2.- A Lei nº 9.278⁄96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento.
3.- A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situaçãodo cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002.
4.- Recurso Especial improvido."(STJ, 3ª T., REsp. 821660⁄DF, Rel. Sidnei Beneti, Dj 14.6.11).
5.- É certo que doutrinadores de respeito, lembrados pelo voto da E. Relatora, propugnaram por interpretação diversa (LUCIANO LOPES PASSARELLI, "O Direito real de habitação no direitos das sucessões", em Revista de Direito Imobiliário nº 59).
Mas as observações centrais do escrito doutrinário em causa, em primeiro lugar não têm o condão de alterar o texto de lei (muito menos retroativamente, pois, no caso, é aplicada a disposição do Código Civil de 1916), e, em segundo lugar, como se vê da própria citação, preocupou-se, o escrito, com situação que envolve menores, de que aqui absolutamente não se cogita, ainda que fosse envolver pessoa portadora de necessidades especiais, evidenciando, na verdade, influência de alguma questão concreta, quiçá submetida ao exame opinativo, ensejando posicionamento em apoio a solução individual, de que não se deve, pena de invadir a esfera legislativa, extrair orientação contra-legem e contrária à jurisprudência de há muito tranquilizada – o que sem dúvida viria a trazer a cizânia à convivência social relativamente à delicada matéria.
6.- Pelo exposto, pedindo vênia à E. Relatora – e verdadeiramente contristado de não poder acompanhar a majestade da exposição constante do voto, pelo meu voto nega-se provimento ao Recurso Especial.
Ministro SIDNEI BENETI
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2009⁄0150803-3 REsp 1.134.387 ⁄ SP
Números Origem: 200801649110 2500074801 85272000
PAUTA: 18⁄12⁄2012 JULGADO: 18⁄12⁄2012
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Condomínio
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, divergindo da Sra. Ministra Nancy Andrighi, negando provimento ao recurso especial, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pediu vista o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.134.387 - SP (2009⁄0150803-3) (f)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO:
Eminentes Colegas, pedi vista dos autos de forma a mais bem analisar a controvérsia que se desenvolve, especialmente em face das percucientes razões trazidas nos votos dos eminentes ministros que me antecederam.
Está-se no curso de ação de dissolução de condomínio proposta pelos filhos do primeiro casamento do de cujus contra os filhos do seu segundo casamento e a cônjuge supérstite, mãe destes e não daqueles.
A eminente Ministra Nancy Andrighy, analisando o instituto do direito real de habitação, entendeu, em apertada síntese, que ele deve estar circunscrito aos lindes da família tradicional, por sua excelência definida, para fins do presente direito real, como aquela em que a prole tenha ancestralidade comum, ou seja, apenas entre pais e filhos vigeria o direito de habitação.
Ressaltou, ainda, a necessidade de evitar-se a supressão, talvez perene, do direito de propriedade conquistado pelos filhos, tendo em vista a proximidade das idades de um dos requerentes sucessores e a cônjuge supérstite.
O eminente Ministro Sidnei Beneti, acompanhado pelo Ministro Ricardo Cueva, reconheceu necessário resguardar-se interpretação que há muito vem sendo conferida ao instituto em questão, preservando-se o cônjuge que nele habite.
Ressaltou, sua excelência, ainda, inexistir na lei previsão que permita, em face do vínculo mantido entre o cônjuge e os filhos herdeiros, afastar o direito real de habitação por contenderem filhos de famílias diversas.
Com a mais respeitosa vênia da Ministra Nancy, estou em acompanhar a divergência.
O instituto do direito real de habitação secularizou-se com um enunciado normativo que pretende resguardar a moradia do cônjuge⁄companheiro supérstite.
Compreendo a preocupação da Ministra Nancy, estampada em seu sempre bem fundamentado voto.
No entanto, a jurisprudência desta Corte, quando se viu chamada a interpretar os enunciados normativos dos arts. art. 1.611, §2º, do CC⁄16, e 1.831 do CC⁄02 sobrelevou, no mais das vezes, o interesse do cônjuge ou companheiro supérstite, e tão-somente este, pois assim o diz a lei.
Ilustro:
UNIÃO ESTÁVEL. 1) DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE, NA RESIDÊNCIA EM QUE VIVIA O CASAL. EXISTÊNCIA DE OUTRO IMÓVEL RESIDENCIAL QUE NÃO EXCLUI ESSE DIREITO. 2) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
FIXAÇÃO POR EQUIDADE. MAJORAÇÃO NECESSÁRIA. 3) RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1.- O direito real de habitação, assegurado, devido à união estável, ao cônjuge sobrevivente, pelo art. 7º da Lei 9287⁄96, incide, relativamente ao imóvel em que residia o casal, ainda que haja mais de um imóvel residencial a inventariar.
2.- Esta Corte admite a revisão de honorários, pelo critério da equidade (CPC, art. 20, § 4º), quando o valor fixado destoa da razoabilidade, revelando-se irrisório ou exagerado, ocorrendo, no caso concreto, a primeira hipótese, pois estabelecidos em R$ 750,00, devendo ser majorados para R$ 10.000,00. Inviável conhecimento em parte para elevação maior pretendida, em respeito ao valor dado à causa pela autora.
3.- Recurso Especial conhecido, em parte, e nessa parte provido, reconhecendo-se o direito real de habitação, relativamente ao imóvel em que residia o casal quando do óbito, bem como elevando-se ovalor dos honorários advocatícios.
(REsp 1220838⁄PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19⁄06⁄2012, DJe 27⁄06⁄2012)
DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. POSSIBILIDADE. VIGÊNCIA DO ART. 7° DA LEI N. 9.278⁄96. RECURSO IMPROVIDO.
1. Direito real de habitação. Aplicação ao companheiro sobrevivente.
Ausência de disciplina no Código Civil. Silêncio não eloquente. Princípio da especialidade. Vigência do art. 7° da Lei n. 9.278⁄96. Precedente: REsp n. 1.220.838⁄PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,TERCEIRA TURMA, julgado em 19⁄06⁄2012, DJe 27⁄06⁄2012.
2. O instituto do direito real de habitação possui por escopo garantir o direito fundamental à moradia constitucionalmente protegido (art. 6º, caput, da CRFB). Observância, ademais, ao postulado dadignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III, da CRFB).
3. A disciplina geral promovida pelo Código Civil acerca do regime sucessório dos companheiros não revogou as disposições constantes da Lei 9.278⁄96 nas questões em que verificada a compatibilidade. Alegislação especial, ao conferir direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, subsiste diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal direito àqueles que convivem em união estável. Prevalência do princípio da especialidade.
4. Recurso improvido.
(REsp 1156744⁄MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09⁄10⁄2012, DJe 18⁄10⁄2012)
DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.
1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família,desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens.
2.- A Lei nº 9.278⁄96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes,independentemente do regime de bens do casamento.
3.- A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir peladerrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foifinalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002.
4.- Recurso Especial improvido.
(REsp 821.660⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14⁄06⁄2011, DJe 17⁄06⁄2011)
Embargos de terceiro. Direito real de habitação. Art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916. Usufruto. Renúncia do usufruto: repercussão no direito real de habitação. Registro imobiliário do direito real dehabitação. Precedentes da Corte.
1. A renúncia ao usufruto não alcança o direito real de habitação, que decorre de lei e se destina a proteger o cônjuge sobrevivente mantendo-o no imóvel destinado à residência da família.
2. O direito real de habitação não exige o registro imobiliário.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 565.820⁄PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄09⁄2004, DJ 14⁄03⁄2005, p. 323)
CIVIL. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. IMÓVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO.
1. Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no § 2º, do art.1.611, do Código Civil de 1916.
2. Neste contexto, recusa o entendimento pretoriano, a extinção do condomínio pela alienação do imóvel a requerimento do filho, também herdeiro.
2. Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença julgando improcedente a ação de extinção de condomínio.
(REsp 234.276⁄RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 14⁄10⁄2003, DJ 17⁄11⁄2003, p. 329)
VIÚVO. DIREITO DE HABITAÇÃO. IMÓVEL RESIDENCIAL. CONDOMINIO. ALIENAÇÃO DE BEM COMUM INDIVISÍVEL. O VIÚVO, CASADO SOB O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, TEM O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO RELATIVAMENTE AO IMÓVEL DESTINADO A RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMINIO E ALIENAÇÃO JUDICIAL DE COISA COMUM.
ART. 1.611, PAR. 2. DO CCIVIL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 107.273⁄PR, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 09⁄12⁄1996, DJ 17⁄03⁄1997, p. 7516)
Note-se que a evolução jurisprudencial na interpretação dessas normas, em face do direito por elas resguardado, não foi exclusiva, mas inclusiva.
O legislador, da mesma forma, acedeu a esse ritmo, incrementando as hipóteses de direito real de habitação por força de lei, já que, no Código Civil de 16, a partir de 1964, estava ele circunscrito aos cônjuges, e apenas a estes, casados em comunhão universal, e tão-somente sob esse regime, estendendo a quaisquer regimes de casamento, às uniões estáveis (Lei 9.278⁄96), bem como dilatando o seu termo final, comprometido com a preservação do valor imanente à norma, que é a proteção da habitação do cônjuge ou companheiro que remanesce.
Limitar-se o cabimento do direito real de habitação às famílias em que a prole tenha ancestralidade comum, quando a lei elege como requisito principal e determinante para o nascimento do direito: a) a situação jurídica de cônjuge⁄companheiro e b) o fato de este residir, quando do passamento, no imóvel (único), desafiaria, como bem registrou o Min. Beneti, a linha interpretativa até então impressa por essa Corte, fragilizando os fundamentos centrais pelos quais se instituiu esse direito, quais sejam, a solidariedade, amútua assistência e a dignidade da pessoa humana, sob a faceta do direito constitucional à moradia.
Com essas breves considerações, com a vênia da eminente relatora, acompanho à divergência, negando provimento ao recurso especial.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2009⁄0150803-3 REsp 1.134.387 ⁄ SP
Números Origem: 200801649110 2500074801 85272000
PAUTA: 16⁄04⁄2013 JULGADO: 16⁄04⁄2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MÔNICA PROTO DARIOLLI E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO RAMOS NOVELLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : REGINA DE FÁTIMA BICUDO PROTO E OUTROS
ADVOGADO : RICARDO LUIZ IASI MOURA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Condomínio
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial. Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Sidnei Beneti os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villlas Bôas Cueva. Não participou do julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Nenhum comentário:

Postar um comentário