quarta-feira, 21 de maio de 2014

Responsabilidade do empreiteiro. Aspectos. Perfeição da obra. Interpretação

"No intuito de melhor elucidar o tema, transcrevem-se os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: A responsabilidade do empreiteiro pode ser analisada sob os seguintes aspectos: a) quanto aos riscos da obra; b) quanto à solidez e a segurança dos edifícios e outras construções consideráveis; c) quanto à perfeição da obra; d) quanto à responsabilidade pelo custo dos materiais; e e) quanto aos danos causados a terceiros. [...] A responsabilidade pela perfeição da Obra, embora não consignada no contrato é de presumir-se em todo ajuste de construção como encargo ético-profissional do construtor. Isto porque a construção civil é, moderadamente, mais que um empreendimento leigo, um processo técnico-artístico de composição e coordenação de materiais e de ordenação de espaços para atender às múltiplas necessidades do homem. Dentro dessa conceituação, o construtor contemporâneo está no dever ético-profissional de empregar em todo trabalho de sua especialidade, alem da peritia artis dos práticos do passado, a peritia technica dos profissionais da atualidade. Fundada nessa responsabilidade é que o Código Civil autoriza o cliente a rejeitar a obra imperfeita ou defeituosa (Art. 615) ou a recebê-la com abatimento do preço, se assim lhe convier (Art. 616). O Código de Defesa do Consumidor, no entanto, fornece um leque de opções ao consumidor, em caso de vícios na obra. Na hipótese de empreitada de lavor, caberá ao consumidor optar entre as possibilidades oferecidas pelos incisos do art. 20 do mesmo Código. [...] (Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 8ª ed. Saraiva: São Paulo, 2011, p. 379".

Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 2009.033330-8, de Balneário Camboriú.
Relator: Des. Stanley da Silva Braga.
Data da decisão: 04.04.2013.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE PAGAMENTO DOS SERVIÇOS PRESTADOS. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS DO AUTOR E ACOLHEU AS INSURGÊNCIAS DA RÉ EM SEDE DE RECONVENÇÃO. INCONFORMISMO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE NÃO FORAM FORNECIDOS OS MATERIAIS NECESSÁRIOS À EXECUÇÃO DA OBRA. ABANDONO INJUSTIFICADO. PRESENÇA DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DECORRENTES DE MÁ EXECUÇÃO. CONTRATAÇÃO DE OUTROS PROFISSIONAIS PARA O TÉRMINO DA OBRA. IRRELEVÂNCIA. DEFEITOS DECORRENTES DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO INSURGENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS FATOS ALEGADOS. DESCUMPRIMENTO DO REGRAMENTO CONSTANTE NO ART. 333, INC. I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PLEITO DE PAGAMENTO DA ÚLTIMA PARCELA REFERENTE AO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES CONDICIONADO AO TÉRMINO DOS TRABALHOS E À ENTREGA DAS CHAVES. INOCORRÊNCIA POR CULPA DO EMPREITEIRO QUE ABANDONOU A OBRA SEM JUSTA CAUSA. VERBA INDEVIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. De acordo com o preceito constante no art. 333, I, do Código de Processo Civil, o ônus da prova, quanto ao fato constitutivo de seu direito, cabe ao autor da demanda. Na ausência de elementos que corroborem com a versão dada na exordial, judiciosa é a conclusão pela improcedência do pedido. Responde o empreiteiro, na modalidade de empreitada de lavor, pelos defeitos e pelas imperfeições decorrentes dos serviços prestados e, em se tratando de típica relação de consumo, incide a disposição constante no art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, desta forma, pode o dono da obra optar pelo custeio da contratação de terceiro profissional para a realização dos reparos necessários. Diante da existência de cláusula contratual pactuada pelas partes prevendo o pagamento da última parcela com a entrega das chaves, que se dá com o término da obra, exime-se o contratante de quitar referido valor caso o empreiteiro abandone os serviços sem motivo justificado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.033330-8, da comarca de Balneário Camboriú (2ª Vara Cível), em que é apelante Fabian José Schwinden, e apelado Eliane Aparecida Ferraz dos Santos de Aquino:
A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jaime Luiz Vicari, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Joel Dias Figueira Júnior.
Florianópolis, 4 de abril de 2013.
Stanley da Silva Braga
Relator
RELATÓRIO
Nos termos da decisão de Primeiro Grau (fls. 192-199):
"Trata-se de AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM PAGAMENTO DOS SERVIÇOS EFETIVADOS E CONTRATADOS aforada por FABIAN JOSÉ SCHWINDEN em face de ELIANE APARECIDA FERRAZ DOS SANTOS DE AQUINO, ambos qualificados.
O requerente alega, em síntese que: a) firmou contrato particular de locação de serviços de mão-de-obra de empreitada com a requerida, no qual se propôs edificar uma casa de 254 m² (duzentos e cinquenta e quatro metros quadrados) pelo preço de R$ 110,00 (cento e dez reais) por metro quadrado; b) cumpriu com todas as obrigações contratuais e não recebeu os valores pertinentes ao que foi contratado, faltando o pagamento, pela requerida, da parcela final bem como de valores correspondentes a serviços extras; c) notificou extrajudicialmente a requerida com o objetivo de receber os valores devidos; d) foi contra-notificado pela requerida, a qual alegou falhas na execução dos serviços, não observância do prazo para entrega da obra e que não contratou serviços extras; e) as alegações de atraso na entrega da obra são injustificadas posto que os acréscimos na obra deram causa ao eventual atraso; f) pelo contrato, a requerida ficou responsável pelo fornecimento dos materiais destinados á obra.
Ao final, requereu a condenação da requerida ao pagamento de R$ 14.488,00 (quatorze mil, quatrocentos e oitenta e oito reais).
Citada, a requerida contestou dizendo, resumidamente, que: a) o contrato firmado entre as parte é "Contrato de Empreitada de Lavor por Preço Fixo Absoluto" e não de locação de serviços; b) como funcionária pública é hiposuficiente na área de construção civil, devendo ser aplicadas as regras do código de devesa do consumidor no tocante á interpretação do contrato; c) o contrato realizado é contrato de adesão; d) o trabalho lhe impedia de acompanhar diariamente a obra e que no período, residia na casa de sua mãe, longe da construção; e) já efetuou pagamento de R$ 22.250,00 (vinte e dois mil, duzentos e cinquenta reais) e pelo fato de o requerente não ter acabado a obra, não efetuou o pagamento da última parcela, pois segundo o contrato, este somente deveria ser efetuado no ato da entrega das chaves pelo requerente, com a obra concluída; f) forneceu todos os materiais para a realização da obra; g) ante o abandono da obra pelo requerente, a requerida teve que contratar outro profissional para terminar a construção; h) foram constatados vários defeitos na obra pelo novo profissional e também pela engenheira arquiteta contratada para efetuar perícia na obra; g) que houve uma pequena alteração no projeto inicial da casa, havendo, por isso, um acréscimo de 10 m² (dez metros quadrados), o que foi negociado diretamente com o requerente.
Ao final, requereu a aplicação dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor no tocante à inversão do ônus da prova, bem como do artigo 112 do Código Civil, além da improcedência dos pedidos da inicial.
A requerida ainda apresentou reconvenção às fls. 87/113 requerendo, em suma, a nomeação de perito técnico em construção civil para constatar os problemas existentes na edificação, a condenação do reconvindo/requerente ao pagamento da mão-de-obra e do material gastos para sanar os vícios apontados pelo profissional técnico, além de outros pedidos de praxe.
Houve réplica e manifestação sobre a reconvenção às fls. 117/120.
Em audiência de instrução e julgamento (fls.172) as partes alegaram não haver mais provas a produzir.
Alegações finais por memoriais às fls. 176/179 e 180/183".
Restando o litígio assim decidido na Instância a quo:
"Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor na inicial, com base no artigo 269, inciso I, do CPC.
Noutro norte, JULGO PROCEDENTES os pedidos feitos em matéria de reconvenção pela reconvinte, também com fulcro no artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o requerente/reconvindo ao pagamento da mão-de-obra e do material necessários para sanar os problemas constatados na construção contratada, valores estes a serem apurados em fase de liquidação de sentença.
CONDENO o requerente/reconvindo ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 15% sobre o valor da condenação, com base no artigo 20, § 3.º do Código de Processo Civil".
Foi aforado Recurso de Apelação Cível (fls. 206-209) por Fabian José Schwinden que teceu argumentação e concluiu requerendo a reforma da sentença impugnada para que sejam acolhidos os pedidos constantes na exordial e improcedentes os pleitos da reconvenção.
Para tanto alega, em síntese, que diante da sua condenação em fornecer mão-de-obra e materiais necessários à reparação dos vícios construtivos aferidos na residência da recorrida, deve estar se compelida ao fornecimento dos materiais necessários e ao pagamento da última parcela referente aos serviços prestados de acordo com o contrato entabulado entre as partes.
Prossegue afirmando que consoante se denota da notificação acostada ao feito com a exordial abandonou a obra em virtude da falta de materiais, razão pela qual não pode ser penalizado pelo descumprimento da avença.
Aduz que o defeitos constantes na obra não foram ocasionados pelos serviços prestados e sim por terceiro que a recorrida contratou para finalizar a construção.
As contrarrazões foram oferecidas às fls. 21-218.
Regularmente preparado, a tempo e modo, ascenderam os autos a esta Instância.
Este é o relatório.
VOTO
Da admissibilidade:
Presentes os pressupostos legais o recurso é conhecido.
Do julgamento:
Preliminares:
Não foram suscitadas preliminares.
Mérito:
Da obrigação contratual:
Trata-se de recurso de apelação cível proposta em face da sentença prolatada nos autos da ação de "rescisão contratual cumulada com pagamento dos serviços efetivados e contratados", proposta por Fabian José Schwinden em desfavor de Eliane Aparecida Ferraz, a qual julgou improcedentes os pedidos constantes na exordial e acolheu os pedidos constantes na reconvenção, tendo condenado o autor, ora recorrente, ao pagamento da mão-de-obra e do material necessários para sanar os problemas verificados na obra contratada.
Aduz o apelante que não terminou a obra nos termos contratados pelas partes porque a apelada não forneceu o material necessário à execução dos serviços, tendo, inclusive, a notificado por escrito do ocorrido.
Prossegue afirmando que assim que deixou de prestar os serviços para a recorrida esta contratou outro profissional para finalizar a obra, razão pela qual não há como afirmar que os danos encontrados são resultantes dos trabalhos por ele efetivados, não podendo ser compelido a realizar referidos reparos.
Sustentou, ainda, que caso seja mantida a obrigação de arcar com a mão-de-obra da reforma, deve a recorrida ser condenada a fornecer os materiais necessários, pois o descumprimento contratual se deu em decorrência da sua desídia em fornecer os insumos necessários.
Antes de adentrar no deslinde da controvérsia, imperioso tecer algumas considerações acerca da modalidade de contrato em questão e da legislação aplicável ao caso em comento.
Extrai-se da exordial que as partes pactuaram um contrato particular de locação de serviços de mão-de-obra para empreitada (fls. 6-7) mediante o qual o apelante se obrigou a realizar a construção da casa da recorrida, tendo se responsabilizado pela execução de todas as etapas da obra, quais sejam, alvenaria, pintura e hidráulica.
Das características extraídas da avença acordada entre as partes, consoante bem anotou o magistrado singular, infere-se a existência de um contrato típico de empreitada de lavor que se carateriza pela contratação de prestação de serviços de mão-de-obra.
Referida modalidade de contrato está prevista no art. 610 do Código Civil, vebis:
Art. 610. O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais.
§ 1o A obrigação de fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
§ 2o O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo, ou de fiscalizar-lhe a execução.
Compulsando os autos infere-se que a controvérsia reside em averiguar se o autor/reconvindo deve ser responsabilizado pelos defeitos constatados na edificação e se de fato houve desídia por parte da ré/reconvinte no fornecimento dos insumos necessários, contudo, antes de adentrar no mérito da contenda, tecem-se algumas considerações sobre as responsabilidades do dono da obra e do empreiteiro.
Acerca do tema prescreve o Código Civil:
Art. 612. Se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono.
Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.
[...]
Art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza.
Art. 616. No caso da segunda parte do artigo antecedente, pode quem encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço.
[...] Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos.
Destaca-se, ainda, que por se tratar de típica relação de consumo é aplicável, igualmente, o regramento constante no art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor [...].
No intuito de melhor elucidar o tema, transcrevem-se os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
A responsabilidade do empreiteiro pode ser analisada sob os seguintes aspectos: a) quanto aos riscos da obra; b) quanto à solidez e a segurança dos edifícios e outras construções consideráveis; c) quanto à perfeição da obra; d) quanto à responsabilidade pelo custo dos materiais; e e) quanto aos danos causados a terceiros.
[...] A responsabilidade pela perfeição da Obra, embora não consignada no contrato é de presumir-se em todo ajuste de construção como encargo ético-profissional do construtor. Isto porque a construção civil é, moderadamente, mais que um empreendimento leigo, um processo técnico-artístico de composição e coordenação de materiais e de ordenação de espaços para atender às múltiplas necessidades do homem. Dentro dessa conceituação, o construtor contemporâneo está no dever ético-profissional de empregar em todo trabalho de sua especialidade, alem da peritia artis dos práticos do passado, a peritia technica dos profissionais da atualidade.
Fundada nessa responsabilidade é que o Código Civil autoriza o cliente a rejeitar a obra imperfeita ou defeituosa (Art. 615) ou a recebê-la com abatimento do preço, se assim lhe convier (Art. 616). O Código de Defesa do Consumidor, no entanto, fornece um leque de opções ao consumidor, em caso de vícios na obra. Na hipótese de empreitada de lavor, caberá ao consumidor optar entre as possibilidades oferecidas pelos incisos do art. 20 do mesmo Código. [...] (Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 8ª ed. Saraiva: São Paulo, 2011, p. 379.
Ressalvados os aspectos legais e doutrinários aplicáveis ao caso em comento, procede-se à análise das razões do presente recurso.
Primeiramente, no tocante à alegada ausência de fornecimento do material de construção, denota-se que não há nenhum elemento nos autos, a não ser notificação exarada pelo recorrente constante à fl. 10, que corrobore com suas afirmações.
Em contrapartida, a recorrida acostou ao feito diversas notas de compras de materiais de construção datadas de outubro de 2003 à janeiro de 2004, ou seja, em período correspondente aos últimos meses de prestação de serviços por parte do insurgente, as quais indicam que foram fornecidos os materiais demandados, outrossim, foi acostada ao feito a resposta referente à notificação exarada pelo empreiteiro, na qual a contratante nega qualquer desídia nesse sentido, atribuindo o abandono da obra a fatores diversos (fls. 8, 66 e 67).
Destarte, os elementos constantes no caderno processual indicam que não houve ausência ou atraso na concessão dos insumos necessários para a execução da obra, desta forma, infere-se que o recorrente não logrou êxito em comprovar à alegada desídia no fornecimento de materiais, descumprindo, nesse passo, o regramento constante no art. 333, inc. I do Código de Processo Civil, o qual incumbe ao autor da demanda comprovar os fatos constitutivos de seu direito.
A respeito da produção de provas e do que dela resulta no processo, importa citar lição doutrinária:
Distinguem-se, juridicamente, ônus e obrigações. Estas são imposições, determinações de conduta: o obrigado tem que realizar alguma prestação. Os ônus não possuem caráter cogente: a parte pode escolher entre à conduta ou não; no entanto, desatendida, há consequência desfavorável. Eis o caso das provas. O autor tem o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito (art. 333, inc. I). Não é obrigado a fazê-lo; descumprida a possibilidade, advirá sequela: o pedido poderá ser rechaçado, posto que se entende inexistente o fato alegado (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de Direito Processual Civil: roteiros de aula - processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 601).
Nesse sentido, deste Relator:
[...] De acordo com o preceito constante no art. 333, I, do Código de Processo Civil, o ônus da prova, quanto ao fato constitutivo de seu direito, cabe ao autor da demanda. Na ausência de elementos que corroborem com a versão dada na exordial, judiciosa é a conclusão pela improcedência do pedido (Apelação Cível n. 2012.028952-4, de Anita Garibaldi, j. 22-11-2012).
De outro norte, em relação aos defeitos verificados na obra, a situação não diverge; a afirmação de que os estragos não são decorrentes dos serviços prestados, mas sim do profissional contratado para acabar a obra, não merece prosperar, pois não há nos autos nehuma evidência nesse sentido.
Da leitura do laudo pericial acostado ao feito pela apelada, datado 30 de março de 2004, denota-se a existência dos seguintes vícios construtivos:
[...] 1 - FACHADA / LAT. ESQUERDA - ENTRADA DE LUZ E TELEFONE ABERTA FRONTALMENTE, ABAIXO DO BEIRAL.
2 - GARAGEM - ALGUNS PISOS SOLTOS, FIAÇÃO DE LUZ/TETO, APARENTE, PAREDES LATERAIS COM UMIDADE EXCESSIVA CAUSANDO BOLHAS NA PINTURA EXISTENTE.
3 - PORTAS E JANELAS - ESQUADRIAS MAL PINTADAS, VISIVELMENTE APARENTE, DEIXANDO OS VIDROS BORRADOS, E, DOBRADIÇAS COM RESPINGOS DE TINTA, NÃO PODENDO SER LIXADAS.
4 - ÁREA DE SERVIÇO - TELHADO COM INFILTRAÇÃO NAS TELHAS, SENDO ESTAS ACAVALADAS.
5 - COPA/COZINHA - BALCÃO DO FOGÃO SEM TOMADAS, SEM FIAÇÃO PARA DICRÓICAS ACIMA D PIA, SEM FIAÇÃO PARA LUMINÁRIA NO TETO DE GESSO, NA COPA, ASSIM COMO APRESENTA UMIDADE NAS PAREDES LATERAIS DA COPA, CAUSANDO BOLHAS NA PINTURA EXISTENTE.
6 - SACADA/SUÍTE - SEM REBAIXO ADEQUADO DE - 0,5 CM NO MÍNIMO, ONDE QUANDO CHOVE, CAUSA ALAGAMENTO/PISO DA SUÍTE.
7 - CAIXAS DE PASSAGENS/ESGOTO - ESTÃO LACRADAS, NÃO PERMITINDO NO HABITE-SE, SUA VERIFICAÇÃO.
8 - BWC / SUÍTE/ FILHA - TRINCOS NO REBOCO, NA PAREDE EXTERNA.
9 - SALA COMERCIAL / PAV TÉRREO - ESTA INACABADA, SEM FIAÇÃO NENHUMA, FALTANDO ACABAR O WC.
10 - TELHADO - TODO COM INFILTRAÇÕES, PRINCIPALMENTE NA SALA/TV, PROVAVELMENTE MAL COLOCADAS.
OBS: TODA SITUAÇÃO ELÉTRICA DA RESIDÊNCIA, PRECISA DE REPAROS E MANUTENÇÃO, COM FALTA DE ATERRAMENTO PARA OS CHUVEIROS, FIAÇÃO P/ BWCs P/ ARANDELAS E ETC (fl. 68).
Por outro lado, no recibo emitido pelos profissionais contratados pela recorrida para finalizar a obra, constata-se a realização de serviços no sentido de sanar as irregularidades descritas no parecer técnico supracitado (fls. 82-85); ademais, todos os comprovantes de pagamento foram emitidos após a realização da perícia técnica contratada pela recorrida, ou seja, há fortes indícios que os defeitos constatados são decorrentes dos serviços prestados pelo apelante.
Além disso, embora o insurgente tenha afirmado na réplica (fls. 117-120), quando se manifestou acerca dos eventuais reparos a serem realizados na obra, que iria comprovar que os vícios eram decorrentes dos préstimos aferidos por outro profissional, nada demonstrou nesse sentido.
Acrescenta-se, ainda, que na conclusão elaborada pelo segundo perito que vistoriou o local foram constatados defeitos compatíveis com os serviços prestados pelo recorrente e não pelos demais profissionais que trabalharam na obra. Nesse sentido transcreve-se a conclusão do laudo:
CONCLUSÃO
Através do processo investigatório é possível afirmar que, no pavimento térreo as manchas de umidade encontrada nas regiões internas e externas da alvenaria do imóvel são decorrentes da proliferação da umidade na superfície das mesmas decorrentes da falta ou má aplicação de impermeabilização.
Já no pavimento superior no mapeamento das manifestações patológicas é possível constatar manchas de umidade decorrentes de infiltração de área molhada, comprometendo o revestimento da alvenaria do closet e da cobertura da garagem e infiltração decorrentes da instalação incorreta da cobertura.
É necessário esclarecer, que foi declarado por ambas as partes (proprietário e responsável pela execução), que o acabamento das aberturas e o revestimento da alvenaria da sala de televisão necessitam de reparos.
RECOMENDAÇÕES
Recomenda-se a remoção do revestimento das regiões comprometidas pela umidade e a aplicação do procedimento de impermeabilização das mesmas (fl. 151).
Consoante já dito, um dos obreiros responsáveis pela finalização da obra efetuou a impermeabilzação da região da garagem, bem como a recolocação do telhado, no entanto, o técnico que efetuou a vistoria afirma que a umidade é decorrente de diversos fatores, tais como a ausência de aplicação de impermeabilização nas áreas externas e internas da casa e instalação incorreta da cobertura. Também foram constatados defeitos nos acabamentos das aberturas e no revestimento de alvenaria da sala de televisão que, igualmente, não correspondem aos serviços prestados pelo segundo profissional contratado.
Portanto, de acordo com os laudos apresentados pelos técnicos que vistoriaram a residência construída pelo apelante e pertencente à recorrida, não há elementos que corroborem com assertiva de que os vícios construtivos são da responsabilidade dos demais profissionais que trabalharam na obra.
Sendo assim, não tendo o recorrente, novamente, comprovado os fatos alegados, mantém-se a condenação em custear os reparos necessários, tanto no que tange à mão-de-obra a ser empregada, quanto aos materiais necessários, visto que a recorrida em nada contribuiu para o abandono da obra e pelas imperfeições nela verificadas.
A propósito, colacionam-se julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPREITEADA. ABANDONO DA OBRA E VÍCIOS CONSTRUTIVOS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. REJEIÇÃO. Tratando-se de ação de reparação de danos fundada em descumprimento de contrato de empreitada, envolvendo a construção de uma residência em terreno de propriedade do autor, e havendo elementos a evidenciar que o demandante era o beneficiário da construção e o responsável pelo pagamento da remuneração do empreiteiro, detém legitimidade para figurar no pólo ativo da ação. Irrelevância do fato de terceira pessoa haver intermediado a negociação, pois agia em nome do autor, deficiente físico. Preliminar rejeitada. ABANDONO DA OBRA SEM JUSTA CAUSA E PRESENÇA DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. A suspensão da execução da obra pelo empreiteiro, sem prova de justa causa para tanto, ônus que lhe incumbia, a teor do art. 333, II, do CPC, aliada à ocorrência graves vícios construtivos no imóvel, enseja a responsabilidade do requerido pela integralidade dos danos sofridos pelo dono da obra. Exegese dos artigos. 615, c/c 616 e 624, todos do Código Civil. DANOS MATERIAIS. COMPROVAÇÃO. Os danos materiais a serem indenizados pelo empreiteiro consistem nos valores que o autor teve de despender com a contratação de outros profissionais para conclusão da obra e correção dos vícios constitutivos, documentalmente comprovados nos autos. Condenação mantida [....] APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS - Apelação Cível n. 70050063379, Décima Câmara Cível, rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. 27-9-2012).
E:
REPARAÇÃO DE DANOS - CONTRATO DE EMPREITADA - CONSTRUÇÃO DE CASA - VÍCIOS DIVERSOS - COMPROVAÇÃO - DEVER DE REPARAR - DANO MORAL - NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. O empreiteiro-construtor, juntamente com o engenheiro que assinou o projeto, são responsáveis pelos diversos vícios de construção constatados em imóvel erigido sem a observância de boa técnica e com materiais e mão-de-obra não qualificados, daí a necessidade de se reparar os danos de modo a tornar o imóvel seguro e sólido. [...] (TJMG, Apelação Cível n. 1038208093526-7, rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes, j. 27-3-2012).
No mesmo norte é o entendimento adotado neste Sodalício:
[...] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE EMPREITADA. AMPLIAÇÃO E REFORMA DE UNIDADE RESIDENCIAL.
VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO APURADOS NA PERÍCIA JUDICIAL. MÁ-QUALIDADE DA MÃO-DE-OBRA EMPREGADA QUE EVIDENCIA A IMPERÍCIA DA CONSTRUTORA RÉ. OBRA QUE DEVE SER ENTREGUE EM CONFORMIDADE AOS TERMOS AJUSTADOS ENTRE AS PARTES, SOB PENA DE JUSTA REJEIÇÃO POR SEU DONO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.242 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REPARAÇÃO QUE DEVE SE DAR POR MEIO DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DOS CONSERTOS NECESSÁRIOS E DA INDENIZAÇÃO DOS PREJUÍZOS COMPROVADAMENTE SUPORTADOS [...]RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Cível n. 2006.035495-6, de Blumenau, rel. Des. Victor Ferreira, j. 12-7-2010).
Também:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. INÉPCIA DA INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DECADÊNCIA. PRELIMINARES REFUTADAS. CONTRATO PARTICULAR DE EMPREITADA DE MATERIAL E MÃO DE OBRA. REFORMA E AMPLIAÇÃO DE RESIDÊNCIA. MÁ EXECUÇÃO DO SERVIÇO. VÍCIOS CONSTATADOS. RESPONSABILIDADE DA EMPREITEIRA. ART. 618 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS.
[...] Os vícios existentes no imóvel provenientes da má execução da obra é de responsabilidade da construtora (Apelação Cível n. 2010.006419-1, de São José, rel. Des. Fernando Carioni, j. 16-4-2010).
Recurso, portanto, desprovido neste particular.
Do pagamento da última parcela:
Requereu o recorrente a condenação da apelada ao pagamento da última parcela prevista no contrato entabulado entre as partes.
Da análise detida dos documentos acostados aos autos, em particular do contrato entabulado entre as partes, infere-se que o pagamento da última parcela foi condicionado à entrega das chaves ao contratante.
Destaca-se referida cláusula contratual:
[...] No ato da entrega das chaves, pelo locatário, que caracterizará a conclusão da referida obra, o locador pagará ao mesmo a importância de 20% (vinte por cento). Do valor de R$ 27.940,00, ou seja, R$ 5.588,00. Desta forma este último pagamento, tem sua data de vencimento sob condição, ao termo, da entrega da chave ao locador (cláusula quinta, fl. 6).
Trata-se, portanto, de uma condição expressamente acordada entre as partes, qual seja, a realização dos serviços contratados e a entrega da obra ao dono.
Entende-se como condição a cláusula contratual que subordina os efeitos do negócio jurídico a um evento futuro e incerto.
Acerca da matéria disciplina o art. 121 do Código Civil: "Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto".
No intuito de melhor elucidar o tema, transcrevem-se os dizeres Washington de Barros Monteiro:
Considera-se condição, reza o art. 121 do Código de 2002, a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. Nessa definição aparecem claramente os três elementos conceituais da condição, ser fruto exclusivamente da vontade das partes, a futuridade e a incerteza do evento.
Em primeiro lugar, a condição só pode consistir em cláusula aposta ao negócio jurídico por vontade exclusiva das partes; não pode haver condição derivada de lei, cuidando-se de elemento acessório do negócio jurídico, deixado à autonomia da vontade.
Em segundo lugar, a condição diz respeito a evento futuro. Fato passado, ou mesmo presente, ainda que desconhecido ou ignorado, não é condição. Realmente, se esta se reporta a fato passado ou presente, uma de duas terá ocorrido:ou o fato se verificou ou não se verificou. No primeiro caso, a estipulação deixou de ser condicional, convertendo-se em pura e simples, sem afetar a disposição. No segundo, a estipulação tornou-se ineficaz por ter falhado o implemento da condição.
[...] Mas a condição, além de referir-se a fato futuro, precisa relacionar-se ainda a acontecimento incerto, que se pode verificar ou não. Se o fato futuro doi certo, como a morte, por exemplo, não será mais condição, e sim termo.
Antes de realizada a condição, o negócio é ineficaz, e nenhum efeito produz. Assim, se eu digo: dar-te-ei um dote quando te casares; enquanto não realizada a condição prevista na estipulação, não posso ser constrangido a cumprir a promessa, não tendo igualmente a pessoa a quem ela é feita o direito de exigir-lhe a efetivação (Curso de Direito Civil: Parte Geral. 42ª ed. Saraiva: São Paulo, 2009, ps. 283-284).
In casu, consoante bem observou o magistrado singular o pagamento da última parcela estava condicionado a um evento futuro que jamais se concretizou, qual seja, a entrega das chaves ao dono da obra, ato que consiste na devolução da obra ao proprietário, após a realização de todos os serviços contratados e não apenas à devolução do objeto em si, fato que não se verificou, pois o recorrente abandonou a obra sem a sua conclusão e não demonstrou a ocorrência de justificativa plausível para tanto, apenas afirmou que os materiais necessários à efetivação dos trabalhos não haviam sido entregues, sem nada comprovar neste sentido.
Sendo assim, não tendo se concretizado o evento ao qual o pagamento da última parcela estava condicionado, porquanto restou incontroverso nos autos que até o presente momento o recorrido não cumpriu com todas as etapas da obra de acordo com que haviam acordado as partes, não há que se falar em dever da apelada de quitar a última parcela.
Ressalta-se, ainda, que o insurgente foi condenado a ressarcir a apelada no tocante ao custeio do fornecimento da mão de obra e dos materiais necessários à reparação dos danos verificados no imóvel e não ao custeio dos honorários dos profissionais contratados e dos insumos utilizados para finalizar a obra.
Portanto, diante da ausência de cumprimento da avença nos termos acordados, é indevida a condenação da apelada ao pagamento de cláusula contratual vinculada a condição que não se efetivou, afinal, os serviços não foram concluídos pelo apelante, mas sim por profissionais diversos contratados pela parte contrária para este fim.
Recurso desprovido neste particular.
Diante da manutenção da sentença permanecem inalterados os ônus sucumbenciais.
Em suma, conhece-se do recurso e nega-se-lhe provimento.
Este é o voto.

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