sexta-feira, 23 de maio de 2014

Instituto da Fiança sob a ótica do STJ


Assim, o relator inicia a construção do seu raciocínio trabalhando o instituto da fiança:

A fiança é a promessa, feita por uma ou mais pessoas, de satisfazer a obrigação de um devedor, se este não a cumprir, assegurando ao credor o seu efetivo cumprimento.

Esse tipo de garantia tem como características a acessoriedade, a unilateralidade, a gratuidade e a subsidiariedade.

Ante suas características, e nos termos do Código Civil, tanto o revogado (art. 1.483) quanto o novo (art. 819), o contrato de fiança não admite interpretação extensiva.

Nestes termos, pode-se extrair que a fiança:

a) é um contrato celebrado entre credor e fiador;
b) é uma obrigação acessória à principal;
c) pode ser estipulado em contrato diverso do garantido, como também inserido em uma de suas cláusulas, mas sem perder a sua acessoriedade;
d) não comporta interpretação extensiva, logo o fiador só responderá pelo que estiver expresso no instrumento de fiança, e,
e) extingue-se pela expiração do prazo determinado para sua vigência; ou, sendo por prazo indeterminado, quando assim convier ao fiador (art. 1.500 do CC revogado e 835 do novo CC); ou quando da extinção do contrato principal.

Inteiro teor do acórdão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADO : VALNEI DAL BEM E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÁRCIO LUIZ OKAZAKI E OUTRO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA
TIAGO DE MELO RIBEIRO
RICARDO REZENDE ROCHA
EMENTA
FIANÇA EM CONTRATO BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO BANCÁRIO. CARACTERIZA-SE POR SER, EM REGRA, CATIVO E DE LONGA DURAÇÃO, PRORROGANDO-SE SUCESSIVAMENTE. FIANÇA PREVENDO, CLARA E EXPRESSAMENTE, SUA PRORROGAÇÃO, CASO OCORRA A DA AVENÇA PRINCIPAL. NULIDADE DA CLÁUSULA. INEXISTÊNCIA. FIADORES QUE, DURANTE O PRAZO DE PRORROGAÇÃO CONTRATUAL, NÃO PROMOVERAM NOTIFICAÇÃO RESILITÓRIA, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO ART. 835 DO CC. PRETENSÃO DE EXONERAÇÃO DA FIANÇA. INVIABILIDADE.
1. A avença principal - garantida pela fiança - constitui contrato bancário que tem por característica ser, em regra, de longa duração, mantendo a paridade entre as partes contratantes, vigendo e renovando-se periodicamente por longo período - constituindo o tempo elemento nuclear dessa modalidade de negócio.
2. Não há falar em nulidade da disposição contratual que prevê prorrogação da fiança, pois não admitir interpretação extensiva significa tão somente que o fiador responde, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento da fiança - no caso, como incontroverso, se obrigou a manter-se como garante em caso de prorrogação da avença principal.
3. A simples e clara previsão de que em caso de prorrogação do contrato principal há a prorrogação automática da fiança não implica violação ao art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, cabendo, apenas, ser reconhecido o direito do fiador de, no período de prorrogação contratual, promover a notificação resilitória, nos moldes do disposto no art. 835 do Código Civil.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi, negando provimento ao recurso especial, divergindo do Relator, e os votos dos Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, acompanhando o Relator,, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator.Votou vencido o Sr. Ministro Marco Buzzi (voto-vista).
Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 03 de outubro de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADO : VALNEI DAL BEM E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÁRCIO LUIZ OKAZAKI E OUTRO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA
TIAGO DE MELO RIBEIRO
RICARDO REZENDE ROCHA
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Márcio Luiz Okazaki e sua esposa Daniela Aparecida Atanes Okazaki ajuizaram "ação declaratória de exoneração de fiança c⁄c nulidade de cláusula contratual" em face do Banco do Brasil S.A. Narram que, em 18 abril de 2006, "firmaram contrato de adesão a produtos de pessoa jurídica perante a instituição financeira ré, na condição de fiadores", figurando como devedora principal Ana Cristina Okazaki. O término do contrato foi estabelecido para a data de 18 de abril de 2007. Informam que a devedora principal está em mora no tocante a débitos e lançamentos vencidos no final de 2008 - supervenientes à data de vencimento final do contrato -, pois "o contrato foi sendo prorrogado automaticamente". Reconhecem ser "verdade que a cláusula 7.5, das Cláusulas Gerais do Contrato, estabelece expressamente a prorrogação automática do contrato", todavia cuida-se de disposição abusiva, "na medida em que permite a prorrogação do contrato por prazo indefinido e eterno". Requerem seja declarada a exoneração da fiança após a data prevista inicialmente para o término do contrato principal.
O Juízo da Comarca de Frutal julgou procedentes os pedidos formulados na inicial para declarar abusiva a cláusula 7.5 do contrato, declarar os autores exonerados da fiança desde a data de 18 de abril de 2007, e determinar ao réu que se abstenha de encaminhar o nome dos demandantes aos cadastros de órgãos de proteção ao crédito.
Interpôs o Banco demandado apelação e os autores recurso adesivo para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que negou provimento ao recurso principal e não conheceu do adesivo.
A decisão tem a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL- CONTRATO BANCÁRIO - ABERTURA DE CRÉDITO - PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DA FIANÇA - ABUSIVIDADE - ARTIGO 51 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -A disposição contratual que estende a fiança ao período da prorrogação do contrato, de forma automática, é abusiva, pois importa na imposição de desvantagem exagerada ao fiador.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Interpôs o réu recurso especial, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, sustentando omissão, divergência jurisprudencial e violação aos arts. 458 e 535 do CPC, 820, 821, 822 e 835 do CC⁄2002 e 2º e 51 do CDC.
Afirma que não é correto o entendimento perfilhado pela Corte de origem acerca de que, mesmo havendo cláusula contratual prevendo a prorrogação automática da fiança, ser possível a exoneração com base no art. 51 do CDC.
Argumenta que a responsabilidade civil do fiador é contínua e cessa somente com a notificação, pois a fiança não foi limitada até o vencimento do termo final previsto para o contrato principal, prescrevendo o art. 821 do CC⁄2002 que as dívidas futuras podem ser objeto de fiança.
Sustenta que não há como haver exoneração dos fiadores, pois só promoveram a sua notificação em 16 de dezembro de 2008; devendo, portanto, ser aplicado o art. 835 do CC⁄2002, pois o fiador pode exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem limitação de tempo, por meio de notificação - perdurando a garantia fidejussória por mais de 60 dias.
Aduz que não há relação de consumo, pois o contrato principal diz respeito a mútuo para capital de giro, tendo o crédito sido feito na conta de pessoa jurídica, sendo os recorridos meros fiadores - não sendo destinatários finais dos produtos.
Argumenta que também não foi adequado o acolhimento do pleito exordial para que se abstivesse de encaminhar os nomes dos requerentes aos cadastros de inadimplentes.
Não houve oferecimento de contrarrazões.
Dei provimento ao AREsp 295.723⁄MG para determinar a sua conversão no presente recurso especial.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADO : VALNEI DAL BEM E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÁRCIO LUIZ OKAZAKI E OUTRO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA
TIAGO DE MELO RIBEIRO
RICARDO REZENDE ROCHA
EMENTA
FIANÇA EM CONTRATO BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO BANCÁRIO. CARACTERIZA-SE POR SER, EM REGRA, CATIVO E DE LONGA DURAÇÃO, PRORROGANDO-SE SUCESSIVAMENTE. FIANÇA PREVENDO, CLARA E EXPRESSAMENTE, SUA PRORROGAÇÃO, CASO OCORRA A DA AVENÇA PRINCIPAL. NULIDADE DA CLÁUSULA. INEXISTÊNCIA. FIADORES QUE, DURANTE O PRAZO DE PRORROGAÇÃO CONTRATUAL, NÃO PROMOVERAM NOTIFICAÇÃO RESILITÓRIA, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO ART. 835 DO CC. PRETENSÃO DE EXONERAÇÃO DA FIANÇA. INVIABILIDADE.
1. A avença principal - garantida pela fiança - constitui contrato bancário que tem por característica ser, em regra, de longa duração, mantendo a paridade entre as partes contratantes, vigendo e renovando-se periodicamente por longo período - constituindo o tempo elemento nuclear dessa modalidade de negócio.
2. Não há falar em nulidade da disposição contratual que prevê prorrogação da fiança, pois não admitir interpretação extensiva significa tão somente que o fiador responde, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento da fiança - no caso, como incontroverso, se obrigou a manter-se como garante em caso de prorrogação da avença principal.
3. A simples e clara previsão de que em caso de prorrogação do contrato principal há a prorrogação automática da fiança não implica violação ao art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, cabendo, apenas, ser reconhecido o direito do fiador de, no período de prorrogação contratual, promover a notificação resilitória, nos moldes do disposto no art. 835 do Código Civil.
4. Recurso especial provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Não caracteriza, por si só, omissão, contradição ou obscuridade quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte.
Portanto, não cabe confundir omissão, contradição ou obscuridade com entendimento contrário ao sustentado pela parte.
Logo, não há falar em violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que viesse a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.
Note-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. FATO NOVO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7 DO STJ.
[...]
2. O Tribunal de origem manifestou-se expressamente sobre o tema, entendendo, no entanto, não haver qualquer fato novo a ensejar a modificação do julgado. Não se deve confundir, portanto, omissão com decisão contrária aos interesses da parte.
[...]
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1047725⁄SP, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 28⁄10⁄2008, DJe 10⁄11⁄2008)
3. A principal questão a ser apreciada consiste em saber se, havendo expressa e clara previsão contratual da manutenção da fiança, em caso de prorrogação do contrato principal, o pacto acessório também é prorrogado automaticamente, seguindo a sorte do principal.
O acórdão recorrido dispôs:
O ilustre Juiz Monocrático julgou procedente o pedido inicial da ação declaratória de exoneração de fiança, exonerando os Requerentes da fiança prestada em contrato bancário, ao entendimento de que a fiança não pode ser prorrogada automaticamente, conforme artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.
Sustenta o Apelante Principal, que os Apelados tinham ciência da cláusula que estabelecia a prorrogação automática da fiança...
Afirma ainda que os Apelados não notificaram o Banco Apelante sobre o pedido de exoneração de fiadores do contrato. Pugna ao final, pelo provimento do recurso.
[...]
Pela análise dos autos, verifica-se que o contrato firmado entre as partes possui cláusula expressa (cláusula 7.5) afirmando que caso não haja "manifestação em contrário de qualquer das partes, o prazo de vigência do presente contrato, que se estende desde a contratação até a data do primeiro vencimento, expressos nas cláusulas especiais deste instrumento, como máximo de 360 (trezentos e sessenta dias) - poderá ser sucessivamente prorrogado por iguais períodos" (fl. 26).
A apelante insurge contra sentença de 1º grau, que exonerou os fiadores da obrigação sob o argumento de que a cláusula que prevê a prorrogação automática da fiança é nula.
Com razão o ilustre Juiz Monocrático, pois à fiança deve ser dada interpretação restritiva, a teor do que dispõe o artigo 819 do CCB:
[...]
A disposição contratual que estende a fiança ao período da prorrogação do contrato, de forma automática, é abusiva, pois importa na imposição de desvantagem exagerada ao fiador (art. 51 do Código de Defesa do Consumidor). Exigir dele vinculação ao contrato por prorrogação automática que somente é opção do financiador e do financiado não é razoável, pois apenas eles produzem manifestação ao dar execução ao pacto. (fls. 281 e 282)
4. É incontroverso que a avença principal - garantida pela fiança - constitui contrato bancário que tem por característica ser, em regra, de adesão e de longa duração, mantendo a paridade entre as partes contratantes, vigendo e renovando-se periodicamente por longo período - constituindo o tempo elemento nuclear dessa modalidade de negócio:
A dinamicidade da vida de relação e as novas fronteiras e caminhos abertos na vida social trouxeram novos desafios para a teoria geral dos contratos.
[...]
Os contratos cativos de longa duração representam de modo mais intenso essas novas relações contratuais.
[...]
Outro ponto central dessa forma de contratação é o fator tempo, pois são contratos de execução protraída no tempo. E ainda, por fim, a característica de essencialidade de seu objeto no mundo atual.
[...]
Os contratos cativos de longa duração são contratos de adesão, uma nova geração de contratos de massa, tendo por objeto a prestação de serviços de essencialidade no mundo contemporâneo. São exemplos desses contratos os contratos bancários, de seguro-saúde, de assistência médico-hospitalar, de previdência privada, de cartão de crédito, de transmissão de informações e lazer por cabo, telefone, televisão, computadores, assim como os conhecidos serviços públicos básicos, de fornecimento de água, luz e telefone.
[...]
A longa duração dessa nova forma contratual demonstra que a execução do contrato prolonga-se por largo tempo, quem sabe por toda a existência daquele contratante que adere. Não são contratos de execução instantânea, e também não se confunde com contratos de execução diferida. São contratos que vigem ou se renovam periodicamente durante vários anos ou durante toda uma vida, dada a essencialidade de seu objeto.
[...]
Crédito, educação, saúde e informação fazem parte da vida cotidiana contemporânea... Em última análise, o objeto é representado pela prestação de serviços essenciais no mundo contemporâneo.
[...]
Assim, três características parecem ser essenciais nesse fenômeno contratual: a catividade, o tempo e o objeto contratual.
Juntos, catividade, tempo e essencialidade do objeto despertam o desafio de manter equilibrada a dinâmica da relação contratual.
Nesse passo, os contratos cativos de longa duração trazem consigo a junção das noções de tempo e de equilíbrio nas relações contratuais, sob a nota da catividade e da essencialidade de seu objeto.
O contrato se forma e se desenvolve para ser equilibrado, mantendo a paridade entre as partes contratantes. Nos contratos de execução diferida ou prolongada, que não se confundem com os contratos cativos de longa duração, já se encontram vários desafios para a manutenção do equilíbrio do contrato. Nos contratos cativos de longa duração a nota do equilíbrio adquire especial relevância na medida em que o tempo é fator essencial dessa forma contratual, como lembra Lorenzetti.
[...]
(MARQUES, Claudia Lima (Coord.). A nova crise do contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 482-492)
Nessa toada, Luiz Alfredo Paulin leciona que a garantia constitui elemento essencial para a manutenção do equilíbrio contratual no mútuo bancário, pois, por meio de modelo científico, visando assegurar a integridade de seus ativos, reforçando o cumprimento da obrigação principal, as instituições financeiras são extremamente rigorosas ao analisar a viabilidade da concessão do crédito:
As instituições financeiras praticam operações de mútuo de forma profissional. Sendo assim, visando assegurar a integridade de seus ativos, esses entes são extremamente rigorosos ao analisar a viabilidade de conceder um dado crédito. Um dos pontos fulcrais que é levado em conta, para tanto, é a garantia. As instituições financeiras têm várias instâncias ou órgãos incumbidos de deliberar quanto à garantia cabível em cada operação.
[...]
Contudo, que fique bem claro: o trabalho é feito através de um modelo científico.
[...]
A garantia pessoal, por excelência é a fiança. E esta espécie de garantia é usual no contratos de mútuo bancário, até pela relativa simplicidade de sua constituição. Em sendo a mutuária pessoa jurídica é praxe que a fiança seja concedida por seus administradores, seus controladores ou outra pessoa jurídica ligada.
[...]
Nos dias de hoje, não é possível imaginar a existência de atividade financeira, exceto se realizada de forma massificada.
[...]
Vale dizer: seria inadministrável, por exemplo, para uma instituição financeira que se dispusesse a trabalhar com crédito pessoal que, a cada empréstimo, procedesse a fase de puntuação e, alcançando-se um dado acordo, fosse obrigada a gerenciar uma carteira com milhares de contratos, cada um com cláusulas totalmente distintas. Isto posto, independentemente de qualquer crítica que possa ser feita em relação à prática das instituições financeiras vis a vis sua clientela, a verdade é que a estandartização das relações entre instituições financeiras e público é algo inexorável.
[...]
E como se pode ver, a situação jurídica conforma-se ao que a doutrina julga essencial para a existência do contrato de adesão, já que há uma oferta feita à coletividade, as condições de contratação são estabelecidas por uma das partes, é a instituição financeira que regula de modo exaustivo e de forma complexa a relação jurídica, há inequívoca preponderância de uma das partes e o bem oferecido (crédito) é sabidamente de utilidade inestimável. De se notar que a doutrina considera os contratos bancários geralmente como de adesão. Constate-se que as questões relacionadas ao contrato de adesão foram reguladas pelo Código do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990). Este, por força de seu art. 54 estabeleceu o que deveria ser considerado um contrato de adesão. E, saliente-se, os contratos de mútuos bancários se encaixam perfeitamente nos lindes dados pelo dispositivo.
[...]
8. Conclusões
Da matéria acima exposta, cabem as seguintes conclusões:
[...]
g) O contrato de mútuo, entre eles o mútuo bancário, é real e unilateral. É real na medida em que se aperfeiçoa com a entrega da coisa. No mútuo bancário esta transferência, na maior parte das vezes, ocorre mediante o depósito dos recursos na conta corrente do mutuário, desde que avençado no instrumento respectivo.
[...]
m) Reforça-se o cumprimento da obrigação principal por meio de garantias. Estas podem ser pessoais ou reais. A análise das garantias a serem exigidas é feita pela instituição. Em se tratando de operações de certa importância, estas são submetidas ao comitê de crédito.
[...]
o) O mútuo bancário formaliza-se, normalmente, por intermédio de contratos de adesão. (TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. Coleção doutrinas essenciais: obrigações e contratos. São Paluo: Revista dos Tribunais, 2011, vol. V, p. 1.155-1.164)
5. A controvérsia instalada nos presentes autos foi recentemente apreciada no âmbito desta Corte, tendo as Turmas de Direito Privado se manifestado recentemente a respeito.
Refiro-me ao AgRg no REsp 849.201⁄RS, Rel. Ministra Isabel Gallotti, Quarta Turma e ao AgRg no AREsp 214.435⁄DF, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma.
Os precedentes têm a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. FIANÇA. INEFICÁCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. A cláusula que prevê prorrogação automática no contrato bancário não vincula o fiador, haja vista a interpretação restritiva que se deve dar às disposições relativas ao instituto da fiança.
Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 849201⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27⁄09⁄2011, DJe 05⁄10⁄2011)
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AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. FIANÇA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA. INEFICÁCIA.
1.- "A cláusula que prevê prorrogação automática no contrato bancário não vincula o fiador, haja vista a interpretação restritiva que se deve dar às disposições relativas ao instituto da fiança" (AgRg no REsp 849.201⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27⁄09⁄2011, DJe 05⁄10⁄2011).
2.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 214435⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄10⁄2012, DJe 31⁄10⁄2012)
Ambos os precedentes estão embasados em outros julgados do STJ, seguindo-se, em síntese, a tese de que a cláusula que prevê a prorrogação automática no contrato bancário não vincula o fiador, haja vista a interpretação restritiva que se deve dar às disposições relativas ao instituto da fiança.
5.1. Contudo, observada sempre a devida vênia, penso que esse entendimento mostra-se dissonante com a exegese pacificada no âmbito STJ - antes mesmo da nova redação conferida ao art. 39 da Lei do Inquilinato, pela Lei 12.112⁄2009 - no tocante à admissão da prorrogação da fiança em contrato de locação, quando expressamente prevista na pactuação acessória.
Nesse passo, é bem de ver que "a matéria relativa à fiança, uma das garantias locatícias, tem seu unificado regramento no Código Civil. Apenas a ela faz alusão a Lei n. 8.245⁄91 como uma das espécies de garantias possíveis na locação. Não se estabeleceu, porém, espécie nova ou própria de fiança".(PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado. 4 ed. Barueri: Manole, 2010, ps. 850 e 851).
Destarte, ocorre que, à edição da Súmula 214⁄STJ, precederam muitos recursos em que o STJ necessitava julgar a legitimidade passiva ad causam do fiador em ações executivas ajuizadas pelos locadores, em face de inadimplência dos locatários ocorrida posteriormente ao termo originalmente pactuado.
Na verdade, buscava-se a responsabilização do fiador em contratos locatícios nos quais locador e locatário tinham pactuado reajustes, moratórias, enfim, pactos que resultavam na criação de nova obrigação, com característica de aditamento, sem a ciência e anuência do fiador.
A título ilustrativo, o seguinte precedente:
A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locatícios acrescidos ao pactuado originalmente sem a sua anuência. (REsp 151.071⁄MG Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 25⁄11⁄1997, DJ 19⁄12⁄1997)
O entendimento, consoante delineado no precedente exemplificativo, culminou com a edição da Súmula 214⁄STJ, publicada em 2⁄10⁄1998, assim enunciando: "O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu".
Com o transcorrer do tempo, surgiu uma variedade dessa mesma controvérsia, que se avolumou posteriormente à edição da Súmula 214⁄STJ, a saber: a responsabilidade do fiador quanto aos débitos locatícios contraídos no período da prorrogação do contrato de locação, originalmente ajustado a prazo determinado.
Contudo, a fiança, para ser celebrada, exige forma escrita - pois é requisito para sua validade a manifestação expressa e de forma documentada, para gerar o dever obrigacional de garantir o contrato principal, não se prorrogando, salvo disposição em contrário.
É dentro desse contexto - falta de anuência expressa do fiador - que, mesmo nas hipóteses de prorrogação, passou a se adotar a Súmula 214⁄STJ como fundamento a fim de exonerar a responsabilidade do fiador dos débitos contraídos no período posterior ao prazo estabelecido no contrato para a locação.
O Superior Tribunal de Justiça, desde o advento do entendimento sumulado, associado ao princípio de que não cabe dar interpretação extensiva a contratos benéficos, passou a aplicar a Súmula 214⁄STJ, exonerando o fiador quanto aos débitos locatícios produzidos na prorrogação da locação pactuada entre locador e locatário, sem a sua presença e à qual não anuiu.
A propósito:
LOCAÇÃO. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. ENTREGA DAS CHAVES. RENÚNCIA AO ART. 1.500 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 214⁄STJ.
- A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locatícios decorrentes de contrato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves e que tenha sido renunciado ao direito de exonerar-se da garantia. Precedentes.
- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 401.481⁄MG, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 16⁄4⁄2002, DJ 13⁄5⁄2002, p. 246)
___________________________________
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. LOCAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. PERMANÊNCIA DO LOCATÁRIO NO IMÓVEL LOCADO. EFEITOS DA FIANÇA. EXTINÇÃO. CONHECIMENTO.
1. Rescindido o contrato de locação, não subsiste o contrato de fiança, que lhe é acessório, ainda que o locatário permaneça no imóvel.
2. Tem prevalecido o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o contrato acessório de fiança deve ser interpretado de forma restritiva, vale dizer, a responsabilidade do fiador fica delimitada a encargos do pacto locatício originariamente estabelecido. A prorrogação do contrato sem a anuência dos fiadores, portanto, não os vincula. Irrelevante, acrescente-se, a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves.
3. "O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu." (Súmula do STJ, Enunciado nº 214).
4. Recurso conhecido.
(REsp 83.566⁄SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 4⁄10⁄2001, DJ 4⁄2⁄2002, p. 576)
_______________________________
Era unânime o consenso nesse sentido, ratificado pela Terceira Seção.
5.2. A dinâmica natural da dialógica processual transforma continuamente a jurisprudência dos tribunais, renovando-se diante dos novos desafios sociais que, em forma de demandas judiciais, aportam ao Judiciário, não só inaugurando debates atinentes a novos direitos-deveres materiais, mas também revisitando questões de direito já conhecidas, cujo entendimento jurisprudencial - em decorrência da configuração de novos panoramas (seja de ordem legal, factual ou argumentativa, entre outras possibilidades), reposiciona-se de forma mais amadurecida.
Com efeito, com o julgamento dos EREsp 566.633⁄CE, em 22 de novembro de 2006, tornou-se muito comum a referência a esse julgado como marco jurisprudencial, no sentido de que este Superior Tribunal passou a admitir a prorrogação da fiança nos contratos locatícios, contanto que expressamente prevista no contrato (v.g., a previsão de que a fiança subsistirá "até a entrega das chaves").
Todavia, naquele julgamento, sob a relatoria do Ministro Paulo Medina, a Terceira Seção definiu: a) a responsabilização do fiador pelos débitos locatícios contraídos no período de prorrogação legal da locação, em face do art. 39 da Lei de Locação (em sua redação originária); b) a exegese do enunciado sumular 214⁄STJ; e c) a validade da cláusula de responsabilização do garante até a entrega das chaves.
O voto condutor parte pontuando a jurisprudência até então sedimentada:
Imprescindível frisar que esta Corte Superior possui inúmeros precedentes, no sentido de que o contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente, pelo que é inadmissível a responsabilização do fiador por obrigações locativas resultantes de aditamentos do contrato de locação sem a anuência daquele, sendo irrelevante a existência de cláusula estendendo a obrigação fidejussória até a entrega das chaves.
Em seguida, conclui que, "[e]ntretanto, ao melhor apreciar a matéria e legislação correlata, convenci-me de forma contrária".
Assim, o relator inicia a construção do seu raciocínio trabalhando o instituto da fiança:
A fiança é a promessa, feita por uma ou mais pessoas, de satisfazer a obrigação de um devedor, se este não a cumprir, assegurando ao credor o seu efetivo cumprimento.
Esse tipo de garantia tem como características a acessoriedade, a unilateralidade, a gratuidade e a subsidiariedade.
Ante suas características, e nos termos do Código Civil, tanto o revogado (art. 1.483) quanto o novo (art. 819), o contrato de fiança não admite interpretação extensiva.
Nestes termos, pode-se extrair que a fiança:
a) é um contrato celebrado entre credor e fiador;
b) é uma obrigação acessória à principal;
c) pode ser estipulado em contrato diverso do garantido, como também inserido em uma de suas cláusulas, mas sem perder a sua acessoriedade;
d) não comporta interpretação extensiva, logo o fiador só responderá pelo que estiver expresso no instrumento de fiança, e,
e) extingue-se pela expiração do prazo determinado para sua vigência; ou, sendo por prazo indeterminado, quando assim convier ao fiador (art. 1.500 do CC revogado e 835 do novo CC); ou quando da extinção do contrato principal.
Apresentado o instituto da fiança, são introduzidos ao debate o disposto no art. 39 da Lei n. 8.245⁄1991, o teor do art. 1.500 do Código Civil de 1916 e do seu correspondente no Código Civil atual, art. 835; e desse diálogo propõe o relator o raciocínio jurídico a ser perseguido:
Ao transportar este instituto para a Lei de Locação, imprescindível que os artigos do referido Diploma Legal se adaptem aos princípios norteadores da fiança.
Ainda que o artigo 39 da Lei n.º 8.245⁄91 determine que "Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel", tal regramento deve se compatibilizar com o instituto da fiança, se esta for a garantia prestada.
Assim, a cada contrato de fiança firmado, diferentes conseqüências serão produzidas aos encargos do fiador.
Dessa forma, há que se fazer algumas considerações:
1º) se os fiadores concordaram em garantir a locação, tão-somente, até o termo final do contrato locativo (prazo certo), não responderão pelos débitos advindos da sua prorrogação para prazo indeterminado;
2º) se os fiadores concordaram em garantir a locação até o termo final do contrato locativo (prazo certo) e expressamente anuíram em estender a fiança até a entrega do imóvel nos casos de prorrogação do contrato locativo para prazo indeterminado, responderão pelos débitos daí advindos.
Entretanto, na segunda hipótese, ante o caráter gratuito da fiança e a indefinição temporal para a entrega do imóvel, eis que depende exclusivamente da vontade do locatário, a garantia deve ser entendida como sendo por prazo indeterminado, a possibilitar ao fiador a sua exoneração, nos termos do artigo 1.500 do Código Civil revogado, se o contrato tiver sido celebrado na sua vigência, ou do artigo 835 do Novo Código Civil, se o contrato foi acordado após a sua entrada em vigor.
Desse ponto, adere à sua fundamentação as lições de doutrinadores, como Walmir de Arruda Miranda Carneiro e Humberto Theodoro Júnior, resgata o teor de alguns precedentes do STJ e, em seguida, adentra o caso concreto daqueles autos.
Destarte, analisando detidamente aquele precedente, tenho que, mesmo diante da redação originária do art. 39 a Lei de Locação, continuavam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato, se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC⁄1916 ou 835 do CC⁄2002, a depender da data em que firmaram a avença.
A ementa do acórdão trouxe a conclusão de forma precisa:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO. CLÁUSULA DE GARANTIA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES.
Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC⁄16 ou 835 do CC⁄02, a depender da época que firmaram a avença.
Embargos de divergência a que se dá provimento.
(EREsp 566.633⁄CE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22⁄11⁄2006, DJe 12⁄3⁄2008, grifo nosso).
6. Refletindo com mais profundidade sobre a questão, atento à natureza do contrato bancário - cativo e de longa duração que, por conseguinte, tem por característica o fato de renovar-se periodicamente -; e atentando para o fato de que a prorrogação do contrato principal - a par de ser circunstância expressamente prevista em cláusula contratual - previsível no panorama contratual -, tenho que a questão merece ser solucionada adotando-se a mesma diretriz conferida para fiança em contrato de locação, não havendo, por si só, falar em nulidade da disposição contratual.
Nessa toada, Carlos Fernando Mathias, em alusão à doutrina de Clóvis Beviláqua, leciona acerca do art. 819 do CC⁄2002, esclarecendo que não admitir interpretação extensiva significa tão somente que o fiador responde, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento da fiança - no caso dos autos, como incontroverso, de fato, se obrigou a se manter como garante em caso de prorrogação da avença principal:
E, prossegue o notável mestre, no particular da interpretação extensiva:
'A fiança não admite interpretação extensiva embora possa ser concebida em termos gerais e ilimitada (....).
[....]
Não admitir interpretação extensiva quer dizer que o fiador não responde, senão, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento da fiança. Em caso de dúvida a interpretação será a favor do que presta a fiança. A fiança dada ao capital não se estende aos juros; dada para uma parte da dívida, não se amplia ao resto; dada pelo aluguel de um prédio, não compreende a responsabilidade do inquilino, em caso de incêndio. Non extenditur de re ad rem (valha a tradução: não se estende de coisa para coisa, dizia o direito francês." (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, vol. IX, 2004, p. 20)
Na mesma linha, Carlos Roberto Gonçalves esclarece que a interpretação extensiva da fiança constitui em utilizar analogia para ampliar as obrigações do fiador ou a duração do contrato acessório, não o sendo a observância àquilo que foi expressamente declarado, sendo certo que as causas legais de extinção da fiança são taxativas:
Trata-se de modalidade contratual de natureza acessória, porque só existe como garantia da obrigação de outrem, sendo muito frequente no mundo dos negócios, particularmente como adjeto à locação e a contratos bancários, juntamente com o aval.
[...]
Sendo contrato benéfico, a fiança "não admite interpretação extensiva" (CC, arts. 114 e 819, segunda parte). Não se pode, assim, por analogia, ampliar as obrigações do fiador, quer no tocante á sua extensão, quer no concernente à sua duração. Não deve compreender senão o que for expressamente declarado como seu objeto.
[...]
Desse modo, se a fiança é prestada sem que constem do instrumento as restrições, ter-se-á como dada em caráter universal, tornando o fiador co-responsável por todo e qualquer prejuízo causado pela afiançado.
[...]
A fiança extingue-se por causas terminativas próprias às obrigações em geral. Por ser contrato acessório, extingue-se em sobrevindo qualquer causa de extinção do débito principal por ela assegurado, salvo a hipótese do art. 824 do Código Civil.
[...]
Além das causas que extinguem os contratos em geral, a fiança extingue-se também por atos praticados pelo credor, especificados no art. 838 do Código Civil: a) concessão de moratória (dilação do prazo contratual) ao devedor, sem consentimento do fiador, ainda que solidário; b) frustração da sub-rogação legal do fiador nos direitos e preferências (por abrir mão de hipoteca, que também garantia a dívida, p. ex.); c) aceitação, em pagamento da dívida, de dação em pagamento feita pelo devedor, ainda que depois venha a perder o objeto por evicção, pois neste caso ocorre pagamento indireto, que extingue a própria obrigação principal.
[...]
A enumeração legal é taxativa. Assim, a fiança não desaparece com a falência ou a redução do aluguel ou partilha do prédio locado, por exemplo.
[...]
O Código Civil de 1916 liberava o fiador somente a partir da sentença, se o credor não anuísse desonerá-lo (art. 1500). O Código Civil de 2002, todavia, no art. 835, deu melhor solução à hipótese, liberando o fiador após o decurso do prazo de sessenta dias da notificação efetivada ao credor, sem a necessidade do ajuizamento da açã ode exoneração... (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Contratos e atos unilaterais. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 526-539)
Com efeito, como a fiança tem o propósito de transferir para o fiador o risco do inadimplemento, cumprindo dessa forma sua função de garantia, tendo o pacto, conforme reconhecido na própria causa de pedir da presente ação, previsto, em caso de prorrogação da avença principal, a sua prorrogação automática - sem que tenha havido notificação resilitória, novação, transação ou concessão de moratória relativamente à obrigação principal -, não há falar em extinção da garantia pessoal.
Vejamos os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL - FIANÇA - PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA - AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA EXPRESSA DOS GARANTES - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no AREsp 22.820⁄SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄11⁄2012, DJe 04⁄12⁄2012)
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AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - CORRETA INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL - 1. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA - ACÓRDÃO HOSTILIZADO QUE ENFRENTOU, DE MODO FUNDAMENTADO, TODOS OS ASPECTOS ESSENCIAIS À RESOLUÇÃO DA LIDE - 2. CONTRATO DE FIANÇA - CLÁUSULA DE PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DE AJUSTE DE MÚTUO - INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AOS GARANTES, QUANDO AUSENTE ANUÊNCIA EXPRESSA - AJUSTE QUE NÃO COMPORTA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - PRECEDENTES DO STJ - 3.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(AgRg no Ag 1327423⁄SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 08⁄11⁄2011, DJe 21⁄11⁄2011)
É bem de ver que poderá o fiador, querendo, promover a notificação resilitória, nos moldes do disposto no art. 835 do CC⁄2002.
Nesse sentido, confira-se excertos da abalizada doutrina:
Sequer comporta contestação o direito à exoneração, até porque a interpretação há de revelar-se sempre benéfica.
[...]
Embora forte corrente jurisprudencial inclinar-se pela validade da cláusula de renúncia de exoneração, a melhor exegese é a que não a aceita, pois, do contrário, constituiria um beco de saída para o fiador, condenando-o a manter-se preso ao contrato eternamente. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 534 e 535)
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A indefinição sobre o instante da ocorrência, todavia, é o móvel da previsão de que possa ele se exonerar.
Por fim, também acesa a divergência sobre se é possível ao fiador renunciar ao direito de pedir a exoneração quando a lei o autorize. Parece, porém, que admitir tal prerrogativa significa abrir caminho a uma indefinida vinculação do fiador, o que não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende sempre a disponibilizar meio de o obrigado se desvincular. Seria como permitir que o contratante renunciasse ao direito de denunciar um contrato entabulado por prazo indeterminado. Certo que a fiança é ajuste acessório e, por isso, de toda sorte um dia se extingue, quando cessa o contrato principal. Mas não se pode olvidar, tal como dito ao início, de que, se o contrato principal tem prazo pré-definido, a fiança, mesmo sem prazo, necessariamente se estende até o termo da obrigação afiançada. A questão, destarte, somente se coloca quando também a obrigação principal não tenha prazo definido, aí então não se concebendo que o fiador possa, de antemão, dispor da potestativa prerrogativa de se liberar do vínculo fidejussório. (PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado. 4 ed. Barueri: Manole, 2010, p. 850 e 851)
7. Anoto, ademais, em que pese a tese de não haver relação de consumo, visto que o contrato principal constitui mútuo propiciando capital de giro para sociedade empresária, é desnecessário o exame desse tópico do recurso, pois a simples e clara previsão de que, em caso de prorrogação do contrato principal - contrato que tem por característica ser cativo e de longa duração - há a prorrogação automática da fiança, não implica violação ao art. 51 do Código de Defesa do Consumidor.
6. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial, invertendo, por conseguinte, os ônus sucumbenciais.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2013⁄0054365-6
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.374.836 ⁄ MG
Números Origem: 0271091277910 10271091277910002 10271091277910003 10271091277910004 10271091277910005 271091277910
PAUTA: 05⁄09⁄2013 JULGADO: 05⁄09⁄2013
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADO : VALNEI DAL BEM E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÁRCIO LUIZ OKAZAKI E OUTRO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA
TIAGO DE MELO RIBEIRO
RICARDO REZENDE ROCHA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Fiança
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Relator, dando provimento ao recurso, PEDIU VISTA antecipada dos autos o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Aguardam os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:
Eminentes Pares,
Ouso divergir do eminente relator.
Na hipótese, trata-se de ação declaratória de exoneração de fiança c⁄c nulidade de cláusula contratual, apresentada por Márcio Luiz Okasaki e sua esposa, em face do Banco do Brasil, decorrente de fiança prestada em "contrato de adesão a produtos de pessoa jurídica" (Cheque Ouro Empresarial, BB Giro Automático, BB Giro Rápido e Cartão Ourocard Business) formulado em 18⁄04⁄2006 por Ana Cristina Okasaki (pessoa jurídica) perante a instituição financeira, no qual a cláusula 7.5 estabelece a prorrogação automática do contrato.
Em sua exordial (fls. 03-17), informam que o término do contrato foi estabelecido para a data de 18 de abril de 2007, tendo sido notificados pela casa bancária para o pagamento de débito vencidos em 10.11.2008.
Pedi vista dos autos para uma análise mais aprofundada da controvérsia envolvendo a prorrogação automática da fiança prestada em contratos bancários, porquanto não vislumbrei, prima facie, possa haver um diálogo tão intenso nos contratos bancários acerca da atenuação ao princípio da interpretação restritiva, como há nos contratos de locação.
Na hipótese ora em foco, a Corte local, tomando como base os termos contratuais e as demais provas existentes nos autos, manteve a sentença de procedência da demanda, ao entendimento de ser abusiva a cláusula 7.5 do contrato que é expresso em admitir a prorrogação do ajuste, inclusive naquilo que toca à fiança, impondo ao fiador exagerada desvantagem. É o que se denota do seguinte excerto do acórdão impugnado:
"Pela análise dos autos, verifica-se que o contrato firmado entre as partes possui cláusula expressa (cláusula 7.5) afirmando que caso não haja "manifestação em contrário de qualquer das partes, o prazo de vigência do presente contrato, que se estende desde a contratação até a data do primeiro vencimento, expressos nas cláusulas especiais deste instrumento, como máximo de 360 (trezentos e sessenta dias), poderá ser sucessivamente prorrogado por iguais períodos". (...)
A disposição contratual que estende a fiança ao período da prorrogação do contrato, de forma automática, é abusiva, pois importa na imposição de desvantagem exagerada fiador (art. 51 do Código de Defesa do Consumidor). Exigir dele vinculação ao contrato por prorrogação automática que somente é opção do financiador e do financiado não é razoável, pois apenas eles produzem manifestação ao dar execução ao pacto".
Esclareça-se, por oportuno, que a questão, nestes moldes submetida à análise desta Corte de Justiça, não perpassa pelos óbices dos enunciados ns. 5 e 7 da súmula do STJ, motivo pelo qual se faz necessária uma maior digressão à respeito do instituto da fiança prestada em contrato bancário e a verdadeira intenção da lei (mens legis).
Tomando como ponto de partida a investigação acerca do valor protegido pela norma e a finalidade nela inserta, o primeiro aspecto relevante a ser considerado diz respeito à caracterização da natureza jurídica do pacto de concessão de crédito celebrado por instituições financeiras, hipótese dos autos, no qual ao contratante é apresentado um modelo padronizado de contrato, não lhe sendo concedida a prerrogativa de discutir o seu conteúdo, caracterizando o ajuste como sendo de adesão.
Tal constatação é igualmente corroborada pelo eminente relator (fl. 7-8 de seu voto), quando grifa trecho elucidativo do escólio de Gustavo Tepedino, que informa que os contratos de mútuo bancário se encaixam perfeitamente nos lindes do art. 54 do CDC: "contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo".
Dessa forma, ao firmarem o instrumento, devedor principal e fiador aderem a um conjunto de cláusulas previamente dispostas pela instituição bancária, não se afigurando possível aos aderentes influir materialmente quanto ao teor das estipulações contratuais, devendo-se, por tal razão, conferir interpretação mais favorável à parte aderente, como resulta da própria lei.
As normas que regem a matéria, a consumerista e a substantiva civil, são expressas nesse sentido, respectivamente:
"Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor."
"Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. (grifos nossos)"
Percebe-se, pois, de forma cristalina, que os contratos, destacada e expressamente os de adesão, devem ser norteados pelos princípios da boa-fé, da justiça, do dirigismo contratual e da função social, não apenas quando da pactuação, mas também por ocasião da execução, não se admitindo, por conseguinte, estipulação ou a inserção de cláusulas que estabeleçam ônus excessivos ao consumidor⁄aderente.
Pois bem. Especificamente no que tange à garantia fidejussória, não há como negar, é irrefutável que as cláusulas capazes de estabelecer um vínculo permanente do fiador por todas as prorrogações contratuais, devem ser consideradas abusivas, porquanto inviável admitir a vinculação do fiador "ad eternum" na condição de garantidor das obrigações assumidas pelo devedor. Isso significaria uma verdadeira distorção na essência do instituto da fiança, afastando-a da subsidiariedade para, de fato, equipará-la à solidariedade, colocando o garante em evidente e exagerada desvantagem perante a casa bancária, sujeitando o fiador indefinidamente aos termos do negócio.
Conforme ensinamento de Arnaldo Rizzardo:
"A fiança pressupõe uma obrigação. Não constitui uma obrigação nova. O fiador torna extensível a si a obrigação do devedor e converte-se, em relação ao credor, num devedor subsidiário. O montante do seu compromisso é o da obrigação afiançada. Em outros termos, como assinala carvalho Santos, "a fiança compreende tudo o que se contém na obrigação, tanto principal, como acessórios, principalmente os juros comerciais, que fazem parte integrante da dívida, sem que para tanto seja necessária qualquer declaração nesse sentido. Considera-se que o fiador afiançou o devedor principal: in omnem causam" (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos - Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 984)
No ponto, não é demasiado anotar que a fiança é uma espécie de garantia, de natureza pessoal, com o fito de ampliar as possibilidades do credor para reaver seus haveres, em caso de inadimplência do devedor, ressaindo evidente seu matiz acessório em relação ao contrato credor⁄devedor. É, pois, um contrato acessório, unilateral, escrito e restrito, haja vista que o fiador somente se vincula à obrigação que pode suportar, com bens próprios, em caso de inadimplemento do devedor principal.
No caso, por ser a fiança garantia acessória, o fiador só pode ser responsabilizado pelos valores estipulados no contrato a que expressamente se vinculou, ou seja, somente se obriga até a data de vencimento final do ajuste (18⁄04⁄2007), não lhe podendo ser atribuído o débito relativo a novembro de 2008, ao qual não anuiu. A existência de cláusula genérica de prorrogação automática constante do contrato não tem o condão de estender, por prazo indefinido, a garantia prestada, a considerar a interpretação restritiva que deve ser dada ao instituto.
A propósito, o Código Civil de 2002, em seu artigo 819, ao estabelecer que a fiança não admite interpretação extensiva, define bem os contornos do instituto: sua essência, voltada para a garantia de uma obrigação, é incompatível com o traço de perpetuidade que determinados contratos tentam lhe conferir.
E nesse ponto, data maxima venia, dissente-se da digressão realizada pelo eminente relator com o fito de fazer incidir à fiança prestada em contrato bancário, a qual se aplica o Código Civil e o CDC, o regramento específico da fiança locatícia regulada pela Lei 8245⁄1991, que, dentre outras disposições especiais, dispõe em seu artigo 39, in verbis:
Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
Explica-se. A lei de locação dispõe, expressamente, que, "ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado", a garantia se estenderá até a devolução do imóvel, salvo se houver disposição contratual em contrário. Conforme bem ponderado pelo Ministro relator (às fls. 13 de seu judicioso voto), mesmo nessa hipótese, imprescindível seria a previsão de anuência expressa do garante quanto à extensão de sua responsabilidade até a entrega das chaves, em consonância com o decido por ocasião do julgamento do EREsp 566.633⁄CE (Dje. 12.03.2008, Relator Ministro Paulo Medina, Terceira Seção).
Na hipótese, diversamente, trata-se de contrato bancário (em relação ao qual não há regramento similar), com prazo determinado, em que a fiança prestada cinge-se tão somente ao período contratual fixado (termo final previsto para 18⁄04⁄2007), conforme, inclusive, foi reconhecido pelas instâncias ordinárias de forma uníssona. A existência de cláusula genérica de prorrogação automática do contrato, não se estende à garantia ofertada, porquanto, para este efeito, imprescindível seria expressa anuência do fiador nesse sentido, a considerar a interpretação restritiva que a lei de regência (art. 819 do Código Civil) impõe ao instituto.
Aliás, se no contrato de locação, em que há, inegavelmente, maior interação entre os contratantes, a fiança não é estendida às prorrogações⁄aditamentos do ajuste, conforme entendimento sumulado nesta Corte no enunciado n. 214⁄STJ (in verbis: "O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu"), com maior razão é de se restringir a garantia concedida, tão-somente, ao termo inicialmente avençado nos contratos bancários, em que o diálogo entre as partes afigura-se, senão inexistente, exíguo.
Efetivamente, quando o fiador se presta ao papel de garante num contrato que contém prazo determinado, assume o ônus de responder pelas dívidas que não sejam saldadas pelo devedor principal durante aquele período em específico, tão-somente, ressalta-se.
Extrapola o espírito da norma a previsão que vincula o fiador em prorrogações automáticas (e genéricas) do contrato, posto que isso acarreta a extensão do compromisso do fiador também para o caso de inadimplemento da obrigação assumida que possa ocorrer em lapso para o qual não anuiu expressamente, já após o termo do prazo inicialmente previsto.
Hodiernamente, os contratos, destacadamente aqueles que envolvem o hipossuficiente, além de demandarem a manifestação de vontade sem vício dos pactuantes, exigem também perfeito acesso e domínio, por parte do aderente, às informações acerca do alcance e de todas as circunstâncias do pactuado, sob pena de se estabelecerem obrigações díspares que, além de alheadas da comutatividade, resultem em disposições excessivamente onerosas e desvantajosas a qualquer delas.
Assim, em se tratando de contrato bancário, como no caso dos autos, no qual, inclusive, incide, em regra, as disposições do Código de Defesa do Consumidor (súmula 297 do STJ), o instituto da fiança deve sempre ser interpretado restritivamente.
Apenas a título elucidativo, afigura-se desinfluente para o deslinde da controvérsia a utilização ou não do benefício contido no artigo 835 do Código Civil, consistente na possibilidade do fiador eximir-se da fiança prestada sem limitação de tempo, mediante a notificação. É que, na hipótese ora em foco, além de o contrato ter sido estipulado por prazo certo (não sendo diferente a abrangência da correlata fiança), o débito atribuído aos garantes decorre de inadimplemento contratual ocorrido mais de um ano após o término da garantia concedida. É dizer, desnecessária a efetivação de notificação destinada a desobrigar o fiador da garantia ofertada, se esta há muito já se encontrava extinta.
Por fim, sobre a higidez da fiança dada em contrato bancário, na hipótese de prorrogação automática da avença, é de se destacar que esta Corte de Justiça já se manifestou sobre a questão, concluindo pela impossibilidade de estender a garantia fidejussória, sem a anuência expressa do garante nesse sentido.
Confira-se:
CIVIL E PROCESSUAL. FIANÇA DADA EM CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CLÁUSULA DE PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DA AVENÇA. GARANTIA. LIMITAÇÃO AO PRAZO ORIGINAL. CC ANTERIOR, ART. 1.483. EXEGESE.
I. A norma do art. 1.483 do Código Civil revogado é clara em exigir a formalidade na concessão da fiança e que não seja dada ao instituto interpretação extensiva.
II. Destarte, tem-se como correto o acórdão estadual que, afastando a cláusula que previa a prorrogação automática da fiança para além do prazo original de vigência do contrato de crédito em conta-corrente, exonerou o autor da garantia por valores tomados pela mutuária após findado o lapso original, sem que tivesse havido anuência expressa do garante nesse sentido.
III. Recurso especial não conhecido.
(REsp 594502⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄02⁄2009, DJe 09⁄03⁄2009 - grifo nosso)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. FIANÇA. INEFICÁCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. A cláusula que prevê prorrogação automática no contrato bancário não vincula o fiador, haja vista a interpretação restritiva que se deve dar às disposições relativas ao instituto da fiança.
Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 849201⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27⁄09⁄2011, DJe 05⁄10⁄2011 - grifo nosso)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - CORRETA INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL - 1. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA - ACÓRDÃO HOSTILIZADO QUE ENFRENTOU, DE MODO FUNDAMENTADO, TODOS OS ASPECTOS ESSENCIAIS À RESOLUÇÃO DA LIDE - 2. CONTRATO DE FIANÇA - CLÁUSULA DE PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DE AJUSTE DE MÚTUO - INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AOS GARANTES, QUANDO AUSENTE ANUÊNCIA EXPRESSA - AJUSTE QUE NÃO COMPORTA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA - PRECEDENTES DO STJ - 3.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(AgRg no Ag 1327423⁄SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 08⁄11⁄2011, DJe 21⁄11⁄2011 - grifo nosso)
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA. FIANÇA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA. INEFICÁCIA.
1.- "A cláusula que prevê prorrogação automática no contrato bancário não vincula o fiador, haja vista a interpretação restritiva que se deve dar às disposições relativas ao instituto da fiança" (AgRg no REsp 849.201⁄RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27⁄09⁄2011, DJe 05⁄10⁄2011).
2.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 214435⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄10⁄2012, DJe 31⁄10⁄2012)
E mais recentemente, no colegiado da Terceira Turma desta Corte Superior, o seguinte entendimento foi externado:
"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA PAGAMENTO. FIANÇA.
1.- A fiança, obrigação acessória que se pressupõe graciosa e de favor, deve ser interpretada restritiva e não ampliativamente.
2.- No caso de celebração de segundo contrato que prorrogou o prazo de pagamento, sem a anuência dos fiadores originais, o prazo prescricional conta-se do termo inicial estabelecido no primeiro contrato, não se podendo considerar, para nenhum efeito, contra os fiadores, as consequências do segundo contrato, de que não participaram.
3.- Não se considera, contra os fiadores, que não anuíram em segundo contrato, cláusula de que se extraia alongamento da fiança, mediante o alongamento da data de início do cômputo de prazo para início de prescrição, como consequência de previsão do primeiro contrato.
4.- Recurso Especial provido, Embargos de Devedor, interpostos pelos fiadores, julgados procedentes."
(REsp 1046472⁄RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06⁄11⁄2012, DJe 07⁄12⁄2012) - grifo nosso
Depreende-se do voto condutor do precedente acima referido que:
Ora, é mais que assente que fiança é ato de favor, cuja prestação resta imperscrutável na voluntariedade do fiador, podendo, inclusive, repousar no seu interesse no contrato, a qual, contudo, por ato de favor, interpreta-se sempre restritivamente, ou, na síntese de SÍLVIO DE SALVO VENOSA, "a interpretação restritiva é regra tradicional da fiança" ("Direito Civil", Vol. III, S. Paulo, Ed. Atlas, 12ª ed., 2012, p. 419). (...)
Como é de lição antiga, a "fiança jamais se presume: para que alguém possa assumir obrigações de outrem, preciso será ato expresso, formal, em que figure de modo explícito a responsabilidade contraída" (WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, "Curso de Direito Civil", 5º Vol., S.Paulo, ed. Saraiva, 27ª ed;. 1994, p. 362).
Assim, devendo-se conferir interpretação restritiva à fiança, afigura-se inviável estender tal garantia na hipótese de prorrogação automática da avença, sem que exista a imprescindível manifestação de vontade nesse sentido, circunstância inocorrente na hipótese em foco.
Por tais razões, permissa venia, ouso divergir do eminente relator para negar provimento ao recurso especial da casa bancária.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
VOTO-VOGAL
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (PRESIDENTE): Srs. Ministros, é um caso muito interessante que o voto do Sr. Ministro Relator aborda com muita propriedade.
Observo, da inicial, que os fiadores, somente depois de notificados pelo Banco acerca de um débito existente por conta da pessoa que afiançaram, despertaram para o interesse de se desfazer da responsabilidade que haviam assumido. Quer dizer, no momento em que chamados a responder por ela, acharam interessante conceber essa tese acerca da automática prorrogação do contrato sem a manutenção da garantia.
Podemos debater, só quis salientar esse ponto. O contrato tem cláusula que expressamente admite que os fiadores possam exonerar-se no final do período de um ano, desde que o façam expressamente, dizendo que, no ano seguinte, não estarão mais responsáveis pela fiança. Bastava isso. Não há dificuldade. Agora, isso não foi feito.
O contrato vinha sendo prorrogado anualmente, parece-me que de 2007 para 2008, e, quando estava em 2008, no segundo período de prorrogação, apareceram débitos pelos quais os fiadores não quiseram responder, mas que, de acordo com o contrato, ainda garantiam.
Essa é a situação. Tudo isso está destacado no voto do eminente Relator.
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (PRESIDENTE): Srs. Ministros, como o eminente Ministro Marco Buzzi, também entendo que o paralelo traçado entre a fiança dos contratos bancários e aquela fiança dos contratos de locação não é perfeito, pois a locação tem uma regência própria e específica, a Lei n. 8.245, como sabemos e como o Ministro Marco Buzzi frisa em seu voto.
Entretanto, penso que temos que definir se há abuso nessa prorrogação automática, que, no entender do eminente Ministro Marco Buzzi, ensejaria uma perpetuação da garantia da fiança. E quero crer que isso não ocorre, ao menos no caso que o eminente Relator nos trouxe, em que, embora haja a prorrogação automática do contrato, era fácil para o fiador desvincular-se do compromisso ali assumido, pois bastaria manifestar-se contrariamente à prorrogação para que ficasse isento do compromisso de garantia que assumira.
Então, parece-me que não há um abuso nessa cláusula na medida em que ela não subtrai do fiador a possibilidade de exonerar-se da fiança por ocasião do término do período de um ano de cada contratação. Agindo de antemão, com três meses de antecedência - o contrato nem estabelece que antecedência é essa -, ou até mesmo no último dia do contrato a findar, ele poderia fazer a notificação no banco e desvincular-se daquela obrigação assumida.
Embora eu compreenda a relevância dos precedentes invocados pelo eminente Ministro Marco Buzzi, pedindo vênia a S. Exa., acompanho o Relator para entender que não há abuso em casos em que a cláusula contratual de prorrogação automática do contrato bancário prevê a possibilidade de o fiador facilmente exonerar-se da obrigação mediante prévia comunicação ao banco, em qualquer tempo, antes do término do período de um ano do contrato.
Dou provimento ao recurso especial.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, peço vênia à divergência para aderir ao voto do Relator, considerando que, neste caso, as instâncias de origem afirmaram peremptoriamente que havia uma simples, clara previsão de que, em caso de prorrogação do contrato principal, que tem por característica ser cativo e de longa duração, há a prorrogação automática de fiança.
Assim como o Relator, penso que, havendo essa clara previsão contratual de prorrogação automática da fiança, não há ofensa ao CDC.
Diversa seria a minha conclusão se não houvesse cláusula de prorrogação da própria fiança. Neste caso, eu aplicaria o entendimento já exposto no precedente que tive a honra de ver citado no sentido de que a interpretação do contrato de fiança deve ser restritiva. Então, houvesse apenas uma cláusula de prorrogação automática do contrato, mas não prevista nessa cláusula a prorrogação da fiança também, penso que caberia essa interpretação restritiva a que me referi no precedente.
Mas, no caso, estando prevista a própria prorrogação da fiança e sendo o contrato, como ressaltou o Relator, por sua própria natureza, de longa duração, penso que a cláusula não é ofensiva ao CDC, sobretudo porque, segundo ressaltou V. Exa., fica sempre facultado ao fiador exonerar-se da fiança. O que não pode é, após haver a dívida vencida e não paga, ele procurar descumprir a obrigação que assumira.
Uma vez o fiador valendo-se da prerrogativa de se opor à continuidade do contrato, notificando previamente o banco dessa situação, o banco haveria de exigir do correntista novo fiador com todos os custos inerentes a esse aditamento contratual. Mas não é o que aconteceu no caso, em que se busca, no Judiciário, eximir-se de obrigação claramente constante do contrato.
Acompanho, portanto, o Ministro Relator, com a devida vênia da divergência.
Dou provimento ao recurso especial.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.374.836 - MG (2013⁄0054365-6)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADO : VALNEI DAL BEM E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÁRCIO LUIZ OKAZAKI E OUTRO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA
TIAGO DE MELO RIBEIRO
RICARDO REZENDE ROCHA
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente, também cumprimento o Ministro MARCO BUZZI pelo primoroso voto, mas peço vênia a S. Exa. para acompanhar o Relator por entender que não implica interpretação extensiva exigir-se do fiador o cumprimento daquilo que, de modo claro e preciso, consta do contrato.
Então, com a devida vênia do Ministro MARCO BUZZI, DOU PROVIMENTO ao recurso especial na forma do voto do eminente Relator.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2013⁄0054365-6
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.374.836 ⁄ MG
Números Origem: 0271091277910 10271091277910002 10271091277910003 10271091277910004 10271091277910005 271091277910
PAUTA: 03⁄10⁄2013 JULGADO: 03⁄10⁄2013
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADO : VALNEI DAL BEM E OUTRO(S)
RECORRIDO : MÁRCIO LUIZ OKAZAKI E OUTRO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA
TIAGO DE MELO RIBEIRO
RICARDO REZENDE ROCHA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Fiança
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi, negando provimento ao recurso especial, divergindo do Relator, e os votos dos Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, acompanhando o Relator, a Quarta Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator.
Votou vencido o Sr. Ministro Marco Buzzi (voto-vista).
Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

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