sábado, 26 de abril de 2014

Cessão de direito hereditários. Distinção entre cessão universal e parcial. Onerosa e gratuita


"Adverte Arnaldo Rizzardo: "Na cessão de direitos hereditários, há a transferência, ou venda, da porção que toca a um determinado herdeiro, a outro herdeiro. Opera-se uma transferência onerosa, para uma pessoa certa, o que se distingue completamente da renúncia, onde o herdeiro abdica de todos os direitos, ou se afasta do círculo do inventário, sem nada receber e sem dirigir seu quinhão para uma ou mais pessoas" (Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 99). E complementa: "Costuma-se distinguir a cessão em universal e parcial. A primeira espécie dá-se quando envolve todos os direitos do cedente, ou a sua quota por inteiro. A segunda restringe-se a uma parte do patrimônio componente do quinhão do cedente, o que lhe dá direito a participar do inventário. [...] Divide-se a cessão, ainda, em onerosa e gratuita, sendo predominante a primeira. Há, todavia, cessões sem incluir qualquer contraprestação, ou sem constar o preço." (op. cit. p. 101-102)".

Íntegra do acórdão:
Acórdão: Agravo de Instrumento n. 2008.048800-2, de Blumenau.
Relator: Des. Carlos Adilson Silva.
Data da decisão: 06.05.2010.
 
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. ESBOÇO DE PARTILHA. HOMOLOGAÇÃO CONDICIONADA AO RECOLHIMENTO DO ITBI. INSURGÊNCIA DO INVENTARIANTE. DIVISÃO QUE TRANSFERE IMÓVEL PARA HERDEIRO ESPECÍFICO, MEDIANTE INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. HIPÓTESE CARACTERIZADORA DE CESSÃO DE DIREITO HEREDITÁRIO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO INTER VIVOS. INTERLOCUTÓRIO INTOCÁVEL. RECURSO DESPROVIDO. Havendo transferência da propriedade de imóvel a herdeiro específico, mediante contraprestação, configura-se a chamada renúncia translativa onerosa, fato gerador do ITBI.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.048800-2, da comarca de Blumenau (2ª Vara da Família), em que é agravante Adalberto Imhof.
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Adalberto Imhof interpôs agravo de instrumento contra a decisão proferida na ação de inventário em trâmite na 2ª Vara da Família da Comarca de Blumenau, que determinou o recolhimento do imposto inter vivos, após análise do esboço de partilha.
Sustentou inexistir cessão a justificar o recolhimento de imposto de transmissão e requereu o provimento do recurso para reformar a decisão recorrida.
Inexistindo pedido do efeito suspensivo, o recurso foi redistribuído para esta Quarta Câmara de Direito Civil, e os autos remetidos a este Relator, designado para atuar neste Órgão Fracionário.
Em escorço, é o relatório.
VOTO
Desafia o presente agravo de instrumento o decisum de Primeiro Grau que, em ação de inventário, determinou o recolhimento do imposto inter vivos, em face do reconhecimento de cessão implícita havida no esboço de partilha apresentado pelos herdeiros.
Contra essa decisão insurge-se o agravante, asseverando que tal imposto não incide no caso em apreço, haja vista que não houve transmissão de bens de um herdeiro para o outro, mas sim uma divisão segundo a qual os móveis e imóveis ficaram com um dos herdeiros e o valor equivalente ao quinhão dos demais seria pago em espécie, de forma parcelada, para evitar a alienação dos bens para então proceder-se a divisão.
A razão não acompanha o agravante.
Dispõe o artigo 156, III, da Constituição Federal de 1988:
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - [...]
II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;"
Portanto, incide ITBI sobre a transmissão, a qualquer título, de bem imóvel, por ato entre vivos.
É sabido ser um direito da pessoa recusar a herança. Não há lei que a obrigue a receber, se ela não se dispõe a tanto. Nesta hipótese, ocorre a chamada renúncia abdicativa, segundo a qual o herdeiro abre mão de sua parte dos bens deixados pelo de cujus, os quais revertem em favor do monte, sendo pacífico que, nesta hipótese, não há incidência do imposto de transmissão inter vivos.
Todavia, é impossível o repúdio parcial da herança, por ser esta uma unidade indivisível até a partilha, nos estritos termos do artigo 1.808 do Código Civil:
"Art. 1808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo."
Disso extrai-se que os herdeiros, no caso concreto, ao efetuarem a partilha, aceitaram a herança, não se tratando de renúncia abdicativa.
Por outro norte, com o repasse do bem imóvel em favor de um herdeiro, mediante pagamento em dinheiro, ocorreu hipótese de cessão (ou renúncia translativa), porquanto a "divisão" realizada consistiu na transmissão de bem imóvel inter vivos.
Adverte Arnaldo Rizzardo:
"Na cessão de direitos hereditários, há a transferência, ou venda, da porção que toca a um determinado herdeiro, a outro herdeiro. Opera-se uma transferência onerosa, para uma pessoa certa, o que se distingue completamente da renúncia, onde o herdeiro abdica de todos os direitos, ou se afasta do círculo do inventário, sem nada receber e sem dirigir seu quinhão para uma ou mais pessoas." (Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 99)
E complementa:
"Costuma-se distinguir a cessão em universal e parcial.
A primeira espécie dá-se quando envolve todos os direitos do cedente, ou a sua quota por inteiro. A segunda restringe-se a uma parte do patrimônio componente do quinhão do cedente, o que lhe dá direito a participar do inventário.
[...]
Divide-se a cessão, ainda, em onerosa e gratuita, sendo predominante a primeira. Há, todavia, cessões sem incluir qualquer contraprestação, ou sem constar o preço." (op. cit. p. 101-102).
Acerca da distinção entre a renúncia abdicativa e translativa, ensina a doutrinadora Maria Helena Diniz:
"A cessão gratuita, pura e simples, da herança a todos os demais co-herdeiros ou em benefício do nome equivale à renúncia. Se o cedente ceder seu quinhão em favor de certa pessoa, devidamente individualizada, estará aceitando a herança; doando-a logo em seguida àquela pessoa, não se configura renúncia. Nesta última hipótese tem-se a renúncia translativa, que, na realidade, é aceitação, por conter uma dupla declaração de vontade: a de aceitar a herança e a de alienar à pessoa designada sua cota hereditária. Só é autêntica renúncia abdicativa, ou seja, cessão gratuita, pura e simples, feita indistintamente a todos os co-herdeiros (CC, art. 1.805, § 2º). Se a renúncia for abdicativa, ou melhor, pura e simples, o único imposto a ser pago pelo beneficiário é o causa mortis, ao passo que se for translativa, por ser uma doação que se segue à aceitação da herança, incidirá na tributação inter vivos (RT, 264:391) e causa mortis (RT, 293:533, 320:257, 329:650)" (Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. v. 6. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 70-71).
Do escólio de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, colhe-se:
"6. Renúncia 'translativa' (in favorem). Não é propriamente renúncia. É negócio jurídico de alienação, pelo qual o renunciante (rectius: alienante) abre mão de sua quota-parte na herança em favor de alguém perfeitamente individualizado (pessoa física ou jurídica). Esse negócio jurídico implica prévia aceitação da herança e posterior alienação do quinhão hereditário ao favorecido individualizado". (Código Civil Comentado e legislação extravagante. 3 ed. rev. e ampl. Atual. até 15.06.05 São Paulo: RT, 2005, p. 835).
Não importa, para a incidência do imposto, se a cessão teve contornos de divisão.
Havendo transferência da propriedade de imóvel a herdeiro específico e individualizado, mediante contraprestação, configurou-se a chamada renúncia translativa, consistente em alienação, fato gerador do ITBI.
Nesse sentido já se manifestou esta Corte de Justiça:
"[...] havendo a menção do destinatário da herança renunciada, presume-se a aceitação tácita da herança pelos herdeiros que, em ato posterior, transferem os direitos hereditários a determinado favorecido, caracterizando, na verdade, negócio jurídico de alienação ou doação, e não renúncia propriamente dita." (Agravo de instrumento n. 2005.025184-6, de São José. Relator: Luiz Carlos Freyesleben. Data Decisão: 9/02/2006)
A título de reforço:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO. [...]. ITBI - FATO GERADOR - TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE DE BENS IMÓVEIS, POR ATO ONEROSO E INTER VIVOS - EXEGESE DO ART. 156, II, DA CF.
O ITBI incide na transmissão do direito de propriedade de bens imóveis do patrimônio de alguém para o patrimônio de outrem (Ives Gandra da Silva Martins, in Curso de Direito Tributário, 8ª ed. Ed. Saraiva, p. 746). RECURSO DESPROVIDO." (Agravo de Instrumento n. 2003.025905-8, de Trombudo Central. Relator: Mazoni Ferreira, j. em 6-10-2005)
E do corpo do voto, extrai-se:
"Frisa-se que a "distinção entre renúncia propriamente dita (renúncia abdicativa) e renúncia translativa mostra que, na segunda, há uma aceitação com posterior transmissão. A renúncia translativa envolve doação" (RT 693/131).
[...]
Destarte, na cessão ou doação da herança entre herdeiros e inventariante incide tanto o imposto causa mortis como o inter vivos, haja vista que os herdeiros receberam os bens do de cujus e transferiram à inventariante, a título oneroso, haja vista que esta obrigou-se a quitar as dívidas do espólio."
Registre-se que somente não haveria incidência do imposto de transmissão inter vivos na hipótese de formação de condomínio entre os herdeiros do imóvel herdado ou sua alienação, situações não verificadas na espécie.
É a lição de Silvio Rodrigues:
"Quando no quinhão de qualquer dos herdeiros não couber imóvel pertencente ao espólio, que não admite divisão cômoda, abrem-se aos herdeiros diversas vias.
A primeira seria de deixar o prédio em condomínio, cabendo a cada condômino parte ideal, participando cada qual, e proporcionalmente, da renda por ele produzida.
A segunda consistiria em vender o imóvel, para dividir o preço. Nesse caso, seguir-se-á o processo de venda judicial, referido nos arts. 1.113 e seguintes do Código de Processo Civil, dispensando-se a formalidade da praça ou leilão, se os interessados, sendo capazes, convierem na venda particular.
Finalmente, a última hipótese seria a de qualquer herdeiro requerer a adjudicação, propondo-se tornar aos co-herdeiros, em dinheiro, a diferença entre o valor do prédio e o seu quinhão. Se mais um dos co-herdeiros pleitear a adjudicação, o juiz ordenará que entre eles se estabeleça a licitação, saindo vencedor o autor do maior lance" (Direito das Sucessões, Saraiva, São Paulo, vol. 7, 1977, pág. 277).
Em arremate, ainda que não se reconheça a ocorrência de cessão, a "divisão", na forma como apresentada, estaria a camuflar verdadeira adjudicação por parte do herdeiro Reginaldo Dias, porquanto estaria adquirindo imóvel herdado que não cabe no quinhão de um só herdeiro, por meio de indenização dos demais herdeiros, e sem o recolhimento do imposto devido, eis que "o adjudicatário deverá pagar o imposto de transmissão inter vivos sobre a parte que exceder a sua quota hereditária, independentemente do imposto causa mortis." (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 412).
Ante o exposto, tendo em conta que a alegada divisão consistiu em verdadeira cessão (renúncia translativa), correta a decisão que determina o recolhimento do ITBI no presente caso, razão pela qual voto no sentido de negar provimento ao recurso.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, decidiu a Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
O julgamento, realizado no dia 6 de maio de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva.
Florianópolis, 10 de maio de 2010
Carlos Adilson Silva
Relator
Gabinete Des. Subst. Carlos Adilson Silva
Enunciados Diretrizes Súmulas Revista Jurisprudência Informativos da Jurisprudência Informativos da Presidência
Portal da Jurisprudência Catarinense - Versão 2.4.3 | Tribunal de Justiça de Santa Catarina 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário