segunda-feira, 7 de abril de 2014

1ª VRP|SP: Escritura de permuta em que se gravam as partes permutadas com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade – a permuta é negócio jurídico oneroso que não permite a imposição de cláusulas restritivas de domínio – tampouco se podem restringir bens próprios – dúvida procedente.

0051661-58.2013.8.26.0100
CP 344
Pedido de Providências
GUILHERME GUERRA SARTI e outros
Sentença
Dúvida inversa
Escritura de permuta em que se gravam as partes permutadas com cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade – a permuta é negócio jurídico oneroso que não permite a imposição de cláusulas restritivas de domínio – tampouco se podem restringir bens próprios – dúvida procedente.
Vistos etc.
1. GUILHERME GUERRA SARTI (GUILHERME), CAROLINA GUERRA SARTI (CAROLINA), HOMERO SARTI (HOMERO) e LUIZA HELENA GUERRA SARTI (LUIZA) suscitaram dúvida inversa.
1.1. Nos termos da peça inicial (fls. 02-07), GUILHERME e CAROLINA são os únicos filhos de HOMERO e LUIZA. Estes genitores doaram (cf. R.01/85.671 – fls. 36, e R.12/3.167 – fls. 34 verso) para os seus dois filhos, em partes iguais, dois imóveis arquitetonicamente idênticos, descritos nas matrículas 85.671 e 3.167 (fls. 36-37 e 32-35, respectivamente) do 13º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo (RI). No ato de doação, HOMERO e LUIZA reservaram para si o usufruto vitalício dos imóveis doados e gravaram-nos com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade (v. fls. 35 e fls. 36 -37).
1.2. Com o objetivo de extinguir a situação de condomínio que recai sobre os imóveis de matrículas 85.671 e 3.167 do 13º RI, os irmãos GUILHERME e CAROLINA pretendem o registro de escritura de permuta (fls.13-16) em que trocam as partes ideais que lhes pertencem nos imóveis, de modo que a nua propriedade do imóvel de matrícula 85.671 passa a pertencer, em sua totalidade, a GUILHERME e a nua propriedade do imóvel de matrícula 3.167 passa a pertencer, em sua totalidade, a CAROLINA, com a manutenção dos usufrutos vitalícios em benefício do casal HOMERO e LUIZA.
1.3. O título que se pretende registrar foi apresentado ao 13º RI em mais de uma ocasião (prenotação 275.805 – fls. 12; prenotação 277.413 – fls. 11; e prenotação 280.156 – fls. 08). O 13º RI negou registro à escritura pública de permuta principalmente porque GUILHERME e CAROLINA pretendem ‘manter’ as clausulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade das partes ideais dos imóveis que permutaram. O registrador esclarece que a permuta é operação onerosa que não permite a instituição de cláusulas restritivas; ademais, os permutantes estariam clausulando bens próprios ao dispor que as cláusulas restritivas se mantenham, o que é proibido por lei.
1.4. Não se conformando com o óbice, os suscitados suscitaram dúvida inversa, e apresentaram documentos (fls. 08-26).
2. Sobreveio manifestação do 13º RI (fls. 29-31).
2.1. A serventia de registro de imóveis corroborou suas exigências, informou ter prenotado a escritura de permuta sob número 281.379 e fez juntar certidões atualizadas dos imóveis de matrícula 85.671 e 3.167.
3. O Ministério Público deu parecer pela manutenção do óbice (fls. 39-40).
4. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.
5. Os suscitados pretendem o registro de escritura de permuta em que gravam as partes ideais que recebem, pela operação, com cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, entendendo que apenas “mantêm” a restrição que já havia sido estipulada por seus genitores em ato de doação pretérito (i. e., alegam que haveria mera transferência do ônus).
6. De início, cumpre deixar claro que a permuta é transação de natureza bilateral e onerosa. É válido transcrever aqui o ensinamento de Hamid Charaf Bdine Jr., citado pelo Ministério Público em seu parecer (fls. 40), elucidando que a permuta é negócio jurídico em que: “ambas as partes possuem obrigações recíprocas, com sacrifícios e vantagens comuns. O objetivo de aquisição e transferência de coisas equivalentes é o mesmo da compra e venda, diferenciando-se no que diz respeito à inexistência de um preço” (Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 6ª ed., Manole, p. 584).
7. Ora, a instituição de cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade somente pode ser realizada em atos gratuitos (doação ou testamento): “As cláusulas restritivas de propriedade só podem ser estabelecidas nos atos graciosos ou de mera liberalidade (doação ou testamento), não podendo ser impostos em ato oneroso, como a permuta.” (Ademar Fioranelli. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 52)
8. Na operação pretendida pelos suscitados, tem-se clara gravação de bens próprios pelos permutantes. Isso porque eles alienam a parte ideal que lhes cabe e recebem outra em seu lugar, transferindo o gravame que havia na parte alienada para a parte recebida: “Cláusulas restritivas constituem ônus que só se estabelecem em relação a terceiros, ou seja, donatários, herdeiros e legatários, pois o sistema jurídico não possibilita, não permite, vincular os próprios bens, à exceção do bem de família” (Proc. 000.98.021177-8 – 1ª Vara de Registros Públicos – j. 03.02.1999 – Juiz Oscar José Bittencourt Canto apud Ademar Fioranelli, op. cit., p. 52)
9. Neste cenário, assiste razão ao registrador ao obstar o ingresso do título em fólio real.
10. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada inversamente por GUILHERME GUERRA SARTI, CAROLINA GUERRA SARTI, HOMERO SARTI e LUIZA HELENA GUERRA SARTI, mantendo-se o óbice imposto pelo 13º Ofício do Registro de Imóveis (prenotação 281.379). Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Desta sentença cabe apelação, com efeito e devolutivo, para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de 15 dias. Uma vez preclusa esta sentença, cumpra-se a LRP/1973, art. 203, I, e arquivem-se os autos, se não for requerido mais nada.
P. R. I. C.
São Paulo, 11 de dezembro de 2013.
Josué Modesto Passos, Juiz de Direito
(D.J.E. de 08.01.2014 – SP)

D.J.E. | 08/01/14

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