sábado, 19 de outubro de 2013

INVENTÁRIO E PARTILHA ADMINISTRATIVOS HAVENDO TESTAMENTO CADUCO OU REVOGADO.

INVENTÁRIO E PARTILHA ADMINISTRATIVOS HAVENDO
TESTAMENTO CADUCO OU REVOGADO.

EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUZA
Tabelião e Registrador – 2º Ofício de Teresópolis, R.J.



1) A controvérsia;
2) A mens legis;
3) O notário como profissional do direito;
4) O correto entendimento do Judiciário paulista;
5) Conclusão.





1) A controvérsia.

 O art. 982 do Código de Processo Civil foi
alterado pela Lei 11.441/07, passando a ter a seguinte redação: “Havendo
testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se
todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha
por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro
imobiliário”.
 Portanto, com o advento da Lei 11.441/07,
permitiu-se o inventário e a partilha por escritura pública, a critério dos
interessados, desde que todos sejam capazes e concordes, e não haja
testamento. 2

 Inicialmente prevaleceu uma interpretação
literal, pela qual a existência de testamento, ainda que caduco ou
revogado1
, impedia a lavratura de escritura pública de inventário e partilha.
 Com o decorrer do tempo, tal interpretação
passou a ser questionada. Seria realmente a vontade do legislador impedir a
lavratura da escritura no caso de testamentos caducos ou revogados?
 Esta a controvérsia que abordaremos neste
breve estudo.

2) A mens legis.

 Não podemos nos afastar da mens legis. O
Código Civil português, em seu art. 9º, cuida da interpretação da lei nos
seguintes termos:
 “Artigo 9º - (Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir
dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade
do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as
condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser
considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra
da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente
expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá
que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o
seu pensamento em termos adequados”.
 O deputado Maurício Rands2
, ao apresentar
seu relatório à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto
ao projeto que deu origen à Lei 11.441/07, afirmou:

1
 “A caducidade ocorre quando há um esvaziamento da deixa testamentária
ou porque o bem já não mais existe (pouco importando a causa, desaparecimento,
alienação, perda), ou porque não existe o sujeito (herdeiro ou legatário) para
suceder (…) Do mesmo modo, há caducidade se os herdeiros tiverem falecido antes
do testador; se a condição da cláusula frustar-se (não tiver mais possibilidade de
implemento) ou se os instituídos sob condição suspensiva falecerem antes do
implemento da condição”. Exemplos apresentados por Sílvio de Salvo Venosa, em
Direito Civil, Direito das Sucessões, 8ª edição, São Paulo, Atlas, 2.008.
2
 Disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=3863543

 “A proposta analisada tem como intuito
simplificar a realização da partilha consensual por meio de escritura
pública, desde que envolva herdeiros capazes, dispensando esse
procedimento da homologação judicial. A atuação do Poder Judiciário nos
casos mencionados, via de regra, limita-se à ratificação do acordo
previamente firmado entre as partes. Na partilha consensual envolvendo
herdeiros capazes inexiste conflito, o que torna a intervenção judicial
dispensável, uma vez que os requisitos necessários para a realização de
transação entre as partes estão presentes. Assim, ao dispensar a necessidade
de homologação judicial nesse procedimento, o ordenamento não prejudica
nenhuma das partes, pelo contrário, contribui para que elas formalizem a
partilha de modo mais célere e simplificado (...) Dessa forma, recorremos à
proposta inserida no ‘Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais
Rápido e Republicano’, documento assinado pelos representantes dos três
poderes e que contém as diretrizes e projetos que norteiam o processo de
reforma do nosso sistema jurisdicional, para formular nova proposta para o
projeto analisado, de modo a ampliar as mudanças objetivadas. No
substitutivo proposto, a alteração proposta para o artigo 2.015 do Código
Civil3
 é substituída pela alteração da redação do artigo 982 do Código de
Processo Civil, cujo texto passa a permitir a realização do inventário e da
partilha consensuais por escritura pública, desde que os interessados sejam
capazes e não haja testamento. Importante explicar que a restrição imposta
à realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista
testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a
interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências
entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma
partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que
inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial”.

&filename=PRL+1+CCJC+%3D%3E+PL+6416/2005, acesso em 20/09/13.
3
 A proposta inicial (PL 6416/2005), dispunha: “O art. 2.015 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passa a vigorar com a seguinte
redação: ‘Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha
amigável: I – por escritura pública, extrajudicialmente, quando existir um
único bem a partilhar; II – por termo nos autos do inventário ou escrito
particular homologado pelo juiz’.” 4

 Verifica-se que o projeto inicial foi
ampliado4
, nascendo a Lei 11.441/07 dentro da proposta inserida no ‘Pacto
de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano’. A
ampliação do projeto inicial não pode ser olvidada, mesmo porque
motivada pelos objetivos do referido Pacto. Resta claro que a intenção foi
afastar do Poder Judiciário o que pode ser solucionado por outras formas, o
que deve ser considerado na interpretação da lei modificadora.
 Dessa forma, foram possibilitados o
inventário e a partilha administrativos, sem restrições quanto ao monte
partível, não havendo incapazes e testamento, justificando o relator
Maurício Rands a restrição quanto ao testamento, que reproduzimos por ser
o ponto de interesse: “Importante explicar que a restrição imposta à
realização do procedimento extrajudicial nos casos em que exista
testamento, deve-se ao fato de que a prática forense tem demonstrado que a
interpretação desses documentos geralmente suscita grandes divergências
entre os herdeiros, o que aumenta consideravelmente as chances de uma
partilha consensual, posteriormente, transformar-se litigiosa, o que
inutilizaria os atos praticados no procedimento extrajudicial”.
 O legislador, portanto, restringiu a lavratura
da escritura pública em razão de grandes divergências na interpretação dos
testamentos pelos herdeiros. Aqui o ponto nodal: só haverá divergência na
interpretação dos testamentos se estivermos diante de um testamento válido
e eficaz. Na hipótese de testamento revogado ou caduco, inviável qualquer
discussão sobre sua interpretação, posto que o testamento já não estará apto
a produzir qualquer efeito, não se justificando qualquer restrição à
realização do procedimento administrativo.
 O espírito da Lei 11.441/07, no momento
histórico em que foi editada, não era outro senão simplificar, tornar mais

4
 A proposta inicial dispensava de homologação judicial a partilha realizada
por escritura pública, quando existisse um único bem a partilhar, como se viu,
sendo ampliada para permitir o inventário e a partilha administrativos
independentemente da composição da herança, desde que os herdeiros fossem
capazes, tendo em vista a natureza opcional do procedimento. Segundo Maurício
Rands, “diante disso, a proposta teria maior impacto sobre o ordenamento, com
conseqüências positivas para a redução da demanda do Poder Judiciário e na
melhoria dos procedimentos disponíveis para a população, ao menos para a
realização do inventário e da partilha”.
 5

célere, facilitar o inventário e a partilha. Interpretar literalmente o disposto
no art. 982 da lei processual civil não atende à intenção da lei.
 O Ministro de Estado da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, ao encaminhar ao Presidente da República o Projeto de Lei
que redundou na Lei 11.441/07, afirmou que “sob a perspectiva das
diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça faz-se necessária a
alteração do sistema processual brasileiro, com o escopo de conferir
racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem,
contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa. De há muito
surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de
reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas,
como o Instituto de Direito Processual Brasileiro, a Associação dos
Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de
órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder
Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de
dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei de Juizados Especiais,
para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que
atualmente caracteriza a atividade em questão. A proposta prevê a
possibilidade de realização de inventário e partilha por escritura pública,
nos casos em que somente existam interessados capazes e concordes.
Dispõe, ainda, a faculdade de adoção do procedimento citado em casos de
separação consensual e de divórcio consensual, quando não houver filhos
menores do casal. Entendo não existir nenhum motivo razoável de ordem
jurídica, de ordem lógica ou de ordem prática que indique a necessidade de
que atos de disposição de bens, realizados entre pessoas capazes - tais
como os supracitados, devam ser necessariamente processados em juízo,
ainda mais onerando os interessados e agravando o acúmulo de serviço
perante as repartições forenses” (grifos nossos)5
.

3) O notário como profissional do direito.

 Tive oportunidade de abordar, por ocasião
da edição da Lei 11.441/07, a qualidade de profissionais do direito dos
notários e registradores.

5
 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Noções Fundamentais de
Direito Registral e Notarial. São Paulo: Saraiva, 2.011.
 6

 Naquela oportunidade6
, em texto intitulado
“A Lei 11.441/07 e um novo tempo para afirmar a independência jurídica
dos tabeliães e registradores, profissionais do direito”, afirmei que:
 “A Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994,
ao regulamentar o art. 236 da Constituição Federal definiu os tabeliães e
registradores como profissionais do direito.
 Dispõe o art. 3° da referida lei:
“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são
profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro” (grifo nosso).
 Passados mais de treze anos (à época da
publicação do texto) de vigência da lei lamentavelmente ainda vemos
alguns tabeliães e registradores agindo como simples amanuenses e,
especialmente, uma gama de pessoas que não os vêem como verdadeiros
profissionais do direito. Infelizmente dentre tais pessoas muitas vezes nos
deparamos com integrantes do Poder Judiciário, incumbido pela Carta
Magna da fiscalização dos atos praticados por tabeliães e registradores
(§1° do art. 236, in fine), sem que tal poder, contudo, importe em
subordinação hierárquica no exercício das funções. O limite do poder de
fiscalização dos atos pelo Judiciário é ainda ponto nebuloso no exercício da
atividade, agravado pela ausência de regulamentação de normas legais
relativas à atividade e pela existência de custos, agregados aos
emolumentos, que se destinam ao Poder Judiciário e outras entidades,
fazendo vicejar um cipoal de normas administrativas que servem de
antolhos aos tabeliães e registradores.
 O momento, no entanto, é de afirmação da
qualidade conferida pela Lei 8.935/94. O Poder Legislativo tem
reconhecido tal qualidade e cabe aos tabeliães e registradores se fazerem
respeitar como profissionais do direito. Não devem aceitar a imposição de
fórmulas; devem exercer efetivamente as funções notariais e registrais.
Claro que respeitando a fiscalização dos atos pelo Poder Judiciário e suas
decisões, mas jamais deixando de analisar sob o foco jurídico os atos em
que são chamados a intervir7
.

6
 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Noções Fundamentais de
Direito Registral e Notarial. São Paulo: Saraiva, 2.011.

7
 Luís Paulo Aliende Ribeiro (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da
Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo: Saraiva, 2.009) afirma, ao
abordar a atuação regulatória do Estado, que um cuidado há de ser mantido e se 7

 A independência jurídica dos tabeliães e
registradores não é novidade na doutrina internacional, e o ‘modelo da
independência jurídica do registrador e do notário, como foi antecipado,
ajusta-se, entre nós, ao direito posto: notário e oficial de registro são
profissionais do direito, dotados de fé pública (art. 3°, da Lei 8.935/1994),
gozando de independência no exercício de suas atribuições’ (art. 28, da Lei
cit.).8

 E em que contexto vem se dando a
valorização da qualidade de profissionais do direito? Dentro das medidas
legislativas na busca de soluções mais céleres, simples, e menos onerosas
para a solução de determinadas questões, antes de exclusiva atuação do
Poder Judiciário.
 Exemplificando: a Lei 9.492/97, que
regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros
documentos de dívida, ao alargar significativamente o rol dos documentos
que podem ser apresentados ao tabelionato de protestos; a Lei 9.307/96,
que dispõe sobre a arbitragem, que significa a resolução do litígio por meio
de árbitros, com a mesma eficácia da sentença judicial; a Lei 9.514/97, ao
instituir a alienação fiduciária de coisa imóvel e a solução extrajudicial em
caso de descumprimento do contrato (dando mais celeridade à recuperação
do crédito e, portanto, mais eficácia à garantia); a Lei 10.931/04, que
alterou o art. 213 da Lei 6.015/73 permitindo a retificação administrativa
do registro imobiliário; e finalmente a Lei 11.441/07, que alterou o Código
de Processo Civil para permitir que o inventário e a partilha, assim como a
separação e o divórcio, na inexistência de incapazes, se façam por escritura
pública.
 Verifica-se, portanto, uma tendência de
afastar do Poder Judiciário conflitos que comportem outro meio de solução.
A morosidade do Poder Judiciário, já bastante assoberbado, e o custo do
acesso à justiça incrementam as atividades que permitem aos interessados
ver suas questões decididas sem intervenção do Poder em foco, que deve
ser reservado para decidir conflitos em que seu atuar seja imprescindível.

refere ao risco “sempre presente, de que a busca pela uniformização de condutas
possa implicar, de qualquer modo, em indevida restrição à atividade jurídica
do notário e do registrador, que deve ser exercida de forma independente,
motivada e com responsabilidade” (grifamos).
8
 DIP, Ricardo Henry Marques. Registro de Imóveis (Vários Estudos). Porto
Alegre: Safe, 2.005. 8

 A atuação do tabelião, seja de notas ou de
protesto, e do registrador imobiliário, vem se expandindo, como se vê pela
evolução legislativa. Reconhece o legislador federal serem os profissionais
adequados, em razão de sua tradição e de sua independência jurídica, a
colaborar na solução mais célere de diversas questões, sem que se
prescinda da segurança jurídica e da eficácia.
 Entretanto, editada a Lei 11.441/07, que
valorizou enormemente a profissão dos tabeliães e registradores, vivemos
momentos de perplexidade. Muitos aguardaram orientações das
Corregedorias para aplicação da lei; algumas Corregedorias, extrapolando
suas funções, se movimentaram para expedir normas, chegando a do
Estado do Acre a criar modelos a serem seguidos.
 Como profissionais do direito, com
independência jurídica, devem tabeliães e registradores praticar os atos
como autorizados pela lei. Não dependem de qualquer orientação ou
autorização administrativa, nem a elas estão sujeitos. Em verdade, tabeliães
e registradores não podem deixar de praticar os atos solicitados pelos
interessados que preencham os requisitos legais, cabendo-lhes dar a correta
interpretação jurídica aos dispositivos legais aplicáveis. São ônus do
exercício da função. O que devem, e efetivamente fazem, é debater e
analisar os avanços legislativos em seus institutos de estudo, para que
atuem sempre com mais segurança.
 Diante da inexorável conclusão de que as
circunstâncias favorecem a afirmação da qualidade de profissionais do
direito, como tais devem agir todos os tabeliães e registradores, atuando
incontinenti diante de qualquer alteração legislativa que alargue o âmbito
de suas atribuições.
 Encerro transcrevendo pensamento do Des.
Ricardo Dip, em Registro de Imóveis9
: ‘decidir que futuro haverá para as
instituições do registro e das notas é escolher já, como faz quem se adverte
responsável pelo tempo que passa, se essas instituições detêm liberdade
jurídica para sua atuação profissional. Sem essa liberdade, correm risco de
com ela morrerem a autonomia de vontades e a propriedade particular.
Nisso há também um risco da decisão, mas esse risco é o que valoriza a
liberdade’. E na esteira da Lei 11.441/07 devemos já afirmar e confirmar a
independência jurídica dos tabeliães e registradores, profissionais do
direito”.

9
 Obra citada, pág. 132. 9

 O texto produzido há mais de cinco anos, e
parcialmente ora reproduzido, ainda é atual. Tabeliães têm se furtado a
lavrar escrituras de inventário e partilha sob alegação de que testamentos
revogados e caducos impedem a prática do ato. S.M.J., cuida-se de
interpretação equivocada, apenas literal e dissociada do momento que
vivemos, dando azo, ainda, a que nos tachem de meros amanuenses,
quando somos profissionais do direito amplamente habilitados a verificar
se um testamento está revogado ou caducou, no exercício de nossa
atividade jurídica.

4) O correto entendimento do Judiciário paulista.

 A Corregedoria Geral da Justiça do Estado
de São Paulo editou o Provimento CG Nº 40/2012, alterando as Normas de
Serviço para manifestar expressamente o entendimento que ora se busca
sustentar.
 O mencionado Provimento alterou o
Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que
atualmente estabelece: “129. É possível a lavratura de escritura de
inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco ou
quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a
invalidade do testamento. 129.1. Nessas hipóteses, o Tabelião de Notas
solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência
de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável,
a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada e o
inventário far-se-á judicialmente” (grifo nosso).
 A manifestação da Corregedoria, a meu ver,
seria desnecessária, pois ao tabelião cabe interpretar a lei e aplicá-la.
Contudo, é muito salutar, pois gera um ambiente de segurança para aqueles
que temem assumir os riscos da interpretação, sejam tabeliães ou
registradores a quem os títulos vierem a ser apresentados para acesso ao
fólio real.
 Com efeito, a hipótese de invalidade do
testamento, elencada pela Corregedoria paulista, deve ser precedida de
decisão judicial, mas no caso de testamento revogado ou caduco, é
desnecessária qualquer manifestação judicial, sendo viável a lavratura da
escritura, cabendo ao tabelião verificar a ocorrência da revogação ou a
caducidade. 10

 A doutrina já se manifesta no mesmo
sentido. Christiano Cassettari10
 afirma, com propriedade, que “quando o
legislador menciona, ‘havendo testamento’ se procederá ao inventário
judicial, isso deverá ocorrer somente quando houver previsão expressa
sobre disposição patrimonial que impeça a aplicação da sucessão legítima,
alterando as regras de transferência da propriedade aos herdeiros legítimos,
sob pena de chegarmos ao cúmulo de impedir que o inventário extrajudicial
ocorra, por exemplo, no caso de o testador ter feito um testamento para
revogar um anterior, para que em sua sucessão sejam aplicadas as regras da
sucessão legítima”. O autor traz à baila situação que já enfrentei na prática
notarial: clientes que, tomando conhecimento da Lei 11.441/07, decidiram
revogar o testamento para que seus sucessores não precisem recorrer ao
Judiciário, para que possam processar a sucessão administrativamente,
entendendo que, com a revogação, por ocasião do óbito não terão
testamento válido e eficaz a impedir a lavratura de escritura de inventário e
partilha.
 Conclui Christiano Cassettari, comentando
a nova redação das Normas da Corregedoria paulista: “acreditamos que
essa regra em breve estará nas normas de serviços de todos os estados
brasileiros, para que a população possa se beneficiar dela, permitindo que
nesses casos o inventário possa ser feito, também, em cartório”.
 Anote-se, por fim, a existência de decisões
judiciais admitindo a escritura pública de inventário e partilha ainda que
exista testamento válido e eficaz (p. ex., 7ª Vara da Família e Sucessões,
Comarca de São Paulo – Proc. nº: 0052432-70.2012.8.26.0100). São
decisões de vanguarda que certamente inspirarão o legislador a avançar.
Sendo todos capazes e concordes com os termos do testamento, inclusive
com eventuais gravames impostos pelo testador, o que justifica impedir o
inventário e a partilha administrativos? Vale salientar que muitas pessoas
evitam o inventário e a partilha com doações, impondo por vezes cláusulas
restritivas, o que não encontra qualquer óbice na legislação. Não deveria
haver impedimento, também, que os beneficiários do testamento
promovessem o inventário e a partilha administrativamente, como já
afirmado.

5) Conclusão.


10
 CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura
pública, 6ª edição. São Paulo: Método, 2.013. 11

 Diante de todo o exposto, entendo que a
lavratura das escrituras públicas de inventário e partilha não pode ser
obstada pela existência de testamento revogado ou caduco, para que não se
fira o espírito da lei. Acrescente-se a hipótese relacionada pela
Corregedoria paulista: quando houver decisão judicial, com trânsito em
julgado, declarando a invalidade do testamento.
 Nas hipóteses ventiladas, não faz qualquer
sentido remeter os interessados, necessariamente, para a via judicial.
Havendo testamento válido e eficaz, o inventário e a partilha judiciais são
precedidos do procedimento previsto no art. 1.125 e seguintes do Código
de Processo Civil, de abertura, registro e cumprimento do testamento, no
qual o magistrado, após oitiva do Ministério Público, mandará cumprir o
testamento “se lhe não achar vício externo, que o torne suspeito de nulidade
ou falsidade (art. 1.126)”. Se o testamento foi revogado ou caducou, não se
aplicará o referido procedimento especial de jurisdição voluntária, pois
inexiste testamento a cumprir. O que deverá o magistrado mandar cumprir?
Nada a cumprir quanto a disposições de última vontade, pois a sucessão
obedecerá às regras da sucessão legítima. Assim, diante de um testamento
revogado ou caduco, em juízo somente se processam o inventário e a
partilha, como se testamento não houvesse (e efetivamente não há
testamento eficaz, apto a produzir efeitos). Portanto, a intervenção judicial
somente se dará no processamento do inventário e da partilha e, neste caso,
a lei faculta às partes optar pela via administrativa, não havendo incapazes.
 Dessa forma, analisando os casos concretos
e estando seguros da revogação ou da caducidade, devem os tabeliães
lavrar as escrituras independentemente de qualquer autorização das
corregedorias, pois o fundamento para a lavratura está na Lei 11.441/07, e
não em qualquer ato administrativo, assim como devem os oficiais de
registro acolhê-las no fólio real. Não obstante, a edição de normas pelas
corregedorias é salutar, pois colabora para a uniformização do
entendimento. Ainda vivemos um momento de transição no qual alguns
notários e registradores temem assumir o papel reconhecido em lei de
profissionais do direito, necessitando de apoio em regras administrativas.
 As mudanças legislativas muitas vezes são
tímidas, o que certamente impediu que, por ocasião da edição da Lei
11.441/07, se autorizasse a lavratura de escrituras de inventário e partilha
mesmo havendo testamento válido e eficaz, na hipótese de herdeiros
capazes. Certamente vamos avançar nesse sentido.

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