quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Direito de Propriedade: breves apontamentos

            O Direito à Propriedade é um conceito de difícil definição, esta dificuldade nasce da multiplicidade de aspectos a ela inerente: sociológico, filosófico, histórico, jurídico, econômico, etc...
            O Direito à Propriedade privada não nasceu junto com a humanidade, na antiguidade, onde prevalecia a feição predominantemente coletiva, havia a soberania da propriedade coletiva sobre a individual.
            A evolução das sociedades trouxe consigo a valorização de alguns indivíduos, o que possibilitou o começo da ideia de propriedade privada, inicialmente de bens móveis, posteriormente, dos bens imóveis.
            A invenção e posterior expansão da moeda consolidaram a ideia da propriedade individual.
Foi o Direito romano que estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A Lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos escritos consagrados da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão[1].
            Na Lei das Doze Tábuas, especificamente na Tábua VI, temos a definição das regras romanas para a propriedade[2]:
TÁBUA SEXTA
Do direito de propriedade e da posse
- Se alguém empenha a sua coisa ou vende em presença de testemunhas, o que prometeu tem força de lei.
- Se não cumpre o que prometeu, que seja condenado em dobro.
- O escravo a quem foi concedida a liberdade por testamento, sob a condição de pagar uma certa quantia, e que é vendido em seguida, tornar-se-á livre se pagar a mesma quantia ao comprador.
- A coisa vendida, embora entregue, só será adquirida pelo comprador depois de pago o preço.
- As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano.
- A mulher que residiu durante um ano em casa de um homem, como se fora sua esposa, é adquirida por esse homem e cai sob o seu poder, salvo se se ausentar da casa por 3 noites.
- Se uma coisa é litigiosa, que o pretor a entregue provisoriamente àquele que detém a posse; mas se se tratar da liberdade de um homem que está em escravidão, que o pretor lhe conceda a liberdade provisória.
- Que a madeira utilizada para a construção de uma casa, ou para amparar videira, não seja retirada só porque o proprietário a reivindica; mas aquele que utilizou a madeira que não lhe pertencia, seja condenado a pagar o dobro do valor; e se a madeira é destacada da construção ou do vinhedo, que seja permitido ao proprietário reivindicá-la.
- Se alguém quer repudiar a sua mulher, que apresente as razões desse repúdio.
A propriedade para o Direito Romano era um direito absoluto, perpétuo, oponível contra todos e exclusivo de seu titular que poderia dela dispor com plenitude[3].
Atualmente, vários importantes doutrinadores continuam a árdua missão de conceituar o Direito a Propriedade.
Eros Roberto Grau[4] sustenta que a propriedade privada tem, essencialmente, 4 perfis, identificando-os como (a) o subjetivo, relativo ao exame estaticamente considerado da situação jurídica do proprietário; (b) o objetivo, pertinente a seu reconhecimento como situação jurídica legítima pelo ordenamento; (c) o estático, representativo da perenidade da propriedade enquanto prerrogativa oponível erga omnes; e (d) o dinâmico, decorrente da nova roupagem assumida pela propriedade privada, notadamente no tocante aos bens de produção, em razão do conflito entre propriedade e trabalho, em relação ao qual incide, de modo pronunciado, o princípio da função social da propriedade privada.
Para Maria Helena Diniz, a propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem de usar, gozar, dispor e reaver[5].
Clóvis Beviláqua preconiza que a propriedade é o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física e moral[6].
Diante da dificuldade de conceituar o vocábulo propriedade, Scialoja[7] viabiliza três opções:
a) limitar a propriedade a seus elementos constitutivos: direito de usar (jus utendi ), gozar (jus fruendi) e dispor (jus abutendi).
b) enfatizar que a propriedade vem a ser a exteriorização da vontade livre do proprietário; e,
c) relevar o momento estático da relação jurídica da propriedade sem preocupar-se com a possível manifestação da vontade do proprietário.
O direito à propriedade tem embasamento na lei que o institui, atendendo as exigências sociais que cada época exige.
O conceito de direito à propriedade, formatado com base na legislação brasileira atual, se fundamenta em face de suas características e função.
A Constituição Federal[8] estabelece que:
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte
...........
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;


TÍTULO VII
Da Ordem Econômica e Financeira
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
.......
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;


CAPÍTULO II
DA POLÍTICA URBANA
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
......
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
....
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
.......
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;


CAPÍTULO III
DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos

O Código Civil em vigência por sua vez, estabelece em seu artigo 1.228 que:
Art. 1.228[9]. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. (grifo nosso)
Como observado, o direito à propriedade é conceituado em nosso ordenamento através de suas faculdades (usar, gozar, dispor e reaver), características (absoluto, exclusivo, perpétuo, elástico e fundamental) e finalidade (função social).
O direito à propriedade, como regra geral, atribui ao titular da coisa às faculdades de USAR, que é a prerrogativa do dono de servir das suas utilidades, GOZAR que é o poder de receber seus frutos; DISPOR que é a prerrogativa de desfazer e, REAVER, que é o direito de reaver a coisa de quem a injustamente a pegou.
O direito à propriedade é caracterizado por seu caráter absoluto, entendido como a ideia de ter o maior número de poderes inerentes ao domínio da coisa (elencados no artigo 1.228 do Código Civil).
A exclusividadeé presumida até que haja prova em contrário.
O direito à propriedade transcende a morte de seu titular, sendo transmitida instantaneamente a seus herdeiros, daí seu caráter perpétuo.
Partindo das faculdades da propriedade (usar, gozar, dispor e reaver) é possível a existência de uma “propriedade parcial” com a consequente criação de direitos reais, restritos a cada uma das faculdades individualmente, daí sua caracterização como elástica.
A condição de fundamental da propriedade é uma criação trazida diretamente da Constituição Federal de 1.988 que passou a considera-la como um direito fundamental (artigo 5º).
Todos os institutos jurídicos, incluindo o direito à propriedade, devem se adaptar à noção geral da função social, ou seja, possuir uma finalidade em razão da qual justifique a sua existência.
O ordenamento jurídico deve garantir o direito à propriedade individual, mas esse direito deve ser exercido dentro de limites, sem abusos, principalmente no que concerne ao não aproveitamento de um bem, por outro lado, deve estar relacionado, também, a uma utilização efetiva e constante do mesmo.
A proteção ao direito de propriedade está diretamente relacionada à destinação que se faz ao uso de um bem, de tal forma que esta proteção apenas se justifica se a destinação dada estiver alinhada à sua função social.

Autor: Luiz Fernando Godo




[1]MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 7
[2]http://api.adm.br/direito/TABUAS.htm - acessado em 29 de março de 2.013
[3]GUIMARÃES, Affonso Paulo - Noções de Direito Romano - Porto Alegre: Síntese, 1999;
[4] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 237;
[5]DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15. Ed. São Paulo: editora Saraiva, 2010. P. 848;
[6]BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Coleção história do Direito Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2003. V. 1, p. 127
[7] SCIALOJA, Vittorio. Teoria dellaproprietàneldiritto romano,Imprenta: Spoleto, 1993,V.1,p.272-3
[8]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm acessado em 28 de março de 2013;
[9]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm#propriedadetituloiii, acessado em 01 de abril de 2.013;

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